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quarta-feira, 1 de julho de 2015 | | 0 comentários

Um país sem corrupção

(...) um país decente depende, é óbvio, da impessoalidade no trato dos negócios públicos.

Enquanto prevalecer a necessidade de mostrar uma mala de dinheiro às campanhas políticas, para "abrir portas", o Brasil será essa pústula exposta com tremenda claridade pela operação Lava Jato (ou por dezenas de outras, antes dela). (...)

Fonte: Clóvis Rossi, “Precisa ordenar respeito à lei?”, Folha de S. Paulo, Mundo, 29/6/2015.

sexta-feira, 17 de abril de 2015 | | 0 comentários

Somos classe média, e daí?

É má-fé ou ignorância (ou ambas as coisas juntas) satanizar a classe média pelas manifestações contra o governo.

Má-fé porque a classe média, como qualquer outro segmento, tem todo o direito de se manifestar, contra ou a favor do governo. É uma obviedade, eu sei, mas ter que escrever tão tremenda obviedade é um sinal da indigência do debate público brasileiro.

Ignorância porque a classe média foi o motor de TODAS as manifestações que a esquerda considerou épicas. Foi o tal de povo, por acaso, que esteve presente em massa nos atos pela anistia? Foi o tal de povo, por acaso, que se mobilizou pelas "diretas-já", o maior movimento de massas da história recente (e não tão recente)? (...)

Fonte: Clóvis Rossi, “Classe média à la carte”, Folha de S. Paulo, Mundo, 14/4/15.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015 | | 0 comentários

Uma esperança para os jornais (e o jornalismo de qualidade)

Há um par de anos, a "Economist" alçou à capa a suposição, tirada de um especialista em comunicação, de que o último jornal impresso circularia pela última vez no ano de 2043.

(...) Eis que, há duas semanas, John Cassidy, jornalista da "New Yorker", tascou o primeiro texto razoavelmente otimista sobre a indústria nos últimos 20 anos.

Antes das boas notícias, o diagnóstico mais ou menos consensual: com a chegada da internet, o antigo modelo de negócios baseado em receitas de publicidade foi seriamente danificado, "e o esforço para replicar o modelo de anúncios na rede fracassou em geral".

Ninguém, no mundo inteiro, descobriu até agora como ganhar dinheiro com jornalismo na internet.

Ganhar dinheiro, no caso, não significa só os trocados que permitem a mera sobrevivência. Jornalismo (de qualidade, é claro) é um esporte extremamente caro e, portanto, exige receitas de fato suculentas.

A boa notícia é que começam a pipocar, aqui e ali, números que demonstram que talvez dê, sim, para ganhar dinheiro com notícias no papel e em sua versão digital.

O exemplo mais recente citado por Cassidy é o do veteraníssimo "Times" (o de Londres, não o de Nova York), que acaba de anunciar o primeiro lucro operacional após 13 anos de prejuízos.

Como foi dos primeiros a cobrar pelo seu conteúdo, o lucro do "Times" é um desmentido à sabedoria convencional que diz que ninguém pagaria por notícias se estivessem disponíveis de graça na internet.

(...) A mudança no modelo de negócios, se e quando efetivamente se consolidar, beneficia o leitor, como escreve Cassidy:

"Jornalistas financiados por anúncios são dependentes de anunciantes, da métrica de page-views' e dos algoritmos das mídias sociais. Jornalistas financiados por assinaturas são dependentes dos leitores".

(...) O otimismo do texto não leva o autor à ingenuidade de supor que a crise do modelo de negócios está superada, mas lhe permite afirmar que "o argumento de que jornais são dinossauros, destinados a serem substituídos por competidores on-line mais ágeis, parece um bocado menos convincente do que há poucos anos". (...)

Fonte: Clóvis Rossi, "Há vida no planeta jornal", Folha de S. Paulo, Mundo, 28/12/14.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014 | | 0 comentários

Frase

“Fugir do passado não o modifica.
Clóvis Rossi, jornalista, em artigo na "Folha de S. Paulo"

terça-feira, 21 de outubro de 2014 | | 0 comentários

Podemos! Queremos?

(...) Na Espanha, ainda que as ruas também tenham sido esvaziadas, o movimento dos indignados refluiu para assembleias em bairros ou cidades e, a partir delas, criou uma instância o mais parecida possível com um partido político.

