O papa Francisco acertou o alvo ao escrever sua nova encíclica, a primeira que assina sozinho (a anterior foi feita a quatro mãos, já que fora iniciada pelo antecessor, o hoje papa emérito Bento 16). Ao trazer a questão ambiental para o centro do debate religioso, Francisco mostra - como bem registrou o jornalista André Trigueiro em seu blog no G1 - ser "um homem à altura do seu
tempo, do seu cargo, e do discurso que vocaliza em favor de um mundo melhor e
mais justo". É uma pena que encíclicas papais não passem de bons textos para reflexão. É uma pena que não ecoem nas práticas das nações, limitando-se a receber palavras elogiosas, porém sem efeito prático, dos governantes. Não me arriscarei a comentar de modo mais profundo a nova encíclica. Primeiro porque não tenho conhecimento suficiente para isto. Segundo porque Trigueiro já o fez - certamente de modo muito mais competente que eu, porque antes de tudo é um conhecedor da causa ambiental. Escreve o jornalista:
(...) O Papa explicita "a
relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta ", num mundo
onde o modelo de desenvolvimento concentra renda, polui o ar e as águas, agrava
o efeito estufa e reduz a qualidade de vida das atuais gerações e,
principalmente, das gerações futuras. Em resumo: o modelo vigente castiga o
planeta e agrava a exclusão. (...)
Recomendo, portanto, a católicos e não católicos, cristãos e ateus, lerem com atenção a análise feita por Trigueiro. E, a quem se interessar, a leitura da própria encíclica.
sexta-feira, 27 de março de 2015
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Rodrigo Piscitelli
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Kiruna, norte da Suécia. Aqui,
o inverno é rigoroso - no pico da estação, a temperatura pode chegar a 45 graus
negativos. Localizada num canto isolado do globo, 200 quilômetros acima do Círculo
Polar Ártico, a cidade de 23 mil habitantes foi erguida sobre um verdadeiro
tesouro: a maior mina de ferro do mundo. A mineração é a razão da existência de
Kiruna. A cidade nasceu junto com a exploração desse recurso, o quarto mais
presente no planeta. Daqui saíram 28 milhões de toneladas de minério cru no ano
passado.
Para tirar tudo isto debaixo
da terra, a empresa mineradora usa 1,7% de toda a energia da Suécia - é uma das
maiores consumidoras do país. Mas com novas tecnologias, ela virou também
fornecedora. A energia gerada no processo de mineração é reciclada e vai para o
sistema de aquecimento da cidade. Hoje, ela representa 5% das necessidades de Kiruna.
No futuro, com um novo sistema que está em testes e deve começar a operar no
meio do ano, será possível sustentar todo o sistema de aquecimento da cidade. Isto
irá reduzir a demanda por energia, o que significa economia para os consumidores.
E vai quase zerar o uso de combustíveis fósseis, uma boa notícia para o meio
ambiente.
A medida também vai
contribuir para a meta do governo sueco de reduzir pela metade o consumo de
energia do país até 2050.
Mas a mina não trouxe só
riqueza para Kiruna. Criou também um grande problema. A exploração avança em
direção à área urbana e já afeta o subsolo. Pelo menos seis mil pessoas vão
perder suas casas nos próximos anos. Para que a cidade não desapareça, a
comunidade decidiu mudá-la de lugar. Um novo centro será construído três
quilômetros para o leste. Problema que virou também oportunidade. Kiruna quer
aproveitar a mudança para construir uma cidade mais sustentável. E o primeiro
passo é fazer casas ecológicas - ou autossustentáveis. Um modelo já foi
construído e está na fase de acabamento.
Como em Kiruna o sol se põe
cada vez mais cedo no inverno, quando visitamos a casa já estava escuro. Num
lugar com temperaturas tão baixas durante meses, um dos primeiros desafios da
equipe que desenvolveu o projeto foi garantir aquecimento para os moradores. As
paredes, por exemplo, são bem largas - tudo para segurar o ar quente dentro do
imóvel e o ar frio fora. Ccom a mesma finalidade, a casa tem janelas amplas e
com vidros duplos.
