sexta-feira, 19 de abril de 2019 | | 0 comentários

Uma entrevista com o Mago

Entrevista gravada em 2017 com o escritor Paulo Coelho para uma série especial de reportagens do "Jornal da Cultura" (TV Cultura):

Paulo, você abriu há pouco mais de um ano a sua fundação em Genebra e disse numa entrevista para a revista "Isto É" que foi a primeira vez que viu sua obra completa, em todas as línguas e ficou impressionado. Queria entender que sensação é esta de um escritor que bateu um recorde de 400 semanas na lista do "New York Times", que tem mais de 210 milhões de livros vendidos, é mais que a população do Brasil, né?!, como ainda fica impressionado?

Claro, porque eu nunca tinha visto os livros assim, corridos, né? É um corredor com 1.800 edições diferentes. Embora eu só tenha escrito 20 livros, enfim, tem diversas edições. Então, quando você entra e olha aquilo, diz "Caramba, isso tudo começou em Copacabana, com um livro que ninguém acreditava". Eu não posso perder essa alegria. Se eu perder essa alegria, se eu achar que é muito "blasè", que as coisas são normais, não! É um milagre, tem que ser considerado um milagre pra mim, eu fico meio maravilhado mesmo.

As citações de seus livros viraram uma espécie de mantra no mundo inteiro, frases saem aqui e acolá pra ajudar as pessoas. Você provavelmente já ouviu muitas histórias de leitores que foram influenciados pelo que escreveu. Tem alguma que te tocou?

Ah, tem muitas... A mais recente, vou contar a mais recente, é de um cara que era de uma gangue em Liverpool. Eu não sabia inclusive que mafioso não pode tirar férias. Se tirar férias perde o ponto. Esse cara foi lá pra Tailândia. Esse cara estava na cachoeira, pumba, caiu. E era morte certa, mas ele caiu entre duas pedras e aí ele sentiu aquela proximidade da morte e ouviu uma voz dizendo que ele tinha que buscar um livro. Então, nesse interior da Tailândia, ele foi lá numa lojinha. Enfim, ele não sabia que livro era. Ele pegou o meu livro. Era meu livro - ele achou a capa meio de criança. Leu. Terminou fazendo o Caminho de Santiago e veio me entregar uma camisa do Gerrard (risos), que é um jogador do Liverpool, era aliás. Eu fiquei muito comovido com essa história.

Você falou na sua resposta anterior em "milagre". Agora conta uma história em que a pessoa ouve uma voz ou algo assim dizendo para procurar um livro e chega ao seu livro. Crê mesmo no aspecto transcendental de tudo que realizou?

Ai, que pergunta difícil! Eu não sei. Bom, eu creio em milagres, eu particularmente creio em milagres. Eu não acho que seria possível tudo o que aconteceu na minha vida sem a presença de um milagre, da proteção, de honrar o que eu estou fazendo também, porque você pode imaginar que é muito fácil, enfim, ficar achando que isso tudo é normal. Mas não é! Isso tudo, saber que as pessoas encontram o seu livro em qualquer lugar, que reverencie e celebre o que de bom acontece na sua vida, eu particularmente acredito em milagres e acho que o trabalho de todos nós, de uma maneira ou de outra, se a gente esttá fazendo com amor, ele é guiado pela energia divina.

Eu tive a oportunidade de ir para alguns países e me deparar, naquela ânsia de brasileiro de querer ter alguma referência do seu país, com livros seus em vitrines de lojas. Em que momentos você se sentiu mais "embaixador" do Brasil?
Acho que não sou eu, é o meu livro né. Eu resolvi parar de viajar, virei ermitão, já viajei muitos anos na minha vida, desde que eu era hippie até 2010. Cheguei aqui em Genebra e parei. Eu particularmente não frequento nenhum lugar para falar do Brasil, acho que o livro transcende. Curiosamente o livro não fala do Brasil, mas todo mundo acha que o livro é brasileiro. Eu achava que as pessoas iam pensar que o autor é espanhol, que o autor é suíço etc, mas não, todo mundo sabe que é brasileiro. O MediaLab, que é do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), me coloca como o brasileiro mais conhecido do mundo, o que me orgulha muito.

Você falou aí do seu recolhimento, eu queria que descrevesse um pouco como é sua rotina em Genebra. Pensa um dia em voltar a morar no Brasil?

Não chega a ser um recolhimento. Sim, penso em voltar a morar no Brasil, mas não agora, né! Convenhamos, convenhamos...! Principalmente meu bairro, que é Copacabana, tá complicado. E é o seguinte: O que eu faço todo dia é sair, normalmente A essa hora porque no verão é infernal, com 35 graus. Ir pras florestas e não pensar em nada. Ficar à vontade. Aí vou até o tempo que for necessário. Eu e minha mulher. Tenho convivido muito com minha mulher. Uma vez ou outra eu convido alguém pra jantar. Não aceito convites pra jantar e pronto, é isso! (risos) É uma rotina mesmo. Sendo que a parte que eu não gosto desta rotina é acordar muito tarde, porque como eu sei que não vou fazer nada de manhã eu termino acordando muito tarde.