Chama-se Podemos, capturou 1,2 milhão de votos nas eleições europeias de maio passado e elegeu cinco eurodeputados. (...)

Na Espanha, o Podemos lançou um tema que nem remotamente assoma no Brasil: o pagamento da dívida. Propõe não o calote, mas uma reestruturação ordenada, no pressuposto de que se trata de "uma questão de eficiência econômica e de necessidade".

No Brasil, a rubrica que mais consome recursos públicos, depois da Previdência, é o pagamento dos juros da dívida, mas trata-se de um item tabu. Reestruturar pode ou não ser factível, mas interditar o debate sobre o tema, como o fazem os grandes partidos, só torna mais urgente a necessidade de um Podemos tapuia, que tente resgatar e içar a bandeira das ruas. (...)

Fonte: Clóvis Rossi, "Não, não podemos", Folha de S. Paulo, Mundo, 21/10/14.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014 | | 0 comentários

"A barbárie se aproxima"

(...) Quando bandidos, em vez de fugir da polícia, como seria de seu DNA, se animam a desafiá-la a luz do dia (...) é porque a criminalidade se sente mais forte que o Estado.

Daí à barbárie é um pequeno passo.

Fonte: Clóvis Rossi, "Folha de S. Paulo", Mundo, 7/10/14 (íntegra
aqui).

sexta-feira, 11 de julho de 2014 | | 0 comentários

Lições de uma goleada

A seleção da Alemanha que humilhou o Brasil por 7 a 1 nasceu de um vexame - a derrota por 2 a 0 para a seleção brasileira no final da Copa da Coreia e do Japão, em 2002. Após o resultado, a Alemanha decidiu que seu futebol chegara a um ponto de esgotamento que precisaria se reinventar. Se a seleção quiser tirar alguma lição do massacre que sofreu no Mineirão, é melhor estudar o que os germânicos fizeram nesses 12 anos.

O plano alemão partiu de um tripé: formação de jogadores, intolerância com a corrupção e a busca por mais torcedores. (...)

Fonte: Mario Cesar Carvalho, "Lições do massacre", Folha de S. Paulo, Opinião, 10/7/14.

*** 

(...) A questão a ser analisada é qual a relação entre clubes fortes e seleções fortes. O Brasil tem clubes pobres há alguns anos, mas nem por isso deixou de ser campeão mundial em 1994 e 2002. Se fracassou este ano, não foi pela debilidade de seus clubes, refletida no fato de que apenas 4% dos jogadores que disputaram as semifinais atuam no Brasileirão (contra 23%, lembra-se?, que jogam na Bundesliga).

(...) O fato é que, se quiser pensar em termos de espetáculo e de negócios - os dois pilares do futebol -, o Brasileirão não pode continuar sendo piada em vez de campeonato.

Fonte: Clóvis Rossi, "Alemanha ganha também em casa", Folha de S. Paulo, Mundo, 10/7/14.

terça-feira, 22 de abril de 2014 | | 0 comentários

País civilizado é...?

(...) No Rio de Janeiro, números do Ins­ti­tu­to de Se­gu­rança Pú­bli­ca citados ontem por "El País" são inacreditáveis: nos últimos oito anos, foram 43.165 mortes violentas, o que dá 500 ao mês, justamente no período em que se disseminaram as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora). Sem contar os mais de 38 mil des­apa­re­ci­dos nem as mais de 31 mil ten­ta­ti­vas de ho­mi­cídio.

Se esses números se dão em uma época supostamente pacificadora, tremo de medo de imaginar como seriam em outros momentos. O país e o subcontinente vivem a era da selvageria, e as autoridades parecem impotentes. Ou incompetentes?

Fonte: Clóvis Rossi, “A selvageria como regra”, Folha de S. Paulo, Mundo, 22/4/14.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013 | | 0 comentários

Risco EUA

(...) Já é absurdo que os Estados Unidos se erijam em vigilantes do planeta, com seu megaesquema de espionagem. Mais absurdo fica quando seu sistema político passa a ser refém de um grupo de fanáticos de extrema direita que quer impor seus preconceitos, passando por cima dos mecanismos democráticos.