Além dos avanços tecnológicos,
a casa sustentável conta com uma ajuda extra para o sistema de aquecimento. O
calor gerado pelo próprio corpo humano. Desde que a nossa equipe chegou ao
imóvel, por exemplo, a temperatura ambiente subiu um grau.
Seguindo o conceito de casa
autossustentável, o aquecimento da casa aproveita também o calor dos
equipamentos da cozinha e outros aparelhos elétricos.
E em tempos de crise hídrica no Brasil, a casa tem uma
solução inteligente nos banheiros. Um sistema permite o reúso constante da água
do banho. Assim que ela atinge o chão, passa por um filtro e é bombeada
novamente para a rede. Não existe desperdício. Toda
a água que circula pela casa é aquecida por um sistema especial. Ela chega
fria, recebe calor e retorna aquecida.
De acordo com Mats Nilsson,
chefe da empresa de energia municipal, a Tekniska Verken I Kiruna Ab, a
construção da casa ecológica custa de 30% a 50% mais do que uma residência
normal, mas ele explica que os custos de manutenção no dia a dia serão muito
menores. “Algumas casas tradicionais em Kiruna usam 30 mil quilowatts por ano
para aquecimento. Esta casa vai usar apenas cinco mil a seis mil. É muito
dinheiro num ano”.
Embora o projeto tenha sido
feito para uma cidade localizada quase no polo Norte, o diretor garante que os
conceitos também podem ser aplicados num país tropical como o Brasil. “A ideia
principal, de preservar a maior quantidade de energia possível, é uma boa
ideia. Eu imagino que em condições tropicais, você estará isolando a alta
temperatura do lado de fora e preservando uma boa temperatura do lado de
dentro. Você reduz a quantidade de energia necessária para resfriar o ambiente.”
* Texto original de reportagem
feita para o programa “Repórter Eco” (TV Cultura, dom., 17h30)
segunda-feira, 23 de março de 2015
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Rodrigo Piscitelli
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Nas últimas quatro
décadas, Sebastião Salgado rodou o planeta como “testemunha da condição humana”.
No Kuwait, registrou o “triste espetáculo” dos poços de petróleo incendiados
por Saddam Hussein após a guerra em 1991. Com a série “Trabalhadores”,
homenageou os “homens e mulheres que construíram nosso mundo”.
A trajetória do fotógrafo de 71 anos virou filme. Dirigido
pelo filho Juliano em parceria com o alemão Win Wenders, “O sal da terra”
estreou recentemente no Brasil após concorrer ao Oscar de melhor documentário.
Nascido em Aimorés, Minas Gerais, Sebastião Salgado mudou
para a França em 1969. Premiado em todo o mundo, ele revela no filme um olhar apurado
em busca da melhor imagem. Com suas fotos, denunciou tragédias como a sede e a
fome na África, os horrores do genocídio em Ruanda e o drama dos refugiados.
Chocado com tanta tristeza, apostou num novo projeto: “Gênesis” - uma homenagem
ao planeta. Percorreu 30 países em busca de cenas como a do nativo solitário no
tronco seco, da imensidão da floresta e da beleza da vegetação refletida na
água.
Mas se os homens são o “sal da terra”, à terra devem voltar.
E salgado voltou para a fazenda da família, no vale do rio Doce, onde passou a
infância. E o que viu foi uma terra arrasada. “Os pássaros, os jacarés e a
majestosa mata não existiam mais...”, conta n o filme. “A mata que existia
antes e se estendia por todas essas colinas era a mata Atlântica, a floresta
tropical atlântica”, comenta.
