Diante dos gritos "A verdade é dura, a Globo apoiou a
ditadura!", que se ouvem nos protestos de rua, a reação esperada de um
grande órgão de imprensa seria: 1) ignorar a provocação; 2) desmenti-la; 3)
tentar justificar-se.
No domingo passado, as Organizações Globo surpreenderam ao
não fazerem nada disso. O jornal "O Globo" publicou um editorial no
qual reconhece que o apoio dado ao golpe militar de 1964 foi um erro.
"De fato, trata-se de uma verdade, e, também de fato,
de uma verdade dura", admite o jornal. O editorial cita o contexto da
época - Guerra Fria, radicalização do governo João Goulart e a promessa dos
militares de que seria uma "intervenção passageira" - para justificar
o apoio dado ao golpe, chamado por muito tempo de "revolução".
O "Globo" fez questão de sublinhar que, ao
concordar com a intervenção militar, estava "ao lado de outros grandes
jornais, como 'O Estado de S. Paulo', ‘Folha’, 'Jornal do Brasil' e o 'Correio da Manhã'". De fato,
dos grandes periódicos, só a "Última Hora", de Samuel Wainer, ficou
ao lado de João Goulart.
Só que o "Globo" deu apoio à ditadura praticamente
até o fim, o que o jornal admite, embora ressalve que "sempre cobrou (...)
o restabelecimento, no menor prazo possível, da normalidade democrática".
(...) É a primeira vez que se vê tamanho ato de contrição na
imprensa brasileira. Trata-se do principal conglomerado de mídia assumindo um
erro editorial - não de informação - sobre um momento decisivo da história
recente do país.
(...) Não importa tanto se há interesses
outros nessa autocrítica, feita às vésperas dos 50 anos do golpe, ou se havia
muito mais para ser dito. O principal é perceber que se está dando uma
satisfação ao público, que hoje, graças às redes sociais, tem uma capacidade
inédita de expressão - e de pressão.
É um primeiro passo no longo caminho para a transparência,
que passa pelo respeito ao "outro lado", pela obsessão com o
equilíbrio, pelo reconhecimento rápido dos erros cometidos e por canais que
permitam uma crítica constante.
Quem sabe "o futuro já começou", como diz o slogan
de fim de ano da emissora.
Fonte: Suzana Singer, “Fantasmas do passado”, Folha de
S. Paulo, 8/9/13.
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