Refiro-me ao fato de que os radicais do Partido Republicano paralisaram, primeiro, a administração e, em seguida, puseram o país à beira do calote, a pretexto de derrubar um sistema de seguro-saúde que foi aprovado pelo Congresso e, depois, referendado na eleição presidencial de 2012, em que seu autor, um certo Barack Obama, foi comodamente reeleito. (...)

Fonte: Clóvis Rossi, "Desamericanizar é preciso?", Folha de S. Paulo, Mundo, 17/10/13.

PS: quem tem mais de 30 anos certamente vai se lembrar dos tempos em que se falava do risco Brasil na economia. Pois bem: diante dos novos tempos, o título desta postagem é uma referência provocativa.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013 | | 0 comentários

Para não se esquecer

Ainda havia filetes de sangue nas águas rasas do Mapocho, o riozinho que corta Santiago, quando cheguei ao Chile para cobrir o golpe que derrubou o presidente constitucional Salvador Allende Gossens.

Era 21 de setembro de 1973, porque, nos dez dias desde que foi dado o golpe, o Chile ficara fechado por terra, mar e ar para que os militares pudessem provocar o derramamento de sangue que manchou o Mapocho e espalhou-se por todo o Chile, "desde el salar, ardiente y mineral/al bosque austral", como diz a canção "El pueblo unido jamás será vencido" que o grupo folclórico Quilapayún cantava nos tempos em que o sangue ainda não corria.

Deu tempo também de ver ao vivo o que se tornaria uma foto que ficou famosa no mundo inteiro: a queima de livros que trazia à memória o nazismo alemão.

Via-se então que não apenas o passo de ganso característico dos militares chilenos os aproximava de seus congêneres de outros tempos na Alemanha.

Tornou-se obrigatório deixar um pouco de lado o profissionalismo para oferecer-me como muleta (inútil, logo se veria) a pais de brasileiros exilados no Chile e desaparecidos desde o golpe.

Acompanhava-os ao Estádio Nacional, transformado em campo de concentração e morte, no que acabava sendo uma tortura adicional à falta de notícias sobre os filhos.

Ninguém dava informações à porta do estádio e, na falta delas, os parentes dos presos trocavam os piores presságios e contavam as mais horríveis histórias, que, ao longo dos anos, acabaram se provando verdadeiras, terrivelmente verdadeiras.

Dizia-se, por exemplo, que o cantor e compositor Victor Jara, que era adepto declarado da Unidade Popular, a coligação que o golpe apeou do poder, tivera os dedos quebrados durante a tortura no estádio, para que nunca mais tocasse as canções que embalavam os sonhos da esquerda no poder.

Jara não morreu no Estádio Nacional de Santiago, mas foi torturado até a morte no Estádio Chile, outro campo de concentração.

É fácil para qualquer ser humano com um dedo de sensibilidade sentir o pavor de pais que, primeiro, haviam perdido seus filhos para o exílio, depois do golpe no Brasil, e agora viam fugir a perspectiva de revê-los ainda que massacrados, mas pelo menos vivos.

Havia toque de recolher, primeiro a partir das 18h. Depois, das 20h. Eu me hospedara no então Hotel Carrera Sheraton, atrás do Palácio de la Moneda em que Allende se matou.

As noites eram intermináveis, trancado no quarto.

Olhava pela janela, via os sinais do ataque da Força Aérea ao palácio, uma sombra na praça vazia.

Ninguém na rua.

O semáforo, no entanto, continuava mudando do verde para o amarelo, para o vermelho, para ninguém, salvo um ou outro veículo militar, enquanto ao longe se ouvia o "ratatá" das metralhadoras, porque, dia após dia, noite após noite, "están matando chilenos/ay que haremos/ay que haremos", como cantavam os Quilapayún.

Ninguém no Chile os ouvia.

Fonte: Clóvis Rossi, “Sangue ainda escorria quando cheguei para a cobertura do golpe contra Allende”, Folha de S. Paulo, Mundo, 11/9/13.

PS: postei o texto na íntegra como lembrança do golpe militar e da posterior sangrenta ditadura de Pinochet no Chile. O golpe faz nesta quarta-feira 40 anos. É uma forma de fazer com que o terror comum a toda ditadura não seja jamais esquecido para que nunca se repita.

sábado, 18 de maio de 2013 | | 0 comentários

O medo das ditaduras

Jorge Rafael Videla, o maior símbolo da ditadura argentina do período 1976/83, morreu onde devia mesmo morrer: na cadeia.

