Já escrevi neste blog que existe um caminho - ou vários - fácil para a audiência. O chamado "jornalismo justiceiro" é um destes caminhos. É o que se viu com uma equipe de um programa policial que forçou a entrada num hospital público, onde sabidamente é necessária autorização para captação de imagens (a não ser que o assunto justifique o uso de câmera escondida, o que deve ser exceção da exceção).
Para quem não sabe como funciona a imprensa, pode parecer corajosa e ousada a atitude da repórter. Quem faz jornalismo sério, porém, sabe que o caminho escolhido não é o adequado.
A questão é saber se o público faz essa distinção. Por mais que muitos tendam a dizer que não, arrisco-me a afirmar o oposto. Pode-se argumentar que tais programas dão audiência. É verdade. Há uma boa parcela da população que responde a esse tipo de chamado sensacionalista. Mas e quanto a todos os outros programas que estão sendo exibidos no mesmo horário? E quanto aos que não assistem a nada? Não será um número maior? Certamente é.
O caminho fácil para audiência mostra-se, portanto, limitado. Para quem quer ir além das migalhas tradicionais no Ibope pode funcionar - mas deve-se saber que nunca se chegará ao topo pela via mais fácil.
sábado, 20 de agosto de 2016 | Postado por Rodrigo Piscitelli às 05:42 | 0 comentários
O caminho mais fácil para a audiência (2)
Marcadores: jornalismo, sensacionalismo, televisão
sábado, 6 de fevereiro de 2016 | Postado por Rodrigo Piscitelli às 17:25 | 0 comentários
A reportagem que não exibi
Nunca vi com bons olhos os famosos programas policialescos que atraem audiência - e, em alguns casos, dinheiro - para as emissoras. Até que me vi no epicentro de um deles.
Por dois anos, apresentei (não digo comandei porque minha participação na produção era mínima) um desses programas no interior de São Paulo. Foi uma experiência rica do ponto de vista de aprendizado (para colocar em teste todas as teorias e [pre]conceitos que tinha em relação ao formato).
Naturalmente, continua o reprovando de modo geral. Há um apelo barato e por vezes desrespeitoso, uma temática que pouco estimula a reflexão ao tratar a violência pela violência, sem contar o tom justiceiro e, em muitos casos, o desrespeito às leis - um levantamento divulgado recentemente apontou 12 leis afrontadas por diversos programas no país.
Claro que, ao assumir um programa com tais características, procurei na medida do possível mudar o tom. Não sou a pessoa mais adequada para dizer se isto foi alcançado (embora tenha ouvido depoimentos nesse sentido de muitos telespectadores).
A quem me pergunta, porém, costumo dizer que minha maior vitória à frente do programa foi justamente o que não foi exibido.
Um episódio singular exemplifica isto: certa vez, recebi um telefonema na Redação dando conta de que um homem estaria vivendo numa casa com um cavalo. Detalhe: o cavalo não ficava no quintal, e sim dentro do imóvel. Quem fazia o relato era um vizinho preocupado com a situação do homem, um jovem.
Dirigi-me até o endereço com o cinegrafista e confirmei a situação. O jovem vivia de fato com o cavalo, que tinha um quarto à disposição, cheio de feno (ou algo semelhante). Em resumo, o rapaz era usuário de drogas e tinha sido de alguma forma "abandonado" pela família, que não aguentava mais cuidar dele. Coloquei aspas no verbo porque a família dava um dinheiro ao jovem, ou pagava o aluguel do imóvel (não me recordo).
Fiz as imagens e entrevistei o jovem. Ele admitiu o uso de entorpecentes, criticou a família e disse que o cavalo era seu melhor amigo. Também cobrou a antecipação por parte de familiares de uma suposta herança (ou da parte que supostamente lhe caberia).
A cena era indigna e degradante. Um homem dividindo um espaço sujo com um cavalo.
Ao chegar à Redação, entrei em contato com um parente e relatei o caso. Ouvi que "não adiantava ajudá-lo, que a família já tinha feito de tudo e tentado de tudo, mas que o jovem não tinha jeito". Também ouvi que os familiares ajudavam com pagamento de contas de água, luz ou algo assim e que a suposta herança não podia ser paga simplesmente porque não existia (não naquele momento).
