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domingo, 11 de setembro de 2011 | | 0 comentários

Uma lição para empresas e gestores

Todos os dias, 238 profissionais de sete empresas confidenciavam num diário como se sentiam no trabalho. No anonimato, tinham liberdade total de escrever o que bem entendessem, relatando raivas, frustrações e alegrias. Nem eles nem os pesquisadores, todos psicólogos, sabiam que, daquelas confissões, surgia involuntariamente um indicador tanto para saber até que ponto uma empresa estava condenada a não criar um ambiente propício para a inovação, correndo o risco de ir mal nos negócios, como para, ao contrário, saber se a empresa estava sendo capaz de implementar descobertas importantes, que atraíssem lucros.
Os diários, recheados com os 64 mil comentários, transformaram-se num estudo intitulado "O Princípio do Progresso", recém-lançado pela editora da escola de negócios de Harvard e indicado como leitura obrigatória por publicações especializadas em recursos humanos. 
Da leitura dos diários, constatou-se que o ânimo do empregado para se engajar em inovações depende, em primeiro lugar, de uma sensação de progresso individual obtida cotidianamente. "O progresso está nas pequenas conquistas, quando as pessoas se sentem aprendendo, descobrindo soluções e superando obstáculos", diz Teresa Amabile, uma das autoras do estudo, psicóloga pós-graduada em Stanford e professora da escola de negócios de Harvard, onde desenvolve pesquisas sobre criatividade empresarial. Isso significa, em poucas palavras, que a empresa deve ter um ambiente aberto à experimentação e à aprendizagem. "O valor da aprendizagem aparece na frente de reconhecimento ou dinheiro para manter o entusiasmo", acrescenta. 
O foco da investigação foram equipes que trabalhavam em projetos inovadores, gente de quem se exige que encontre soluções, e não apenas que repita o que já se faz, fugindo do que especialistas em recursos humanos batizaram de "aposentadoria mental". Apenas uma empresa, na qual os empregados revelaram, em seus diários, ter encontrado constante prazer na experimentação, conseguiu desenvolver um produto inovador.
Naquela que teve as piores considerações dos funcionários, o resultado foi um desastre. "Não apenas não gerou nada de novo como também, logo depois de nossa pesquisa, foi vendida para uma firma menor", afirma a professora. Romper barreiras da inovação exige muito engajamento e ânimo. Um dos exemplos, segundo Teresa, é o Google. "Eles determinaram que seus funcionários teriam 20% de seu tempo para pesquisar o quisessem. Assim nasceu, entre outras coisas, o gmail." 
Com os questionários já tabulados, Teresa Amabile resolveu ampliar sua investigação. Mandou então um questionário a 699 executivos para saber quais eram os fatores que mais influenciavam o ânimo dos empregados. "O fator 'progresso' não apareceu em primeiro lugar", constata. Significa quase só 5%. Há uma ilusão entre executivos de que jogar duro e pagar muito seria a receita de sucesso. "O que motiva, pelo menos na geração de inovação, é o prazer da conquista, não a cobrança."
Está aí, certamente, um dos motivos por que os jovens preferem abrir suas empresas - as chamadas start-ups - e por que está cada vez mais difícil para grandes grupos atrair e reter jovens talentos.
O que esse estudo descobriu é o fato de que as empresas inovadoras têm de assegurar um espaço institucional de desordem para gerar progresso. Apesar de a investigação ter sido focada em equipes que tinham projetos específicos, Teresa acha que o "princípio do progresso" vai muito além: não se sobrevive, num ambiente competitivo, sem renovação constante.

Fonte: Gilberto Dimenstein, “Princípio do progresso”, Folha de S. Paulo, Cotidiano, 11/9/11. Para ler a coluna na íntegra, clique aqui (é preciso ter senha do jornal ou do UOL).

domingo, 7 de agosto de 2011 | | 0 comentários

Mais sobre o trânsito criminoso brasileiro

Impossível não ficar perplexo com o vídeo de um discurso de formatura que está circulando nas redes sociais.