Não é o caso de fazer um balanço do que foi esse terrível período da história argentina, prenhe, aliás, de períodos terríveis.

Só vou falar do medo, o medo tremendo que ditaduras injetam no corpo e na alma até de quem, como eu, nem argentino sou.

Medo que começou quando a sucursal da Folha em Brasília iniciou as gestões junto à embaixada argentina para que eu obtivesse o visto de residência, já que havia sido designado correspondente do jornal em "mi Buenos Aires querido".

Era 1980, Videla era o presidente de turno da ditadura. A informação inicial foi a de que não me dariam o visto porque eu não era jornalista, "era militante".

Não era exatamente mentira. Nunca militei em partido algum, mas militava, sim, como voluntário em defesa dos direitos humanos, sob o generoso guarda-chuva da Arquidiocese de São Paulo, então comandada por dom Paulo Evaristo Arns.

Ser carimbado como militante pela ditadura argentina equivalia quase a uma sentença de morte. Por isso, hesitei a princípio em assumir o posto, ainda mais pelo risco a que exporia a família.

Mas acabei indo, torcendo para que o fato de ser correspondente funcionasse como um habeas corpus preventivo, embora precário.

Funcionou em termos. Até que, um dado dia, apresenta-se em meu apartamento Eduardo Pereyra Rossi (sem parentesco), um dos sete "comandantes", como os Montoneros, o grupo peronista dedicado à luta armada, chamava seus principais líderes.

Era um dos sete homens mais procurados pela máquina de matar dos militares. Eduardo me fora apresentado em São Paulo, durante as férias, por um amigo comum.

Conversamos um bom tempo. Ao despedir-se, me pediu que eu observasse da sacada até que ele dobrasse a esquina. Se fosse preso antes, que eu fizesse a denúncia.

Eduardo, naquele dia, dobrou a esquina, mas uns dez dias depois, foi morto em um suposto "enfrentamiento".

Aí, começaram os problemas mais sérios. Primeiro, um roubo no apartamento, quando estávamos todos fora, em que levaram notas de US$ 50 e US$ 100, mas deixaram as de US$ 10. Você conhece ladrão comum que deixa notas de dólar encontradas na mesma gaveta em que estavam as roubadas?

O objetivo era deixar a mensagem de que eu estava sendo vigiado e podiam fazer o que quisessem. Após outro episódio similar, chamamos a polícia, que, porém, não procurou impressões digitais nas portas, alegando que em portas de madeira não ficam impressões digitais.

Depois, começou o seguimento na rua. Notei que um baixinho gordinho aparecia frequentemente em locais a que eu ia. Um dado dia, apareceu na porta da galeria em que ficava a lavanderia a que eu levava a roupa (a família estava de férias no Brasil).

Depois, reapareceu na estação do metrô perto de casa, e desceu na mesma estação que eu. Eu havia marcado encontro com um advogado (comunista) da Liga dos Direitos do Homem, num café da praça Lavalle, no centro.

Entrei no café, sentei e, pelos janelões, vi que ao baixinho gordinho se juntara um mais alto, espigado, de óculos escuros, bolsa tipo capanga embaixo do braço. Ficaram olhando para o café, e eu olhando para eles.

O advogado não apareceu. Deduzi que havia sido preso, que meu nome e telefone estavam na agenda dele e por isso eu estava sendo seguido.

Saí depois de uma hora de espera. Quando dei meia volta após um tumulto qualquer na pracinha, dei de cara com o baixinho gordinho, que me seguiu até o metrô.

Pouco mais tarde, vou almoçar no café da esquina de casa. Não demora e entram o baixinho gordinho e o da bolsa capanga. Não consigo comer, já aterrorizado.

Vou à sede da Liga dos Direitos do Homem, saber do meu amigo advogado. Não estava, não aparecia havia dias. Parecia confirmar-se a minha dedução sobre sua prisão.

Desço e, no térreo, ao fechar a porta pantográfica do elevador (prédio antigo, elevador antigo), dou de cara com um gigante de 2 metros de altura. Pensei: "Agora, engrossaram e mandaram um bem grandão para me fazer desaparecer". Era apenas a minha imagem no espelho. O episódio me ensinou o efeito devastador que o medo provoca, em situações que você não pode controlar.