Sem mata, sem vida... “Quando eu era menino, tínhamos uma pequena cascata. Mais
tarde derrubaram a mata e a água desapareceu”, fala. Até que a mulher dele
resolveu plantar a semente de uma ideia: recriar a floresta que fez parte da
história de vida do marido. “Eu me lembro que na primeira plantação às vezes eu
sonhava que tudo tinha morrido”, afirma Lélia Salgado.
Foram plantadas dois milhões e meio de mudas. O Instituto Terra
recuperou 600 hectares de mata - uma área equivalente a 780 campos de futebol. Mais
de mil nascentes ressurgiram. “Quando vemos uma árvore, pensamos só em sua
verticalidade e beleza. Mas tudo depende da árvore: nossa água, nosso oxigênio...”,
cita o fotógrafo. A maior batalha na recuperação da fazenda da família Salgado,
porém, não foi vencer a terra seca: foi vencer as mentes, disse Juliano.
Agora, o projeto entra em uma nova etapa. Parcerias feitas pelo Instituto Terra
vão garantir o plantio de 125 milhões de mudas nos próximos 25 anos. O
reflorestamento será feito ao redor das 370 mil nascentes do rio Doce. O
trabalho do instituto é um exemplo de que recomeçar é possível.
Uma lição do
fotógrafo que virou amigo dos gorilas e das baleiras e que vê poesia na força
da natureza. “E pensar que essas árvores, que hoje têm três meses, atingirão o ápice
daqui a 400 anos! Talvez a partir disso possamos medir o conceito da eternidade”,
filosofa Salgado.
* Texto original de reportagem feita para o programa “Repórter
Eco” (TV Cultura, dom., 17h30) - reportagem acrescentada em 4/5/15
Escrevi recentemente no blog Piscitas – travel & fun
sobre a importância de olhar pela janela numa viagem a fim de ver a paisagem ao
redor. Ela nos conta muito do lugar pelo qual passamos.
Entre as muitas imagens postadas, deixei de fora dois
cenários para que fossem comentados aqui, à parte. A ocasião surgiu agora, após
ler uma postagem feita pelo jornalista André Trigueiro em seu blog.
Ele esteve recentemente na Alemanha e clicou paisagens
semelhantes às que eu vi: as “plantações” de ventiladores (aerogeradores ou torres
de energia eólica) e vidro (painéis de energia solar).
A paisagem se repete pelos países vizinhos, do Leste Europeu: Áustria (aos montes), República Tcheca, Hungria e Eslováquia (estes em menor quantidade).
E não são apenas os painéis: nas vilas, o uso da energia
solar é cada vez mais significativo nos imóveis, como vi na região de Munique:
Focado em meio ambiente e sustentabilidade, o blog de
Trigueiro cita boas iniciativas que vêm da Alemanha, entre os quais as fontes
alternativas de energia.
É um belo exemplo do que escrevi na postagem no blog
Piscitas: olhar pela janela durante uma viagem permite conhecer mais
profundamente o lugar, a cidade, o país, seus costumes, sua cultura, sua
geografia.
Aliás, Trigueiro destacou também o uso das bicicletas na Alemanha (já citado neste blog) e o ecodesing alemão, muito
bem representado pela cúpula de vidro do Parlamento (o Reichstag), em Berlim, e pela
cobertura translúcida do estádio olímpico de Munique e das áreas de convívio do parque olímpico (feitos para as Olimpíadas
de 1972!):
Eu acrescentaria ainda a cobertura do Sony Center, um moderno centro de compras na capital alemã, e as paredes de vidro das piscinas olímpicas de Munique, que também privilegiam a luz natural:
Claro que na Alemanha, como em muitos lugares, persistem práticas pouco recomendadas do ponto de vista ambiental. Na área de energia, vi do avião uma usina (térmica, creio eu) perto do aeroporto de Frankfurt expelindo toneladas de fumaça:
É inegável, contudo, que o país tem se esforçado para mudar esta realidade e se adaptar aos novos tempos (vide a proibição à energia nuclear após o acidente com a usina de Fukushima, no Japão).