Refleti muito se deveria ou não colocar a reportagem no ar. Conversei com alguns colegas. Pensei de que forma exibir o material contribuiria com aquele rapaz e com a promoção da cidadania. Não encontrava respostas satisfatórias. Até que ouvi de um colega a senha para a decisão. Disse ele:
- Se for pro ar, será apenas mais uma dessas reportagens.
De tantas semelhantes que o programa historicamente tinha feito.
Naquele momento, diante daquela manifestação, eu - ainda no início de minha participação como apresentador - decidi que o material não seria exibido. E não foi.
Marcadores: sensacionalismo, telejornalismo, televisão
terça-feira, 19 de abril de 2011 | Postado por Rodrigo Piscitelli às 18:48 | 0 comentários
Comentários sobre uma tragédia – a imprensa
“Sensacionalista", no jornalismo, é sempre um xingamento. Uma cobertura que incomoda pelo exagero é logo rotulada assim, como se ela não estivesse à altura de quem lê, assiste ou navega na rede.
Levam a pecha de sensacionalistas os programas de TV policiais do tipo ""Brasil Urgente", o extinto jornal "Notícias Populares", os tabloides ingleses com seus inúmeros escândalos sexuais...
Um caso excepcional como o do massacre em Realengo confunde, porém, os parâmetros convencionais. Está certo mostrar foto do atirador morto? Faz sentido filmar o momento em que uma mulher avisa o marido que a filha deles foi morta? Uma revista pode titular na capa que ""o monstro mora ao lado"?
Não há resposta correta para essas perguntas, tiradas de exemplos da Folha, "Jornal Nacional" e ""Veja", e não de publicações consideradas populares. Em uma história tão trágica, é difícil distinguir a informação legítima da tentativa única de provocar comoção.
A imagem de Wellington Menezes de Oliveira caído na escada, ensanguentado, criticada por muitos internautas ("Exploração do sangue, coisa de tabloide"), é justificável quando se pensa que, naquele dia, era a única foto recente do atirador e que ela mostrava as circunstâncias da sua morte. Havia informação ali, não era gratuito.
Expor o sofrimento é outro problema sempre delicado. A Folha não foi tão longe quanto a televisão, mas mesmo assim criou desconforto. "Infeliz a foto de capa no dia 9, na qual uma mãe chora no túmulo da filha. A dor da mãe não é notícia, é exploração do sentimento alheio. Francamente, esta não é a Folha que eu conheço", revoltou-se o produtor José Américo Magnoli, 46.
De novo, é muito difícil determinar a linha que separa o que faz sentido do que é apelação. Um drama dessas proporções, ocorrido em uma escola, não é um assunto estritamente familiar. As vítimas choram em público e com o público - não parecia haver gente incomodada com a presença das câmeras.
Para não resvalar no sentimentalismo fácil, o segredo é não carregar nas tintas. O simples relato dos acontecimentos e as falas dos alunos já impressionam tanto que não é preciso ""forçar a barra".
A Folha cedeu a essa tentação na hora de relatar o enterro das crianças, quando publicou que "apenas o choro de uma mãe amparada por parentes, o ranger dos carrinhos carregando caixões e o murmúrio das lágrimas contidas quebravam o silêncio com que 11 das 12 crianças mortas no massacre na escola Tasso da Silveira foram enterradas no Rio".
Só que não foi um enterro único, foram pelo menos três. Todos tiveram o mesmo clima, o mesmo silêncio opressor? Pouco provável.
A descrição do atirador é outro ponto que continua gerando controvérsia. Mesmo as publicações que recusaram a saída fácil de xingar Wellington ("animal", "psicopata", "monstro") estão sendo censuradas por darem destaque demais a ele.
"Especialistas são unânimes em afirmar que quanto maior a divulgação do assassino, maiores as chances de haver novos casos, pois a sociedade está cheia de malucos como o de Realengo. A Folha, em nome do sensacionalismo e do número de acessos, coloca o vídeo do atirador em destaque, dando-lhe exatamente o que ele queria", criticou o engenheiro José Luiz Perez, 54.