Folha achou prudente antecipar viagem já programada para a América Central para cobrir as guerras em andamento. Fui e mesmo tendo caído em fogo cruzado em El Salvador, eu ao menos sabia quem era quem e de onde vinha o perigo.

Na guerra argentina, o terror era promovido pelas sombras de um Estado tomado por uma máquina de matar.

PS - Meu amigo advogado tinha apenas ido visitar a mãe doente no interior.

Fonte: Clóvis Rossi, “Sofri o medo que as ditaduras injetam no corpo e na alma”, Folha de S. Paulo, Mundo, 18/5/13.

PS: embora este blog não tenha finalidade comercial, sigo a regra determinada pela “Folha” - para preservar direitos autorais - a respeito da republicação de seu material (dois parágrafos, com link para o original). 

Neste caso, porém, dada a importância do tema, decidi postar o texto na íntegra. Ele só é compreensível se toda a história for contada. 

Além disso, serve de lição para que NUNCA MAIS alguém seja perseguido, preso, torturado e morto apenas por exercer o sagrado direito de discordar.

domingo, 4 de novembro de 2012 | | 0 comentários

Criminalidade fora de controle

Deu no jornal: "O governo anunciou um pacote de medidas destinadas a controlar a criminalidade. Entre elas, figuram um reforço dos efetivos da polícia e o lançamento de uma nova estratégia, baseada na inteligência e em uma cooperação estreita entre forças da ordem e a magistratura para lutar contra o tráfico de drogas".

Estamos falando de São Paulo? Não. A notícia refere-se a Marselha, onde ocorreram 17 assassinatos este ano, mais seis no seu entorno, poucos para o padrão brasileiro, insuportáveis para os franceses.

Reproduzo a notícia apenas para sublinhar uma coisa que deveria ser óbvia: o aumento da violência, em geral associada ao narcotráfico, não é um fenômeno exclusivamente paulista ou brasileiro.

Está se tornando uma praga em incontáveis países. Por isso mesmo, demanda um nível de cooperação entre as diversas instituições do Estado que, até faz pouco, não era nem tão relevante nem tão urgente.

Essa obviedade torna incompreensível a relutância do governo de São Paulo, só agora vencida, em aceitar a ajuda oferecida pelo Ministério da Justiça.

Segundo o "Painel", lideranças tucanas explicam a relutância com base em uma tola teoria da conspiração: o governo federal estaria querendo desconstruir a política de segurança de São Paulo, para arrebatar o governo dos tucanos em 2014.

O que desconstrói qualquer política de segurança é o aumento da violência, não uma ação conjunta que eventualmente a reduza.

Custa a crer que se torne necessário escrever tão tremenda obviedade, mas a culpa é da indigência do debate público no Brasil, em grande medida transformado em um Fla-Flu de baixo nível entre petistas e tucanos.

Vale acrescentar que a eficaz cooperação União/Estado no Rio de Janeiro não deu um só voto ao PT, em processo de liquefação no Estado, mas encheu a burra do governador Sérgio Cabral e do prefeito Eduardo Paes (ambos do PMDB).

Se o tucanato ainda tem dúvidas, pergunte a Teotônio Vilela, governador do partido em Alagoas, se ele também não deve parte da reeleição em 2010, após um início desastroso, à cooperação Estado/União na área de segurança, que reduziu a criminalidade até em Arapiraca, epicentro de tremendo faroeste.

A proposta do Ministério da Justiça faz todo o sentido: criar uma força-tarefa que ataque a criminalidade por todos os ângulos.

Pela força, com as polícias Civil e Militar de São Paulo e a Federal, pela inteligência (dessas polícias mais a Agência Brasileira de Inteligência), pelo lado financeiro, por meio da Receita Federal, mais o Ministério Público e o Judiciário.

No limite, segundo o Ministério da Justiça, seria utilizado também o Exército.

Detalhe: em Marselha, a senadora socialista Samia Ghali está igualmente propondo usar o Exército para pôr fim ao banho de sangue.

Em vez de relutar, o governo paulista deveria é cobrar do federal que a força-tarefa saia já do papel, e não fique no velho truque político de criar um grupo de trabalho quando não se sabe como resolver um dado problema.