Na cerimônia de formatura da faculdade de administração da ESPM no ano passado, o orador falou sobre um colega de turma que morreu porque, na volta de uma festa, perdeu o controle do automóvel. A partir do episódio, ele construiu imagens sobre os mistérios da vida e a importância da cautela e da responsabilidade. Finalizou o vídeo associando-o a suas carreiras e ao que teriam de enfrentar para dirigir uma empresa.

O orador era Vitor Gurman, morto há duas semanas, na Vila Madalena, por um automóvel que tinha 26 multas, dez das quais por excesso de velocidade. Ele voltava a pé para casa justamente porque não tinha ido de carro a uma festa, prevendo que iria beber.

Essa tragédia com jeito de ficção envolve mais uma coincidência: ocorre às vésperas do início da ofensiva, na cidade de São Paulo, para multar motoristas que não respeitam os pedestres.

Acidentes desse tipo no Brasil são rotina. Apenas nesta semana, em pleno século 21, começa na cidade de São Paulo a ofensiva para multar motoristas que não obedecem, por exemplo, à rudimentar faixa de segurança.

Na cidade de São Paulo, no semestre passado, morreram atropeladas duas pessoas por dia, em média. Acidentados no trânsito foram, nesse período, 72 casos diários.

Para ver como uma expressiva maioria desses acidentes seria facilmente evitável, basta conhecer o resultado de um programa experimental realizado desde maio em São Paulo. Numa preparação para as multas que começarão (ou deveriam começar) a ser aplicadas amanhã, realizou-se uma ação educativa em 38 cruzamentos das regiões centrais. Resultado: o número de atropelamentos caiu 69%.

Bastou, portanto, uma leve sensação de punição para menos gente ser atropelada.

Há uma cadeia de tolerância por trás do massacre. Considera-se muita coisa normal. Quando são publicadas as estatísticas de crime, mesmo nós, da imprensa, quase não damos destaque ao que ocorre no trânsito. As manchetes recentes foram para o aumento do latrocínio (47 casos) no semestre, o que equivale a 10% do número de pessoas que morreram atropeladas.

Considera-se normal a publicidade de automóveis que estimula o culto da alta velocidade. Associa-se, assim, o carro (e sua potência) a sucesso, sexo, poder - e por aí vai.

Celebridades não se constrangem (e quase não são constrangidas) por emprestarem sua imagem à venda de bebida alcoólica. Provocaram muito mais debate os comentários de Sandy sobre sexo anal do que o fato de ela emprestar sua imagem de boa moça, responsável, para promover uma marca de cerveja.

Não preciso aqui explicar a relação entre o álcool e os acidentes de trânsito, que mataram gente como Vitor ou seu amigo da faculdade.

Anunciam-se leis mais duras para coibir a mistura de álcool com direção, mas, com o tempo, elas deixam de funcionar.

No Brasil, achamos normal haver calçadas que não servem para pedestres: estreitas, esburacadas, muitas vezes usadas para carros estacionarem. Vemos bairros com milionários empreendimentos imobiliários em que não há preocupação com a construção de uma calçada.

Se quiser medir a taxa de civilidade de uma cidade, veja o tamanho de sua calçada. E, se quiser medir a cidadania de um país, pode usar como indicador o número de pedestres mortos.

O que ocorre em nosso trânsito são casos tão absurdos que, daqui a não muito tempo, quando olharmos para trás, não vamos sequer entender como os toleramos. É como vemos hoje a mulher não ter direito de votar, crianças serem obrigadas a trabalhar, negros serem escravos ou alguém fumar no avião.

O impacto da morte de Vitor, gerando repercussão entre jovens formadores de opinião - neste domingo, seu nome vai estar estampado na camisa do Corinthians -, certamente terá um efeito pedagógico na criação de uma comunidade mais responsável.

PS - Um dos maiores prazeres que tenho de morar nos Estados Unidos é poder flanar pela cidade com o direito de ficar distraído. Os motoristas não se comportam melhor lá porque são mais bonzinhos do que os nossos motoristas. É que eles sabem o tamanho do problema que terão pela frente se matarem ou ferirem alguém. Existe até quem queira punir os pedestres por não respeitarem o sinal verde dos motoristas.

