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terça-feira, 6 de outubro de 2015 | | 0 comentários

Haddad: ousadia e coragem merecem ser reconhecidas

Se tem algo de que a administração paulistana de Fernando Haddad (PT) não pode ser acusada é de falta de ousadia. Em meio a desafios tão gigantes quanto a cidade que quis administrar (12 milhões de habitantes, fora o público volante e os problemas que envolvem o entorno), o petista se destaca justamente por aquilo em que é mais criticado: as intervenções na mobilidade urbana.

O trânsito de São Paulo não está à beira do caos; é um caos diário (por mais que muitas pessoas tenham se adaptado a deslocamentos que facilmente superam horas).

Não é um cenário unicamente paulistano, como constatou recente estudo do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas):

“Nos últimos doze anos, o Brasil passa por um período de forte expansão da frota de veículos automotores, o que se reflete na deterioração das condições de trânsito não só dos grandes centros urbanos como também das rodovias. Quanto maior o tráfego de veículos, maiores os conflitos existentes, o que pressiona os índices de acidentes em todas as rodovias brasileiras.”

Ao encontro do que fazem cidades desenvolvidas ao redor do mundo, Haddad investiu fortemente nos corredores de ônibus a fim de aumentar a velocidade desse modal, construiu uma ampla rede de ciclovias, reduziu a velocidade das principais vias da cidade (medida conhecida como “traffic calming”) e, mais recentemente, iniciou um projeto-piloto de ampliação das calçadas.

Como é de se imaginar, carros perderam espaço – e milhares de motoristas reclamam.

Quis o destino que Haddad tenha sido eleito no momento mais dramático da economia e das finanças públicas do país nos últimos 30 anos. Assumiu uma administração com uma dívida quase impagável (sabia disso quando se candidatou) apostando nas parcerias com o governo federal – que não vieram no volume esperado.

Consequência disso: uma administração que pouco realizou em termos de obras e melhorias dos serviços públicos.

Ao mesmo tempo, porém, o prefeito teve a coragem de tocar em vespeiros que ninguém se atrevia a mexer. Fortaleceu a corregedoria da prefeitura e criou mecanismos de investigação dos servidores, obrigados a informar sistematicamente seu rol de bens a fim de que sejam cruzados com o rendimento. Assim, desbaratou uma quadrilha suspeita de desviar ao menos R$ 500 milhões dos cofres públicos – a chamada Máfia do ISS.

E assumiu o risco político de fazer intervenções que julgava necessárias para modernizar a mobilidade da capital. No caso da redução da velocidade, embora exista a suspeita plausível de que isto resultará numa indústria de multas, há que se considerar os possíveis efeitos positivos da medida.

Como jornalista, há anos ouço especialistas criticarem a falta de ação dos governos no combate à violência no trânsito, talvez a principal epidemia hoje no país. O estudo do Ipea, já mencionado, apontou que, apenas nas estradas federais, ocorreram quase 170 mil acidentes em um ano, a um custo médio de R$ 72,7 mil ao país.

Estamos falando de quase R$ 13 bilhões – só com as estradas federais! Isto é quase metade do déficit orçamentário do governo federal para 2016.

O trânsito é a principal causa de mortes violentas no Brasil, superando de longe os assassinatos. É certamente o maior problema de saúde pública no país, com custos bilionários. Um problema para o qual grande parte da sociedade e da classe política fecham os olhos.

Haddad não. Entre a ação polêmica e a omissão, preferiu – acertada e corajosamente - a primeira.

Recentemente, o prefeito divulgou que o índice de mortes no trânsito da cidade teve a maior queda em ao menos uma década.

Outro levantamento apontou que o trânsito em São Paulo recuou pela primeira vez em três anos - o que pode ser um efeito das medidas tomadas pela prefeitura ou também da crise econômica (ou ambas). Ainda assim, é algo a se considerar.

As resistências e críticas que a administração Haddad sofre são muito mais fruto das ações que ele tomou do que daquilo que a prefeitura não fez – o que é plenamente compreensível por se tratar de mudanças tão sensíveis ao dia a dia de milhões de pessoas, nem sempre bem explicadas e/ou comunicadas.

Em praticamente nenhum lugar do mundo, mudanças desse tipo foram feitas amistosamente. É comum do ser humano resistir a mudanças, principalmente quando estas lhe atingem individualmente em nome de um bem coletivo maior.

Também é o caso de destacar o projeto “Braços Abertos”, voltado a usuários de crack. Embora polêmico, há que se considerar que a iniciativa vai na direção oposta à da repressão, que certamente se mostrou uma política fracassada. Ora, se uma ação já falhou, seria o caso de dar crédito a uma nova – e diferente – alternativa.

Como no Brasil imprensa e sociedade têm pressa, rapidamente Haddad anunciou o que seriam os primeiros resultados positivos do programa: redução do consumo de crack. Eram apenas três meses de projeto, muito pouco para uma manifestação tão taxativa, mas é bom ficar de olho.