Qual o tamanho do desafio de ser o "Mensageiro da Paz" no mundo de hoje?
Ai, difícil. Eu tive com dois secretários-gerais (da ONU) até agora, que me nomearam. São 12 mensageiros da Paz apenas, e a gente o que está acontecendo? As nossas mãos, de certa maneira, estão atadas, porque a ONU, por mais que ela tente fazer alguma coisa, ela depende da boa vontade dos países que fazem parte dela. Então, às vezes a gente não consegue nada e às vezes a gente consegue. Eu agora fui convidado em setembro pra ir para um barco pelo Mediterrâneo pra recolher refugiados. Eu estou seriamente tentado a sair da minha rotina e fazer isso - e também pra escrever sobre isso.

É uma pergunta clichê, mas conversando sobre o que as pessoas gostariam de saber de você, a minha chefe disse: "leio Paulo Coelho há muito tempo e os livros deles sempre saem com milhões de exemplares. Eu queria perguntar pra ele se ele tem noção se é uma mesma geração, se são novas gerações que vão sendo agregadas... Qual é o segredo disto?"
Não, não, a resposta pra ela é a seguinte: o primeiro livro saiu há 30 anos, né, "O Diário de Um Mago", 1987, nós estamos em 2017, são 30 anos, então vai se renovando. Houve um momento, lá pelo ano 2009, que as vendas pararam. Pararam, eu digo, alguns milhões só por ano. E de repente a coisa voltou, retornou. Eu não sei se foram as redes sociais... Vamos dizer que em 2008 e 2009 não teve - e talvez a falha tenha sido minha - porque eu escrevi um livro que as pessoas odiaram, que foi "O Vencedor está Só", mas se mantiveram estáveis ou cresceram.

Quem você lê? Quem o inspira ainda hoje? 

Ah, leitura pra mim é básica, né. Eu não consigo deixar de ler. Infelizmente, o mercado no mundo está caindo. No Brasil, de 2016 pra cá, caiu 16% exatamente. É triste, é triste! As pessoas estão lendo cada vez menos. Eu leio todo dia. Eu não consigo viver sem ver um bom filme e sem ler um bom livro todo dia. Quer dizer, um livro inteiro não. O que que eu estou lendo agora? Um escritor chamado Gay Talese, que é responsável pelo novo jornalismo, essas coisas todas. Eu li a obra completa do Gay Talese, exceto o que eu estou lendo agora, que se chama "Honra o teu Pai". Eu não sei se está traduzido. É uma história que ele está escrevendo, ele é um jornalista, ele criou esse estilo. O que ele escreveu de mais clássico se chama "Frank Sinatra está Resfriado", ele foi mandado pra Espanha, na época que se tinha dinheiro pra mandar jornalista pra viajar, pelo tempo que fosse necessário, a chamada grande reportagem. E o Frank Sinatra não quis dar entrevista, então ele escreveu essa obra-prima chamada "Frank Sinata está Resfriado", e esse é sobre um mafioso chamado Joe Bonanno, "Honra o teu Pai". Mas escreveu coisas maravilhosas. Eu prefiro a não-ficção à ficção.

Eu queria recorrer a uma imagem que vi pra perguntar sobre outra sensação, mais curiosa. Vi uma foto sua pro "El País" em que aparece mergulhado nos seus livros. Só se vê o seu rosto. Qual a sensação física de estar tomado pelos livros?

Essa imagem... Acredite se quiser, essa imagem de eu cercado pelos livros ela é de 1992. Imagine se fosse hoje. Hoje, eu estaria sufocado (risos) e seria envolvido pelos livros, amassado pelos livros.


Na sua biografia escrita pelo Fernando Moraes, tem um episódio da visita ao Palácio de Buckingham, em que houve uma certa dúvida sobre o traje da comitiva brasileira e você foi informado que seria um convidado especial da rainha. De alguma forma, transcendendo o país, as fronteiras, a representatividade nacional. O que significa isso?
Ou transcendendo ou a falta de educação do Lula e do PT, né. Quer dizer que infelizmente, eu tenho uma obra social no Pavão-Pavãozinho, o Lula passou na porta e não entrou. Se tivesse entrado, quando ele era presidente né... Eu só vim descobrir que eu era convidado da rainha quando a comitiva brasileira resolveu ir de terno e gravata. E eu já querendo evitar aquele negócio de fraque, né, disse "ai que bom, vou de terno e gravata." Foi aí que eu perguntei e descobri que eu era convidado da rainha. Foi um momento aliás, muito interessante. Quando você fala de ser embaixador do Brasil, eu sou embaixador não-oficial, extra-governos. Porque os governos, infelizmente, são catastróficos.


