Dia desses, um amigo chegou e me disse: “Olha as fotos do meu sobrinho no Rio”.
As fotos estavam no Facebook. Eu não tenho Facebook e mal
sei mexer (fuçar?) nele.
Pois bem: em cerca de dez
minutos que “facebookei” me vi xereteando nos fatos e fotos de umas oito
pessoas pelo menos (estas foram as que eu lembrei no momento em que escrevo
esta postagem).
Dez minutos bisbilhotando a
vida alheia – que, por sua vez, estava lá exposta publicamente.
É este tipo de situação que me
incomoda no Facebook (como já me incomodava no Orkut e, em certo grau, no
Twitter): a mania (vício?) de xeretear a vida dos outros e permitir que os
outros bisbilhotem a nossa vida.
Aí alguém poderá dizer: basta
se controlar.
E é aí que eu respondo: o “sistema”,
o Facebook no caso, faz com que você navegue pela vida dos outros. É quase
inevitável. Até porque qual o sentido de estar numa rede social se não para “compartilhar”
(é este o termo, não?) as experiências?
A questão é que este
“compartilhamento” passou dos limites.
Qual o sentido de alguém
dizer que está no shopping com fulano e beltrano? Ou que está no zoológico com o(a)
namorado(a)? Ou no cinema? Ou em Paris?
Qual o sentido de postar
tantas fotos, transformando a vida diária praticamente num “book”, num diário
visual? Que narcisismo é este? Qual a finalidade de tanto exibicionismo?
Eu, por exemplo, descobri certa
vez por meio de uma foto no Facebook que um ex-colega de trabalho tinha sido “traído”
(esta não é bem a palavra, mas não vem ao caso). Como? Porque um outro colega
tinha postado uma foto de um beijo dele com a “pegadete” do outro.
Esta minha experiência
recente, fuçando nos perfis dos outros, trouxe-me à mente uma entrevista do jornalista e escritor Bernardo Carvalho sobre o seu mais recente
livro, “Reprodução”. Detalhe: na obra, ele trata da Internet em geral, ou seja, o Facebook
é apenas uma parte do problema.
Veja a seguir alguns trechos:
Folha - Não é de hoje que você questiona uma "banalização" promovida pela internet. Como essa ideia virou livro?
Bernardo Carvalho - Tive um processo longo de percepção de uma fascistização do mundo, de um jeito ambíguo, porque as pessoas criam o fascismo achando que estão encontrando a liberdade. A internet é libertária, democrática, mas também faz você entregar sua privacidade e se relacionar com corporações como se fossem Deus ou a natureza. Elas dizem: "Você não precisa pagar nada". E você se entrega acriticamente, porque a ideia de não fazer esforço é sedutora. E há o narcisismo, a exposição no Facebook, que pega um ponto central. É perverso, a conquista vai em pontos frágeis da psique, você se sente uma celebridade. Do ponto de vista político, você acha que está usando, mas está sendo usado. O livro expressa esse desconforto.
Na sua opinião, a internet apenas reflete um comportamento humano ou o reforça?
Talvez tenha acirrado algo que sempre existiu em potencial. Você não tem privacidade, mas pode ter anonimato, o que permite uma manifestação de imbecilidade sob a proteção do anonimato. Estava incomodado com isso e pensei nesse narrador que representa o ódio absoluto, o anonimato da internet. No livro há uma frase do [filósofo espanhol] Ortega y Gasset: "Todo povo cala uma coisa para poder dizer outra. Porque tudo seria indizível". O personagem tem a informação absoluta, mas nada do que ele diz quer dizer muito. Não adianta você saber um monte de coisas, ser informado na superficialidade midiática sem uma compreensão do mundo. Você só reproduz, não consegue mais produzir.
Fonte: Raquel Cozer, “Você acha que usa a Internet, mas estásendo usado por ela”, Folha de S. Paulo, Ilustrada, 21/9/13.
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