Pois bem: quando viajar, repare nos detalhes. Eles fazem a
diferença e ajudam a contar histórias. Apenas para encerrar e ficar no tema do
meio ambiente, em Chicago (EUA) eu observei do alto da Willis Tower a cobertura
verde, ecológica, de um prédio, algo que está se espalhando por várias
construções:
terça-feira, 19 de junho de 2012
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Rodrigo Piscitelli
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22:08 |
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Esta postagem é uma homenagem à Rio+20, a conferência das Nações Unidas (ONU) sobre ecologia, meio ambiente e desenvolvimento sustentável que acontece no Rio de Janeiro de 13 a 22 de junho - 20 anos após a Rio-92 (ou Eco-92).
Nas primeiras fotos (aéreas), é possível ver a mundialmente famosa baía de Guanabara; nas demais, a Barra da Tijuca e a Cidade da Música - bonito, polêmico e caro projeto iniciado no governo César Maia (DEM) e ainda não concluído.
quinta-feira, 24 de maio de 2012
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Rodrigo Piscitelli
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18:26 |
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Meio que sem querer, acabei de ver praticamente em tempo real a atualização do site do concurso anual que a rede de TV norte-americana CNN realiza entre universitários brasileiros. Esta é a sétima edição do projeto. A atualização trouxe a lista dos finalistas.
Acessei a página porque um ex-aluno, companheiro de trabalho e amigo está participando.
Este ex-aluno/colega de trabalho/amigo, Carlos Giannoni de Araújo, passou o dia ansioso. Sequer conseguia disfarçar. E agora pode comemorar: ele está entre os dez finalistas do concurso, que oferece ao vencedor uma viagem para conhecer a sede da CNN em Atlanta (Geórgia).
Em 2011, o concurso tratou de sustentabilidade, um tema da moda – e que, justamente por estar na moda, costuma apresentar uma série de propostas já conhecidas. Carlos, porém, apostou em algo diferente. Fez a reportagem e foi em frente.
Desde que eu soube do tema, há cerca de duas semanas, tinha quase certeza de que ele poderia se dar bem. É uma abordagem interessante. Quando vi o produto final, tive certeza de que ele seria um dos finalistas.
Esta é a segunda vez que um ex-aluno participa deste concurso e vai para a final – o que, reconheçamos, já é uma conquista. O que virá daqui para frente só o tempo dirá. E, como eu disse ao Carlos hoje, o que tiver que ser dele, será.
Resta torcer. Eu, de minha parte, como ex-professor, colega de trabalho e amigo, estou feliz e orgulhoso por este grande passo dado por ele.
Parabéns e boa sorte!
A reportagem do Carlos está logo a seguir:
Em tempo: não fui professor do Carlos na área de TV, que fique claro.
PS: esta história toda para mim é também uma lição. Por circunstâncias da vida (diria mesmo idiotices), não consegui ajudá-lo na elaboração da reportagem. Enfim, coisas que não se consertam. Minha torcida, porém, não será menos valiosa do que a ajuda que deixei de dar.
domingo, 15 de agosto de 2010
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Rodrigo Piscitelli
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11:02 |
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Li recentemente o livro de David Byrne, “Diários de Bicicleta”. Fora o fato do título ser uma referência direta aos “Diários de Motocicleta”, de Che Guevara, o músico – que vive em Nova York – narra suas aventuras e desventuras sobre duas rodas mundo afora. Obviamente, ele defende a “magrela” como um saudável (ao indivíduo e à sociedade) meio de transporte.
Algumas cidades do mundo decidiram apostar nisso. Em várias localidades da Europa, por exemplo, a bicicleta domina a paisagem. Exemplo mais claro talvez seja Amsterdã. Boas ciclovias são encontradas também em Munique – para ficar em dois lugares que conheci e sobre os quais posso falar.