As iniciativas, é bom registrar, renderam ao prefeito paulistano efusivos elogios dos jornais “The New York Times” (original aqui) e “Wall Street Journal” (original aqui).

Desconfio, porém, que se Haddad estivesse em outro partido (PSDB, por exemplo) e/ou em outro momento da história, seria apontado como um visionário. No PT, aqui e agora, deve ter sérias dificuldades para se reeleger (é provável até que não tenha êxito).

Não sei se o petista mereceria meu voto caso tivesse domicílio eleitoral na cidade de São Paulo. A administração está longe daquilo que ele se comprometeu a fazer na campanha (e é hora de começarmos a ser mais rígidos e radicais a respeito daquelas promessas que nos fazem a cada dois anos, entre julho e outubro...).

Isto não me impede, pois, de aplaudi-lo naquilo que faz de bom (ou tenta, ainda que com resultados incertos).

segunda-feira, 10 de agosto de 2015 | | 0 comentários

Mobilidade urbana e cidades

(...) Assim como a redução dos limites de velocidade, muitas das ações da atual gestão municipal na área da mobilidade correspondem a uma nova maneira de pensar a cidade. Mas a prefeitura falha ao não lançar seus argumentos e estudos técnicos a um amplo debate público antes de adotar tais medidas.

Sem dúvida queremos construir, hoje, um futuro sob outros parâmetros, sem mortes no trânsito, com a valorização do transporte coletivo, dos meios não motorizados, dos espaços públicos, do meio ambiente, enfim, da vida. Mas isso significa mexer com práticas, modos de vida e usos do espaço profundamente enraizados, o que não é nada fácil.

Fonte: Raquel Rolnik, “Entrei na rua Augusta a 120 por hora”, Folha de S. Paulo, Cotidiano, 10/8/15.

quinta-feira, 9 de abril de 2015 | | 0 comentários

Lá & cá (Alemanha & Brasil)

Dia desses postei o exemplo de um banheiro rodoviário na Alemanha. Lá, a civilidade não é só para os humanos: os animais também têm vez (claro, sob dependência dos seus educados donos). Totens com saquinhos higiênicos estão por toda parte.


Sejamos justos: esta moda já chegou ao Brasil. Só resta aumentar a adesão por parte dos usuários por aqui...

Por falar em totem, tem também para abastecer, ou melhor, recarregar o carro - movido a energia.


Os pontos de ônibus são quase iguais aos nossos, só falta o painel eletrônico que informa o tempo de chegada das próximas linhas.



Mas quando os assuntos são transporte público e mobilidade urbana, aí é covardia comparar...



As ciclofaixas passam longe do improviso (ao contrário daqui). Tem até semáforo para os ciclistas!



Detalhe importantíssimo: os alemães pagam caro - bem caro! - para ter serviços assim, de qualidade. Mas cá entre nós: também não pagamos muito???

Pelo jeito não foi só no futebol que levamos uma sonora goleada...

segunda-feira, 7 de abril de 2014 | | 0 comentários

Mobilidade urbana - questão social, olhar artístico

Mobilidade, todos sabemos, é tema caríssimo a qualquer grande cidade do mundo. Engana-se quem imagina que São Paulo é caso isolado de caos. Já usei o metrô em outras grandes capitais (Madrid e Tóquio, por exemplo) e constatei lotação semelhante às da capital paulista nos chamados horários de pico ou durante eventos de grande atração popular, como jogos de futebol.

Na tentativa (?) de amenizar o problema do transporte, São Paulo está testando vários modelos - até de modo um tanto tresloucado, com cada ente governamental seguindo um rumo. Do governo do Estado, por exemplo, os investimentos focam no sistema de metrô e nos monotrilhos (do ponto de vista urbanístico, as obras estão criando verdadeiros monstrengos nos bairros e avenidas).



São Paulo possui atualmente 74 quilômetros de trilhos de metrô, que transportam 4,7 milhões de passageiros por dia, além de 256 quilômetros de trilhos de trem da CPTM - o sistema conjunto de trilhos leva 7,3 milhões de pessoas todos os dias.

O foco, disse o governador Geraldo Alckmin (PSDB) em evento promovido pelo jornal "Folha de S. Paulo" entre os dias 9 e 10 de outubro de 2013, é integrar cada vez mais os diversos modais. Ou seja, interligar os sistemas. Ele citou quatro obras de ampliação do metrô e outras três planejadas, além de três obras da CPTM e outras duas planejadas.


No mesmo evento, o prefeito Fernando Haddad (PT) defendeu seu projeto de mobilidade, que foca no transporte público com a abertura de corredores de ônibus. Ele lembrou que, historicamente, todo o investimento viário teve como beneficiário o carro, o que chamou de "privatização da superfície da cidade".