Fonte: Gilberto Dimenstein, "O crime das mortes evitáveis", Folha de S. Paulo, Cotidiano, 7/8/11.

domingo, 10 de julho de 2011 | | 0 comentários

A cidade e nós


Impossível não ficar emocionado quando se caminha neste parque suspenso - cheio de árvores, flores e gente -, que, até há pouco tempo, era um viaduto abandonado e sombrio, em via de ser derrubado.
Visitei na semana passada a segunda fase, recentemente inaugurada, do viaduto High Line, cujo projeto vem atraindo a atenção de arquitetos e urbanistas do mundo todo. Foi criado um sistema de águas que correm pelo solo, quase lembrando um córrego. Como fazia sol naquele dia, as crianças se banhavam deitadas no chão.
Os moradores das proximidades voluntariamente cuidam das flores e das árvores. A vida se propagou, reciclando o entorno do viaduto com novos ateliês, lojas, bares, restaurantes e edifícios. Tamanha foi a emoção coletiva com a obra que, em um dos prédios, pessoas imaginavam colaborar fazendo, ao anoitecer, um show gratuito: striptease na janela. Virou ritual, mas acabou proibido.
Imagine o nosso "minhocão" sem carros, tomado por jardins, surgindo uma floresta nessa cicatriz da cidade de São Paulo. É, certamente, o que os cariocas vão saborear com o fim de um viaduto ou, pelo menos, de parte dele na zona portuária, a ser convertido num parque.
Além de arquitetos e urbanistas, um novo profissional entra no debate sobre o efeito desse tipo de solução. Neurocientistas estão descobrindo como a cidade se processa no cérebro das pessoas e como o contato com a natureza produz reações surpreendentes.
Está aí uma novidade a que os candidatos a prefeito devem prestar atenção.
Segundo cientistas, um simples passeio num parque, como o que eu realizei no "minhocão" nova-iorquino, é capaz de aumentar a capacidade de um indivíduo para solucionar problemas.
Submetidos a uma experiência comandada por neurocientistas, grupos foram convidados a realizar uma bateria de provas várias vezes num dia. Um deles, porém, era convidado, entre um exame e outro, a caminhar por um bosque. Os demais caminhavam apenas pela rua, sem tanta presença da natureza.
Nessa experiência, comandada por neurocientistas da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, constatou-se que o passeio entre as árvores estava associado a um desempenho melhor nos testes.
(...) Experiências como a de Nova York, entre tantas outras espalhadas pelo mundo, que tornam as cidades mais inteligentes, passam a ser vistas como uma espécie de remédio para a saúde mental. Transformam, em suma, venenos em terapia.
Por isso há cidades norte-americanas experimentando chamar psicólogos e neurocientistas para ajudar no planejamento urbano.
Fonte: Gilberto Dimenstein, "Venenos da cidade", Folha de S. Paulo, Cotidiano, 10/7/11 (para ler a íntegra, clique aqui - é preciso ter senha do jornal ou do UOL)

* No blog Piscitas – Travel & Fun, descrevi a sensação de conhecer o High Line. Para ler, clique
aqui.