No livro, Byrne fala de Bogotá, na Colômbia. Segundo o músico, o ex-prefeito da cidade, apontado como responsável pela remodelação do município, foi aos poucos fechando algumas ruas para o trânsito. Isso fez com que a comunidade voltasse a ocupar esses locais – notadamente no Centro. Resultado: menos caos, menos poluição, menos estresse, menos violência, mais integração, maior sociabilidade, mais vida.
Locais antes entregues à degradação, ao abandono e à marginalidade passaram a ser ocupados por restaurantes, feirinhas e gente do bem.
Em Nova York, as experiências ainda são pontuais. Mas existem e caminham para, quem sabe um dia, o fechamento de ruas. Uma dessas experiências está ocorrendo justamente este mês. Trata-se do Summer Streets 2010. Ele acontece em três sábados consecutivos de agosto numa rota que liga a Brooklyn Bridge ao Central Park, com conexões em vias de pouco tráfego até o Hudson River Greenway, Harlem e Governors Island.
“Este evento pega um valioso espaço público – ruas da cidade – e abre para que as pessoas joguem, brinquem, divirtam-se, caminhem, andem de bicicleta e suem. O Summer Streets garante mais espaço para uma recreação saudável e é parte das iniciativas ecológicas de NYC para incentivar os nova-iorquinos a usar mais formas sustentáveis de transporte”, cita o site do projeto.
A iniciativa, segundo os próprios organizadores, seguem projetos semelhantes implantados ao redor do mundo, como em Bogotá e Paris. Está ligada a uma proposta lançada justamente por Byrne em 2007, quando Nova York sediou um encontro que teve a bicicleta como protagonista.
Não parece legal? É ecológico, saudável e reduz custos (na medida em que se polui menos e se exige menor quantidade de policiais para vigiar áreas antes entregues a marginais). Se grandes cidades estão fazendo, por que não Limeira? Por que não no Brasil? É preciso só uma coisa: coragem. Ah, e também uma boa dose de ousadia e criatividade.
Vamos tentar?
Para estimular os governantes e a sociedade, não custa lembrar da música de Toquinho:
Sou eu que te levo pelos parques a correr, Te ajudo a crescer e em duas rodas deslizar. Em cima de mim o mundo fica à sua mercê Você roda em mim e o mundo embaixo de você. Corpo ao vento, pensamento solto pelo ar, Pra isso acontecer basta você me pedalar. B-I-C-I-C-L-E-T-A Sou sua amiga bicicleta. Sou eu que te faço companhia por aí, Entre ruas, avenidas, na beira do mar. Eu vou com você comprar e te ajudo a curtir Picolés, chicletes, figurinhas e gibis. Rodo a roda e o tempo roda e é hora de voltar, Pra isso acontecer basta você me pedalar. B-I-C-I-C-L-E-T-A Sou sua amiga bicicleta. Faz bem pouco tempo entrei na moda pra valer, Os executivos me procuram sem parar. Todo mundo vive preocupado em emagracer, Até mesmo teus pais resolveram me adotar. Muita gente ultimamente vem me pedalar Mas de um jeito estranho que eu não saio do lugar. * A foto - de Gary Toriello - é da edição 2008 do Summer Streets, obtida no site oficial do projeto
quinta-feira, 22 de julho de 2010
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Rodrigo Piscitelli
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Uma decisão dada pela Vara Federal de Araraquara ajuda a entender porque a Justiça é lenta no Brasil. A juíza federal Adriana Galvão Starr proibiu a queimada da palha da cana naquela região. Questão semelhante envolvendo uma lei de Limeira, fruto de projeto do presidente da Câmara, Eliseu Daniel dos Santos (PDT), já foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal, que acabou liberando a queimada.
Ora, se a última esfera do Judiciário deu um parecer a favor da inconstitucionalidade de uma lei municipal que proibia a queimada de cana, por que a decisão não serve de jurisprudência para toda a Justiça Federal?