Fonte: Clóvis Rossi, “São Paulo na guerra global ao crime”, Folha de S. Paulo, Mundo, 4/11/12.

terça-feira, 5 de junho de 2012 | | 0 comentários

Deus salve a rainha (! ou ?)

Terminam hoje as celebrações do jubileu adamantino da rainha Elizabeth 2ª. Os britânicos e os súditos das outras 15 nações das quais ela é o chefe de Estado já são bem grandinhos para decidir se querem ou não mantê-la no posto. E, ao menos no caso dos ingleses, tudo indica que querem.

A pergunta que não quer calar é: de onde vem tanto fascínio com a realeza? A resposta passa pelo essencialismo, a irresistível tendência dos seres humanos de enxergar uma natureza secreta por trás das coisas.


Monarcas souberam explorar isso bem, proclamando que se sentavam no trono por direito divino. Depois do Altíssimo, eram eles que mandavam. Para reforçar a obediência, desde Homero reis reservaram para si os melhores papéis ficcionais. Todos os heróis da "Ilíada" são soberanos ou herdeiros. O mesmo vale para Gilgamesh, os reis Saul, Davi e Salomão, o ciclo arturiano, Beowulf e até as histórias infantis, povoadas por príncipes e princesas. Não é exagero afirmar que, em nossas cabeças, as noções de herói e rei se misturam.


Após 3.000 anos de doutrinação política e literária, seria uma surpresa se não víssemos a realeza favoravelmente. O problema é que, com o progresso da civilização, o princípio mesmo da monarquia se tornou moralmente injustificável. Como defender que um ser humano tenha privilégios em virtude não de seu esforço (ou, se admitirmos o direito de herança, do de seus pais), mas apenas de seu nascimento? É difícil imaginar ideia mais antidemocrática que essa.


O mais incrível é que, em tempos nos quais apenas sugerir que possa haver diferenças naturais entre raças, gêneros e grupos sociais já aciona a patrulha do politicamente correto, milhões de pessoas ainda se encantem com a mais absurda das dicotomias jamais criadas pelo homem: a divisão do mundo em soberanos e súditos. Daí que, mesmo sendo inexpressivo, o movimento republicano inglês tem toda a minha simpatia.


Fonte:
Hélio Schwartsman, “Viva a república”, Folha de S. Paulo, Opinião, 5/6/12, p. 2.


Comentava com minha mulher cada vez que a CNN mostrava, domingo, o iate da família real britânica nos festejos do jubileu de diamante da rainha: "Parece cena de um filme de época, do século 19".


Errei por pelo menos um século: a seção "Folha Corrida" de ontem teve a bela sacada de publicar, acima da foto da procissão naval de domingo, uma pintura de Canaletto, de 1747, retratando a mesmíssima cena 265 anos antes.


Significa que o Reino Unido parou no tempo? Haverá sempre algum resmungão para dizer que sim. Mas o fato é que o Reino Unido é dinâmico, criativo, moderno, a ponto de atrair tantos estrangeiros que é mais fácil ouvir um acento "not british" do que propriamente "british" nas ruas de Londres.


De todo modo, os fanáticos da dor - como Paul Krugman trata os apóstolos da austeridade como valor suprema da humanidade - deveriam defender o fim da monarquia. Afinal, é um ponderável gasto público, sem receita correspondente.


Quer dizer, receita até está entrando, mas por conta do jubileu: a rede Tesco de supermercados, uma espécie de Pão de Açúcar britânico, teve a melhor semana de vendas desde a celebração do milênio, para abastecer as festas comemorativas dos 60 anos de reinado. Mas é eventual, certo?


A Coroa tem, sim, um valor intangível: "60 anos como um verdadeiro símbolo da unidade nacional", escreve Matthew d'Ancona para o "Telegraph".


Ou, como prefere David Randall no "Independent": "Como somos engraçados. Em um verão, há motins nas ruas e conversa de 'Britânia quebrada'; dez meses mais tarde, todo o mundo está dizendo como a rainha é maravilhosa e, por extensão, nós também somos muito bacanas".


Entendo o respeito a uma instituição "so british", por mais que, pelos cânones hegemônicos hoje em dia, seus gastos possam ser rotulados como desperdício. A monarquia está no DNA do Reino Unido e seria violentá-lo propor a abolição. (...)


