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terça-feira, 26 de agosto de 2014 | | 0 comentários

"Ricos meninos pobres"

Em sua autobiografia "O Filho do Trapeiro", Kirk Douglas escreveu: "Meus filhos não tiveram a vantagem que eu tive. Nasci pobre". Kirk, filho de judeus russos, tinha 30 anos quando fez seu primeiro filme. Isso foi em 1946. Mas, dois ou três filmes depois, tornara-se um astro de Hollywood e seus meninos já nasceram com uma colher de prata na boca.

Reportagem de Flávia Barbosa, correspondente de "O Globo" em Washington, publicada há dias, descreve como alguns dos homens mais ricos dos EUA decidiram legar grande parte de sua fortuna a projetos de caridade, pesquisa e educação, deixando aos filhos apenas um trocado para o bonde e o cafezinho - para obrigá-los a descobrir e investir em suas capacidades, em vez de se contentarem com a profissão de herdeiros. (...)

Fonte: Ruy Castro, “Folha de S. Paulo”, Opinião, 22/8/14, p. 2 (íntegra
aqui).

sábado, 6 de outubro de 2012 | | 0 comentários

A memória do jornalismo brasileiro

Há 20 anos, pesquisando na Biblioteca Nacional para um livro que se chamaria "O Anjo Pornográfico", precisei consultar a coleção do "Correio da Manhã" referente ao ano de 1967. A funcionária da seção de periódicos levantou a ficha do jornal e me informou que não dispunham do "Correio" daquele ano - mas que, segundo a ficha, os exemplares seriam "brevemente fornecidos pela Biblioteca do Congresso dos EUA".

Aconteceu que, procurando melhor, descobriu-se que os americanos já haviam fornecido os exemplares, não só de 1967, mas também dos anos imediatamente anteriores, idem em falta - a ficha é que não fora atualizada. Com isso, pude mergulhar na riquíssima coleção daquele jornal fundado em 1901 e morto pelo AI-5 em 1968, mas só sepultado em 1974 e, desde então, ignorado pelos pesquisadores, para os quais só existiu o "Jornal do Brasil".

Bem, agora não há mais desculpa. Fuad Atala e Bertholdo de Castro, colegas dos tempos do "Correio" e guardiães de sua memória, acabam de me mandar um presentaço: o "Correio da Manhã" digitalizado, do primeiro ao último número, pela Biblioteca Nacional (entre em hemerotecadigital.bn.br e escreva o nome do jornal no espaço "Buscar").

Por quase 70 anos, o "Correio da Manhã" abrigou os maiores nomes do jornalismo e da literatura. Ditou normas da imprensa, ajudou a derrubar ministros e presidentes, enfrentou truculentos de vários calibres e influiu decisivamente na vida nacional. Mas pode ser coincidência que seus anos de lacuna na Biblioteca Nacional fossem os de sua maior oposição à ditadura militar.

Lacuna afinal preenchida pelos exemplares da assinatura da antiga Embaixada dos EUA no Rio, cujo endereço impresso se lê ao lado do cabeçalho nesse fabuloso "Correio" digital - pronto para servir de novo à história do Brasil.

Fonte: Ruy Castro, "O 'Correio' digital", Folha de S. Paulo, Opinião, 6/10/12, p. 2.

domingo, 5 de agosto de 2012 | | 0 comentários

"Dois legados"

Dois mitos do século 20 morreram em Los Angeles num dia 5 de agosto: Carmen Miranda, em 1955, aos 46 anos, e Marilyn Monroe, em 1962, aos 36. Eram fenomenais, maiores que a vida e foram vítimas, ambas, de anos de abuso de substâncias legais, mas letais. Deixaram um imenso legado artístico e são cultuadas hoje por pessoas que nem eram nascidas quando elas partiram. A forma como se administra seus legados é que difere.

Marilyn, por exemplo. Nesses 50 anos, seu rosto nunca saiu da mídia, e sua imagem em "O Pecado Mora ao Lado", com o vestido branco esvoaçando e a calcinha à mostra, foi copiada, caricaturada e explorada de todo jeito, por fãs sinceros ou apenas espertos. Há pouco, materializou-se numa estátua de oito metros de altura, exposta numa praça de Chicago.


Os livros a seu respeito já chegam a mil - qualquer um que tenha passado 15 minutos perto dela sente-se apto a escrever suas "memórias de Marilyn". E a teoria segundo a qual ela foi morta pelo FBI, a mando dos Kennedy, continua a render vários livros por ano. Tudo isso é visto com indiferença ou prazer pelos herdeiros de Lee Strasberg, fundador do Actor's Studio, a quem Marilyn deixou seu espólio.

Eles sabem que é esse material que mantém Marilyn viva e faz com que seus filmes nunca deixem de circular. Não importa o formato (VHS, laser, DVD, blu-ray, o que vier), eles sempre estarão à venda e atraindo propostas para Marilyn estrelar campanhas publicitárias, produtos de beleza, joias, até óculos. É daí que vem o dinheiro - e Marilyn ganha mais hoje do que em vida.

