Nunca antes na história de sua existência centenária o
Supremo Tribunal Federal foi tão respeitado pelo contribuinte como hoje. No
julgamento do mensalão, o tribunal fez o que todos imaginavam que jamais seria
feito no Brasil: igualou o criminoso graúdo ao pobre-diabo.
Depois de corrigir a cegueira, regular a balança e afiar a
espada, o STF decidiu desafiar a sorte. Por cinco votos contra cinco está
empatada a votação que poderá representar o casamento do Supremo com a glória
ou sua reconciliação com o descrédito.
Na sessão desta quinta-feira, quem melhor resumiu a cena foi
Marco Aurélio Mello: “Sinalizamos para a sociedade brasileira a correção de
rumos, visando um Brasil melhor. Cresceu o Supremo como órgão de cúpula do
Judiciário junto aos cidadãos. Mas estamos a um passo, ou melhor a um voto de
desmerecer a confiança que no Supremo foi depositada”.
Voltando-se para o colega Celso de Mello, Marco Aurélio
cutucou: “Que responsabilidade, ministro!” É do decano do STF o voto que
decidirá se os mensaleiros vão para a cadeia imediatamente ou se terão direito
de interpor um derradeiro recurso - o embargo infringente -, que pode levar à
redução de penas e até à prescrição.
“A repercussão que isso terá é incomensurável”, lamuriou-se
Gilmar Mendes. Num chiste, Marco Aurélio insinuou que o Supremo está prestes a
entrar na linha de tiro das ruas: “Vossa excelência fique tranquilo, ministro
Gilmar, porque eu soube que os vidros do plenário foram blindados”.
Se a votação está empatada é porque o tribunal se dividiu
quanto ao nó da questão: são cabíveis os recursos modificativos contra decisões
do plenário do STF, espécie de Olimpo do Judiciário? Os partidários do ‘não’
dispõem de argumentos bastante ponderáveis. O principal deles, exposto pela
ministra Cármem Lucia e esmiuçado por outros colegas é o de que o STF passaria
a ser o único tribunal superior a admitir os tais embargos infringentes. O STJ,
onde são julgados, entre outros, os governadores de Estado, não os admite. No
dizer de Marco Aurélio, “o sistema não fecha”.
Se é assim, pergunta a plateia aos seus botões, por que
diabos a maioria dos ministros não opta pela solução mais lógica? Gilmar
Mendes foi ao ponto: “Só há duas explicações possíveis para que as provas sejam
reanalisadas pelo mesmo órgão julgador, ambas graves. Ou o trabalho custoso do
já sobrecarregado plenário é inútil ou joga-se com a odiosa manipulação da
composição do tribunal”. E Marco Aurélio: “Talvez já não tenhamos o mesmo
tribunal.”
Em debates como esse, a entrelinha por vezes grita mais do
que a linha. O que Gilmar e Marco Aurélio disseram - sem declarar
explicitamente - foi que os últimos ministros enviados por Dilma Rousseff ao
Supremo deram ao plenário uma fisionomia mais, digamos, simpática aos
mensaleiros.
Para usar expressões caras ao recém-chegado Luís Roberto
Barroso: um julgamento que ficou “fora da curva” pode agora ser puxado para
dentro da curva. Gilmar deu nome e sobrenome ao problema: José Dirceu. “O pano
de fundo é a afirmação de que houve exasperação de penas. E o exemplo citado é
a pena de 2 anos e 9 meses aplicada a José Dirceu no crime de quadrilha.”
Noutro julgamento recente, o do senador Ivo Cassol (PP-RO),
Roberto Barroso e Teori Zavaschi alteraram com seus votos a maioria que se
havia formado no julgamento do mensalão nas condenações por formação de
quadrilha. Com isso, o STF serviu a Cassol um refresco que, se forem aceitos os
embargos infringentes, poderá ser estendido a mensaleiros como Dirceu, Delúbio
Soares e José Genoino..
Gilmar iluminou a incongruência. No caso do
deputado-presidiário Natan Donadon, os desvios foram de R$ 8 milhões e o pedaço
da sentença relativo à formação de quadrilha somou 2 anos e 3 meses. No
escândalo do mensalão, disse Gilmar, os desvios foram de R$ 170 milhões, e a
pena de quadrilha imposta ao “chefe” Dirceu foi de 2 anos e 9 meses. Comparando
um caso com o outro, arrematou Gilmar, o episódio Donadon deveria ser analisado
por um “Juizado de Pequenas Causas”.
Afora o desafio ao bom senso, a aceitação dos embargos infringentes
forçaria o STF a admiti-los em todas as outras ações penais que já tramitam nos
seus escaninhos. Marco Aurélio injetou na sessão uma dose de realismo
fantástico:
“Só eu tenho mais de 200 [processos] na fila do plenário,
aguardando espaço na pauta. Tenho um processo que liberei há mais de dez anos
para julgamento. E isso é uma frustração para o julgador. Há alguma coisa
errada. Mas queremos ficar com o disco arranhado na mesma faixa.” É contra esse
pano de fundo que metade do STF votou pelos aceitação dos embargos
infringentes. (...)
Fonte: Josias de Souza, “Após dar um salto, STF flerta com o descrédito”, Blog do Josias, postado em 13/9/13.
Em tempo: pensava em escrever algo a respeito, mas não seria capaz de expressar o que penso de forma melhor do que já feita pelo texto postado acima.
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