Assim que novas fotos do atirador de Realengo fazendo pose com armas apareceram no site da Folha, na sexta-feira, uma nova onda de revolta surgiu. "É uma irresponsabilidade da imprensa, que, tirando o máximo proveito da tragédia, veicula informações que pouco acrescentam, mas que premiam o comportamento do louco", "Não aguento mais entrar na Net e olhar para a cara desse @#$%¨!", "Estão fazendo do atirador um mártir", criticaram vários internautas.
A carta-testamento, as fotos e os vídeos de Wellington não deixam muita dúvida de que ele esperava que o seu feito ganhasse repercussão, que a explosão de violência acabaria por dar algum sentido à vida que ele logo perderia. Mas não dá para privar os leitores dessas informações em nome de uma discutível consequência sobre outras mentes atordoadas.
Não há outro jeito de fazer uma boa cobertura de um caso como esse sem traçar um perfil alentado do responsável por tanta desgraça, mesmo que seja numa tentativa vã de encontrar lógica onde não há.
É necessário evitar a redundância, mas sem impor uma interdição em torno do que é mais intenso. São desagradáveis as fotos de Wellington colocando o leitor sob a mira do revólver. Mesmo assim, é melhor ter a chance de virar a página rapidamente do que nem ter essa opção.
Fonte: Suzana Singer, “Exagerado”, Folha de S. Paulo, Poder, 17/4/2011, p. 8.
Há notícias que são de interesse público e há notícias que são de interesse do público. Se a celebridade "x" está saindo com o ator "y", isso não tem nenhum interesse público. Mas, dependendo de quem sejam "x" e "y", é de enorme interesse do público, ou de um certo público (numeroso), pelo menos.
As decisões do BC para conter a inflação têm óbvio interesse público. Mas quase não despertam interesse, a não ser dos entendidos.
O jornalismo transita entre essas duas exigências, desafiado a atender as demandas de uma sociedade ao mesmo tempo massificada e segmentada, de um leitor que gravita cada vez mais apenas em torno de seus interesses particulares.
Um caso como a tragédia de Realengo reúne interesse público e interesse do público em grau máximo. Como combater a circulação de armas no país? Como aumentar a segurança nas escolas? Como enfrentar o problema do bullying? São questões de interesse público e de interesse difuso do público.
Aquém delas, porém, há o fato trágico. Como fazer sua cobertura? Até onde saciar a curiosidade (mórbida) das pessoas? Até onde devassar o sofrimento das famílias? Deve-se expor sem limites os vídeos "preparatórios" do assassino? Deve-se preservar as crianças disso tudo? Até que ponto? E como?
Não há respostas conclusivas a essas perguntas. Mas não fazê-las, sob pretexto de que seriam ingênuas numa época de informação instantânea, equivaleria a deixar o jornalismo e suas opções fora do debate público. É preciso refletir melhor sobre os nossos critérios.
Sobretudo quando o jornalismo se converte em "infotainment" e parece inclinado a se guiar quase exclusivamente pelos interesses "do público". A superexposição midiática, apelativa e, afinal, monótona do assassino serve bem de exemplo. Nunca um vídeo foi tão visto e comentado. É contra esse espetáculo que deveríamos nos opor. Mesmo, ou principalmente, que isso nos pareça uma batalha perdida.
Fonte: Fernando de Barros e Silva, “O jornalista e o assassino”, Folha de S. Paulo, Opinião, 18/4/2011, p. 2.
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quarta-feira, 19 de janeiro de 2011 | Postado por Rodrigo Piscitelli às 16:04 | 0 comentários
Imagens, jornalismo e sensacionalismo
Jornais e revistas provocam periodicamente polêmicas devido a certas fotografias chocantes que publicam. Uma delas ocorreu no ano passado, quando a "Time" deu na capa imagem de uma afegã de 19 anos que teve o nariz decepado pelo marido.
O debate gira sempre em torno do dilema: como estabelecer a fronteira entre morbidez e denúncia, sensacionalismo e dever de informar.