Já a eternidade de Carmen depende de seus amorosos fãs. Amanhã, um grupo deles, reforçado pelo Império Serrano, o Bola Preta e a Confraria do Garoto, irá ao seu túmulo no São João Batista pedir algo modesto, mas que lhe é devido há muito tempo: uma estátua no Rio.

Fonte: Ruy Castro, “Folha de S. Paulo”, Opinião, 4/8/12, p. 2.

quarta-feira, 4 de julho de 2012 | | 0 comentários

Viva o Rio!


Um programa que gosto de fazer com amigos de visita ao Rio é levá-los ao Posto 6 de Copacabana e, de frente para o mar, instá-los a procurar o horizonte. Ao longe, montanhas; mais ao longe, mais montanhas; e, por trás destas, ainda mais montanhas. Não se sabe onde terminam. "On a clear day you can see forever", dizia uma canção de Alan Jay Lerner sobre Nova York. O que ele não diria sobre o Rio?

Mas, para que não se atribua esse cenário ao simples talento divino, é só olhar à esquerda e ver a curva da avenida Atlântica, sublinhada pela paliçada de prédios altos dos anos 30 e 40, que, por muito tempo, fizeram de Copacabana um nicho cosmopolita num país ainda acanhado e sem assunto. Ao fundo, o Pão de Açúcar, desde 1912 com o bondinho. Tudo isso levou a mão do homem.


Que não é santa, mas nem sempre interfere para sujar, corromper, demolir. Na maioria dos cartões-postais do Rio, vê-se a intervenção humana. Tome a floresta da Tijuca, dizimada pelo café nos séculos 18 e 19 e replantada pelo engenheiro Archer e seis escravos, de 1861 a 1872, para se tornar a maior floresta urbana do mundo. E que contou com sementes e mudas do hoje humilde Passeio Público -este também, na origem, um brejo, e construído em 1779 pelo mestre Valentim.


Tome o Jardim Botânico, outra criação humana. Ou a baía de Guanabara, margeando a cidade, a velha e a nova. O parque do Flamengo, com o paisagismo de Burle Marx. Flamengo, Botafogo e o centro, vistos da Urca. O aconchego natural do Horto, da Gávea, do Cosme Velho. Os muitos recantos deliciosos da Tijuca, do Grajaú, até de São Cristóvão. Tantos levaram séculos tentando destruir o Rio. Não conseguiram.


O título de patrimônio da humanidade, dado pela Unesco na categoria paisagem cultural, é também um reconhecimento ao fato de o Rio ter sobrevivido a si mesmo.


Fonte: Ruy Castro, "A mão do homem", Folha de S. Paulo, Opinião, 4/7/12, p. 2.

domingo, 25 de setembro de 2011 | | 0 comentários

“Os garotos do Brasil”

Sócrates, 57, volta para casa depois de 17 dias entre a vida e a morte no hospital por complicações decorrentes de cirrose do fígado. A partir de agora, não poderá mais beber álcool.

Mas isso não fará dele um ex-alcoólatra. Assim como o diabético que deixa de comer açúcar não se torna ex-diabético -
torna-se apenas um diabético que deixou de comer açúcar-, Sócrates continuará sendo alcoólatra. Apenas terá deixado de beber.

Para a indústria cervejeira, sua doença é um desastre. Demonstra que ninguém, nem mesmo um homem inteligente, cidadão admirado e, ainda por cima, médico, como Sócrates, está a salvo de seu produto. Que este produto não é diferente dos "mais fortes", como os destilados, e que, apesar disso, entra alegremente pelas casas via televisão, patrocinando inclusive a seleção brasileira. 

Pois não é irônico que Sócrates, que já foi um dos símbolos desta como atleta nos anos 80, quase tenha morrido do produto que patrocina hoje a seleção?

Trinta anos de consumo firme e crescente de cerveja renderam-lhe a cirrose cujos sintomas ele, como médico, deve ter percebido há muito. Sócrates percebeu, mas continuou a beber. Por quê? Porque o alcoolismo é progressivo e, depois de certa etapa, quem manda não é a razão, mas o organismo, e este quer sempre mais. 

Sócrates pertence aos 15% da humanidade que podem beber muito sem sentir os efeitos adversos do álcool, como embriaguez, intoxicação e ressaca.

Só isso explica que, com seu histórico de copo, nunca tenha sido advertido pelos médicos de seus clubes -que também não entendem de alcoolismo.

Sócrates disse que, se saísse dessa, iria fazer trabalho social junto às crianças da Venezuela. Faria melhor se ficasse aqui e contasse sua história para os garotos do Brasil.

Fonte: Ruy Castro, “Folha de S. Paulo”, Opinião, 23/9/11, p. 2.