Você não gosta muito de falar sobre política, mas em dois momentos citou sua cidade, que vive uma situação difícil, e agora o país. O que diria aos brasileiros que procuram na sua obra uma manifestação de esperança?

Mas eu tô falando com a TV Cultura, a TV Cultura é governo, então eu vou guardar as opiniões pra mim. 
(risos...) Isso dito, pena, que pena, né! O Brasil vai inteiro, entende. Aquele país que era adorado, que era admirado, não pense o governo que a coisa não ultrapassa as fronteiras... Ela ultrapassa e é essa tristeza. Eu já vi países, não apenas o Brasil, pouco a pouco irem caindo... eu não diria nem no ostracismo... Você vê a Venezuela hoje, você vê Brasil, você vê a Síria... A Síria é um país maravilhoso, entende? Você vê outros países que pouco a pouco vão perdendo a importância. E não se enganem, não: vai demorar muitos anos pra recuperar. Não é uma coisa que amanhã muda o presidente e muda tudo, não! Isso daí nós estamos falando de 20 anos, no mínimo, pra recuperar, se for possível.

Queria voltar ao começo da sua história. "O Alquimista", seu livro de maior vendagem, é um fenômeno literário do século 20. Isso é algo extraordinário. Pergunta clichê: tinha ideia lá atrás que chegaria onde chegou?

Óbvio que não. Agora, que eu queria chegar eu queria (risos). Óbvio que não, chegar aonde eu cheguei, meu amigo, só se eu fosse um megalomaníaco aí - que eu sou, que eu sou! Mas graças a Deus eu cheguei. Voltando à sua pergunta logo no início da entrevista, quando eu olhei aquelas 1.700 edições dos meus livros, fiquei tão surpreendido, você não tem noção! Você sabe que é famoso, sabe que vendeu 210 milhões de exemplares. Ora, 210 milhões de exemplares significam 600 milhões de leitores. Se eu vou a uma festa com 100 pessoas eu já fico meio claustrofóbico, ter que conversar com todo mundo! Imagina 600 milhões de pessoas! Então é uma coisa muito abstrata.

Passei dois dias, desde que você aceitou nosso convite, pesquisando e lendo e confesso que a maior dificuldade era saber exatamente o que te perguntar. Você já deu muita entrevista, por mais que seja ainda meio avesso, tem muitas falas suas, escrevia muito em jornais... Fiquei pensando: "o que será que nunca perguntaram pra ele e ele queria poder falar?" Tem algo que nunca lhe perguntaram e você queria poder falar?

Não. Não tem, inclusive esta mesma pergunta que você faz agora já foi feita por vários jornalistas muitas outras vezes 
(risos). Então, pra mim, a entrevista hoje em dia é absolutamente - tô dando porque, enfim, acho importante vez por outra me comunicar com meus leitores brasileiros, mas não é uma coisa que vá vender livros, por exemplo. Você vê que a maior vendedora de livros no mundo, J. K. Rowling, se a gente falar Harry Potter, tudo bem, mas J. K. Rowling não. 

É que talvez a gente sinta falta de ouvi-lo de vez em quando...
Eu cheguei na Polônia, num ano sabático, eu disse: "não vou fazer nada", em 96. O livro tinha acabado de sair na Polônia. Eu cheguei lá, não achava o livro em livraria nenhuma. Eu vi um, mandei perguntar se estava vendendo bem. Aí, pela gesticulação, eu entendi que não estava vendendo nada. Bom, passaram-se dois anos. E dois anos depois eu voltei à Polônia. Quando abriu a porta do aeroporto tinha, como dizer, era como se a Madonna tivesse chegando, entende? Tinha todas as televisões, todos os jornais, essas coisas todas. Ora, o que mudou? Mudou que eu era uma pessoa famosa agora, muito famosa na Polônia. E antes ninguém me conhecia. Você foi feliz, perguntou sobre minha carreira, mas os caras estão interessados em outras coisas, inclusive às vezes na política interna do país. Eu fui pra Geórgia: "O que q você acha da invasão da Rússia?". Eu não posso falar sobre essas coisas. Eu não nasci na Geórgia, entende, eu não sou russo. Eu tenho que me limitar. O que você pensa do Trump? "Amigos, isso é com os americanos". A não ser que a coisa fique muito grave. 

Até em razão de tudo isso, agradeço muito a gentileza de ter aceitado esse papo com a gente. Sei do seu tempo e da sua aversão a entrevista. Muito obrigado mesmo. 
Te agradeço muito também por esta oportunidade de poder falar com os telespectadores da TV Cultura. Um forte abraço, hein.

Precisa depois reaparecer aqui no Roda Viva"...
Porra, "Roda Viva" já fiz vários, mas faz tempo que não faço... As duas entrevistas que dei ano passado, os livros venderam igual. Vocês viram a entrevista? Tem trechos no ar. As duas foram para um programa, "CBS News Sunday". Às vezes você tem que fazer uma média com o editor... Um grande abraço, muito obrigado. Que Deus te abençoe aí.