quinta-feira, 23 de junho de 2011 | | 0 comentários

A vez do Brasil

Com o cocar na cabeça, o cacique Almir Suruí bateu nas portas do Google aqui, nos EUA, convencido de que poderia usar sistemas de monitoramento por internet para preservar as terras de sua tribo, localizada na fronteira do Acre com Rondônia. Se, de início, parecia uma maluquice, a ideia, aprimorada com a distribuição de smartphones na tribo, virou uma solução. Qualquer invasão ou queimada sobe em tempo real para o Google Earth.
Por ter ajudado a criar uma nova função na internet, nosso cacique entrou na lista das cem pessoas mais criativas do mundo dos negócios, lançada neste mês pela revista americana "Fast Company".
Um índio repensando a internet serve de síntese do que estou sentindo nesta minha temporada americana em relação à imagem internacional do Brasil, especialmente nos Estados Unidos.
Constrói-se um Brasil da fantasia entre o exótico e o contemporâneo.
Pelo menos em meio à elite empresarial e acadêmica, somos vistos não apenas pelos indicadores econômicos mas como um país alegre, criativo e aberto à diversidade. Avoluma-se uma série de fatos para colorir ainda mais essa imagem.
A maior parada gay do mundo, mais uma vez, enche a avenida Paulista na próxima semana, somada às cores sofisticadas da São Paulo Fashion Week, dando mais uma pincelada em nossa imagem.
Para completar, um ranking internacional feito pela Hub Culture apontou, neste ano, a cidade de São Paulo como a que melhor resume o espírito contemporâneo. Na frente de Nova York, Londres e Berlim.
Nessa lista dos criativos da revista, há nomes que estão ajudando a inovar os negócios no planeta de modos os mais extraordinários. Sebastian Thrun está desenvolvendo um carro que anda sem motorista - aliás, o motorista até atrapalha. Salman Khan revoluciona a educação transformando o YouTube na maior sala de aula do planeta, ensinando como deixar claros e atraentes, sem muitos recursos, os conhecimentos de ciência.
Lá estão, além do nosso cacique, o brasileiro Alex Kipman, que desenvolveu para a Microsoft um sistema capaz de fazer que o corpo humano vire um game, o publicitário Nizan Guanaes, que está guindando uma agência de publicidade ao posto de uma das mais importantes do mundo, Eike Batista, que entrou tão rapidamente e com projetos ousados no ranking dos bilionários, e Oskar Metsavaht, da Osklen, que produz uma moda que une a sustentabilidade à sensualidade.
Essa combinação de gays, índios, publicitários, engenheiros de tecnologia da informação e fashionistas parece a composição exótica de uma fantasia de Carmem Miranda.
Somem-se aí o sucesso do filme "Rio", dirigido por um brasileiro, e a própria cidade do Rio, cujas obras e mobilização para a Copa do Mundo e para a Olimpíada viram motivo de cobiça em escala planetária. É das cidades que mais se vêm reinventando no planeta.
Para completar a composição da nossa imagem, existe o Felipe. É o brasileiro casado com Elizabeth Gilbert, autora do best-seller "Comer, Rezar e Amar", sucesso nas telas. Felipe (nome fictício) é cosmopolita, compreensivo, maduro, sensível, sem nenhum traço do macho latino. É o que se idealiza aqui como o homem do século 21.
Há muito de fantasia nessa composição da nossa imagem externa. A base, porém, é real. Apesar da imensa pobreza, da desigualdade e da violência, o Brasil é democrático, sem ódios, e, nos últimos anos, teve um presidente operário sem educação formal, um renomado sociólogo e, enfim, uma mulher.
Conseguimos transmitir a mensagem de que somos um lugar confiável para fazer negócios e aberto à modernidade tecnológica. Nossas descobertas em biocombustíveis são admiradas há muito tempo e tendem a crescer se for mesmo aprovada a decisão do Congresso americano de facilitar a entrada do álcool brasileiro.
A rede social do Google (Orkut) é majoritariamente brasileira. Na semana passada, foi divulgado que o Brasil é o país onde o Facebook mais cresce.
Uma empresa especializada em medir apenas o impacto do Twitter, chamada Twitalyzer, colocou dois brasileiros, Rafinha Bastos e Luciano Huck, entre os dez mais importantes perfis. Não é sem motivo que, muitas vezes, temas locais aparecem entre os "trending topics" daquela mídia social.
São avanços notáveis. Difícil não sentir certo prazer com nossa imagem. Até há pouco tempo, o grande personagem brasileiro era Pelé, e o principal produto, o café. Nem sabiam que Brasília era a capital do Brasil. Mas estamos tão longe de sermos uma nação civilizada e inovadora quanto Felipe está longe de ser o padrão do homem brasileiro, e as imagens do filme "Rio" estão longe de se parecerem com a realidade da cidade.
Mede-se a civilidade de um país pela qualidade das escolas e das universidades. O resto é fantasia.
PS - Precisa vir alguém de fora, como o pessoal do Culture Hub, para dizer que São Paulo, apesar de sua selvageria cotidiana, é uma das cidades mais interessantes do mundo por atrair talentos. Até então, quem dizia isso era maluco ou bairrista. Às vezes, é preciso mesmo o olhar estrangeiro para nos vermos melhor.

Fonte: Gilberto Dimenstein, "Fantasia Brasil está na moda", Folha de S. Paulo, Cotidiano, 19/6/2011.