Fonte:
Clóvis Rossi, “A rainha, o desperdício e a Grécia”, Folha de S. Paulo, Mundo, 5/6/12.

terça-feira, 30 de agosto de 2011 | | 0 comentários

O desafio da educação de qualidade

Poderia até funcionar como propaganda do ProUni brasileiro: em 20 anos, o número de estudantes universitários multiplicou-se por cinco, passando de 200 mil a 1 milhão. Melhor ainda: 70% dos universitários de hoje são filhos de pais que jamais tiveram acesso à universidade.

Mas não estamos falando do Brasil e, sim, do Chile. Aliás, os estudantes chilenos de 15 anos ficaram no primeiro lugar na América Latina, no mais recente exame internacional comparativo, o Pisa, conforme lembrou ontem, em "El País", o colunista Andrés Oppenheimer.

Esses números indicam que são ingratos os estudantes chilenos, que não saem das ruas há meses, reclamando educação pública gratuita e de qualidade? Não. Indicam duas coisas, a saber:

1 - O chileno, ao contrário do acomodado brasileiro, é um bicho afeito à mobilização desde sempre.

2 - O sistema educacional chileno nem é público nem é gratuito nem é de qualidade.

O Chile, como o Brasil, resolveu o problema da quantidade (conseguiu universalizar o acesso ao ensino básico), mas não o da qualidade: 40% dos alunos deixam o ensino fundamental sem entender o que leem (como no Brasil).

Vale o mesmo raciocínio para a universidade. No modelo chileno, o Estado praticamente afastou-se do ensino superior, limitando-se a financiar as escolas privadas para que aceitem o maior número possível de alunos. 

Em consequência, a metade praticamente dos jovens em idade universitária está na escola superior, índice melhor do que o de quase todos os vizinhos.
Mas a legislação é frouxa no que tange ao controle da qualidade do ensino (como no Brasil).

Pior: o custo é o mais elevado da América Latina, o triplo do italiano, 19 vezes maior do que o francês, conforme os dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o que levou o endividamento (do estudante e de sua família, avalista do débito durante a graduação) a um ponto insuportável e empurrou a moçada para a rua.

Em um país em que o salário médio (não o mínimo) equivale a R$ 1.755, os jovens desembolsam entre R$ 580 e R$ 1.370 mensais conforme o curso escolhido. 

Consequência inescapável: 70% dos estudantes estão endividados e 65% dos mais pobres interrompem os estudos sufocados por problemas financeiros insuperáveis.

Os custos levam ainda à reprodução, no acesso à universidade, da desigualdade que existe no conjunto da sociedade (como no Brasil, aliás): entre os 10% mais pobres, só 16% conseguem chegar ao ensino superior, ao passo que, nos 10% mais ricos, a taxa é de 61%.

Tudo somado, fica evidente que a América Latina tem um nó formidável na educação, posto que há deficiências colossais nos dois modelos (o público gratuito do Brasil, complementado por proliferação descontrolada do ensino privado, e a escola privada financiada pelo Estado, como no Chile, também com setor estritamente privado igualmente sem controle de qualidade).

O que surpreende, pois, não é que os jovens chilenos ganhem a rua, mas que os brasileiros só o façam para reivindicar meia entrada.

Fonte: Clóvis Rossi, “Chile e Brasil, dois fracassos”, Folha de S. Paulo, Mundo, 30/8/11.

sexta-feira, 11 de março de 2011 | | 0 comentários

Frase

“(...) no Brasil, uma penca de liberais tem o mesmo tipo de comportamento: ficam horrorizados se o Estado avança na economia, mas estavam ao lado da ditadura quando ela avançou sobre a vida dos brasileiros.”
Clóvis Rossi, em sua coluna “Liberais só com a vida alheia”, Folha de S. Paulo, Opinião, p. 2. 10/3/2011 (para ler a íntegra, clique
aqui – é preciso ter senha do UOL ou do jornal)

terça-feira, 5 de outubro de 2010 | | 0 comentários

Frase

"É impossível reduzir a desigualdade em um país que dedica ao Bolsa Família (12,6 milhões de famílias) apenas R$ 13,1 bilhões e, para os portadores de títulos da dívida pública (o andar de cima) a fortuna de R$ 380 bilhões, ou 36% do Orçamento-2009."
Clóvis Rossi, colunista da Folha de São Paulo (para ler a íntegra, clique aqui - é preciso senha do UOL ou do jornal)