Disse também que a cidade não podia ter uma única aposta - sobre trilhos - para melhorar o transporte. E pregou um "redesenho" dos eixos de mobilidade paralelamente aos corredores. "O problema maior não é ter um carro, mas o modo de uso", falou.


***

A mobilidade urbana foi justamente o tema central da 10ª Bienal de Arquitetura de São Paulo, em 2013. A mostra - cujo slogan foi "Cidades: modos de fazer, modos de usar" - ocorreu em vários pontos da cidade, todos propositalmente próximos ao transporte público.

Estive em alguns deles. No Centro Cultural São Paulo (CCSP), o subtema foi "Modos de agir". Uma exposição estimulante e provocante, misturando textos, fotos e arte contemporânea. Logo na entrada, "Le grand ensemble" ("O grande conjunto"), de Matthieu Pernot:


Em um texto sobre o famoso edifício Copan, que possui 1.160 apartamentos, li uma expressão que me chamou a atenção, referência a um modelo habitacional soviético: "condensador social". 

No trabalho do fotógrafo alemão Michael Wolf, um conceito interessante: "arquitetura da densidade". Conceito que pode ser visto na foto das vilas urbanas de Taipei, na China.


O carro ganhou papel central na mostra. Como na referência a Los Angeles (EUA), talvez algo semelhante ao que se vê em São Paulo (aposta em grandes vias, regiões desconectadas, transporte público deficiente):



Em "Carrópolis", uma proposta de reflexão. "O automóvel transformou profundamente as cidades a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, quando os produtos de consumo foram se tornando cada vez mais acessíveis às massas. (...) O automóvel era, então, um signo de poder, liberdade e ascensão social, apontando para um futuro limpo e ordenado, feito de torres conectadas a vias amplas e atravessadas por máquinas velozes. Daí vieram Detroit, Los Angeles, Atlanta, Houston, Dallas, Brasília.

Acontece que a liberdade proporcionada pelo automóvel individual só funciona bem quando beneficia um número limitado de pessoas. No momento em que o carro se generaliza, o trânsito entope as ruas, os espaços públicos são sacrificados por obras viárias cada vez mais áridas e a mancha urbana se desmancha nos subúrbios: nos bairros-dormitórios, nas favelas, nos conjuntos habitacionais de baixa renda e nos condomínios de luxo", cita texto da mostra.


Tudo isso levado ao extremo em Las Vegas, onde a cidade praticamente se funde com a estrada.

Já em São Paulo, a necessidade das tais "obras viárias áridas" e a mancha urbana crescente podem ser vistas na evolução da marginal Tietê ao longo das décadas: 


E não existe cidade sem sociedade.


"Uma cidade muda não muda", dizia o cartaz. No Occupy Wall Street, o protesto dos 99% que não se beneficiam dos ganhos do capitalismo...






Um caos que vira notícia - e arte:




Que ganha inocência nas mãos e na mente das crianças:


Que tem como causa-efeito a verticalização desenfreada, representada pela junção de imagem e arte:


E, por fim, um dos resultados do caos urbano: a favela. E uma mostra do projeto de urbanização da favela "Nelson Cruz", no centro expandido da capital:






"Hoje, fica mais evidente que o espaço público não é o lugar do encontro, e sim do conflito, do atrito."

São Paulo, afinal, tem solução!?



Em tempo: evidentemente, falar de mobilidade em São Paulo sem discutir o chamado Minhocão, o elevado "Costa e Silva", não faz sentido. Ele talvez seja o símbolo mais polêmico de uma cidade que cresceu sem discutir esta questão. 

O Minhocão, claro, fez parte da bienal representando o subtema "Modos de negociar" - mas isto será tratado em outra postagem.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014 | | 0 comentários

Mobilidade: a questão dos carros

(...) Os motoristas viraram a erva daninha da cidade. Ciclistas já os odiavam quando passavam com seu ar de santo ecológico pelos pobres coitados dos motoristas que não moram numa "pequena Amsterdã", como a moçada da classe média alta que mora perto do trabalho ou da "facul", ou que tem um trampo fácil, sem horas duras, ou ganha muito bem ou tem grana de outra fonte e então pode ir de bike para o trabalho ou para a "facul". Quem anda de bike para salvar o planeta é playboy light.

(...) O ódio ao motorista virou demonstração de consciência social e ambiental - outro modismo contemporâneo. Esquece-se que essas pessoas são cidadãs como todas as outras. Que pagam impostos exorbitantes para comprar os carros e IPVA todo ano. Pagam IPVA, mas logo não terão direito de andar de carro pela cidade. Nada de novo no front: os brasileiros estão acostumados a pagar impostos e não ter nada em troca. (...)

Fonte: Luiz Felipe Pondé, “A erva daninha”, Folha de S. Paulo, Ilustrada, 3/2/14..