A professora de jornalismo Susie Linfield, da New York University, acaba de lançar um livro, "The Cruel Radiance: Photography and Political Violence" (Cruel Esplendor- Fotografia e Violência Política), que aprofunda o exame do assunto e trata dele de maneira mais genérica.
Linfield teve sua atenção voltada para o tema quando era criança, ao achar um livro na biblioteca do pai com documentação do extermínio de judeus poloneses.
Depois disso, analisou e escreveu sobre fotorreportagens de guerras em Serra Leoa, Libéria, Congo, Somália, Ruanda, Uganda, Bósnia, Tchetchênia e outros lugares, depois da Guerra Fria.
Provas de que não havia muita base para as esperanças de que a queda do Muro de Berlim poderia marcar o início de uma era de paz.
O livro parte de uma tese e de uma posição contra duas outras, muito bem estabelecidas nas ciências sociais.
A tese é de que a foto é um instrumento único para causar empatia em relação a vítimas de crueldades extremas, superior a qualquer forma de arte ou relato jornalístico.
A oposição é à teoria crítica da fotografia de Susan Sontag (principalmente às posições de seus herdeiros pós-modernistas) e à visão progressista da história.
"Eu acredito que precisamos aprender com as fotos e responder a elas, em vez de simplesmente desconstruí-las", afirma Linfield, a respeito de Sontag.
Sobre a crença de que o arco da história se curva na direção da justiça e da liberdade, ela argumenta: "Eu aprecio essa tradição, mas cheguei à conclusão de que é a experiência de degradação, miséria, violência e derrota que define a vida de milhões e, em grande parte, define a história".
Segundo a autora, não é possível "falar, pelo menos não de modo realista e significativo, em construir um mundo de democracia, justiça e direitos humanos sem antes ter compreendido a experiência de sua negação".
Para obter essa compreensão, é preciso empatia e, para chegar a esta, a fotografia é o caminho mais curto e eficaz.
Para concretizar suas ideias, Linfield examina quatro situações históricas dos últimos 70 anos (o Holocausto, a Revolução Cultural Chinesa, as crianças guerreiras na África e a prisão de Abu Ghraib e ações da jihad) e três fotógrafos célebres (Robert Cappa, James Nachtwey e Gilles Peress).
Isso embora ela também se refira a outros episódios e jornalistas (inclusive, e extensivamente, o brasileiro Sebastião Salgado). Trata-se de obra importante para estudiosos, praticantes e apreciadores da foto documental.
Fonte: Carlos Eduardo Lins da Silva, "Livro promove discussão sobre até onde o fotojornalismo pode chocar os leitores", Folha de S. Paulo, Mundo, 18/1/11.
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segunda-feira, 10 de maio de 2010 | Postado por Rodrigo Piscitelli às 20:18 | 0 comentários
Brasil Urgente!
A entrevista de José Luiz Datena publicada pela "Folha de S. Paulo" no último dia 3 serve de reflexão para os jornalistas. Normalmente, Datena é visto com certo preconceito pelo tipo de programa que comanda. Na entrevista, porém, ele revela uma outra faceta desconhecida do público. Vale a pena ler.
Para aguçar a curiosidade, reproduzo a seguir uma das perguntas, uma daquelas questões tipo "sexo dos anjos" das aulas de jornalismo.
"Folha - A audiência cai quando se reduz a parte policial do programa?
Datena - A audiência é a mesma, mas, quando há crimes pontuais, como esse de Goiás, que todas as emissoras exploram, a audiência sobe muito. Moral da história: a humanidade não mudou nada. Quando colocavam leões para comer os cristãos no Coliseu, ele lotava. Hoje, se pegarmos o Pacaembu, o Morumbi e colocarmos leões para comer estupradores e assassinos, vai lotar mais do que final de campeonato. Isso é triste. Eu sei. Mas, infelizmente a sociedade tem essa demanda de Justiça. O ser humano em geral."
Para ler a entrevista na íntegra, clique aqui (é preciso ter senha do UOL ou da "Folha").
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