É fato que as questões tratadas na ação envolvendo a lei de Limeira e no processo em Araraquara são distintas do ponto de vista legal, mas no mérito tratam da mesma questão: a queimada faz mal à saúde, à fauna e à flora. Esta é a essência da questão, o que deveria ser considerado pela Justiça houvesse bom senso por parte dos juízes. Alguns deles, contudo, preferem a tecnicidade fria das normas.
No caso de Araraquara, a juíza anulou todas as licenças ambientais concedidas pela Cetesb (Companhia Estadual de Tecnologia de Saneamento Ambiental) e Secretaria Estadual do Meio Ambiente para a safra 2011 autorizando a queima da palha da cana. Segundo a juíza, as autorizações só poderão ser concedidas após estudos de impacto ambiental (EIA/Rima) prévio avaliando as consequências dessa prática para a saúde e o meio ambiente (leia mais aqui).
Para a juíza, “a proteção do meio ambiente realiza-se por meio de competências administrativas comuns a todos os entes da federação”, o que derruba a tese de que só a União pode legislar sobre questões ambientais – tese defendida pelas associações de usineiros para contestar a lei antiqueimada limeirense. Reforça essa ideia o artigo 225 da Constituição Federal: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (grifos meus) A sentença dada pela juíza clareia, na página 26, também outra questão sempre levantada pelos defensores das queimadas: "A nocividade da queima da palha da cana-de-açúcar ao meio ambiente e à saúde humana já fora atestada por diversos estudos. Ainda que inexistisse comprovação efetiva acerca da lesividade, a Constituição exige a realização de prévio estudo de impacto ambiental para as atividades POTENCIALMENTE (grifo original) causadoras de significativa degradação ambiental".
Se é dever do Estado zelar pela saúde e o meio ambiente, como prega a Constituição, é inconcebível a opção tomada pelo governo de São Paulo desde a gestão do ex-governador Mário Covas de liberar a prática da queimada. Por meio do decreto 42.056, de 6 de agosto de 1997, Covas prorrogou o fim das queimadas para 2021 no caso de áreas mecanizáveis e 2031 para as áreas não mecanizáveis. O ex-governador José Serra (PSDB) reduziu os prazos, mas ainda assim defendeu a prática. Serra chegou a classificar a lei antiqueimada de Limeira de “radical”, como já informou este blog (leia aqui).
Se os governantes paulistas não tiveram peito de enfrentar as usinas e seus interesses econômicos, caberia à Justiça restituir a proteção à saúde e ao ambiente. Foi o que fez a Justiça de Limeira ao conceder liminar anos atrás proibindo a Usina Iracema de usar o fogo em suas lavouras, em ação movida pela Promotoria do Meio Ambiente, assinada pelo promotor Luiz Alberto Segalla Bevilacqua, decisão mantida posteriormente pelo Tribunal de Justiça e que resultou num Termo de Ajustamento de Conduta. Foi o que fez a juíza de Araraquara – aliás, uma bela sentença (leia a íntegra aqui).
Foi o que não fez o Supremo ao derrubar a lei municipal antiqueimada.
Agora, Eliseu Daniel ganhou uma importante arma na luta para restituir a lei de sua autoria.
Em tempo: sobre esta questão, o “Jornal Nacional” apresentou uma reportagem hoje.
Repórter da TV Cultura, apresentador e mestre de cerimônia.
Ser jornalista está no meu DNA. Logo, sempre gostei de escrever. Adoro ouvir histórias, conhecer pessoas e lugares. Portanto, adoro viajar.
Este blog foi criado como ferramenta para estas paixões - a escrita e a viagem. Minha intenção com as crônicas e dicas postadas aqui é simplesmente inspirar outros viajantes a descobrir novos lugares (ou, quem sabe, a se aventurar por novos recantos em lugares já conhecidos).
Se você ainda está em dúvida sobre o destino e se pergunta "por que ir...?", a resposta pode estar aqui!
Boa viagem!