Haja paciência. Haja tolerância. Haja também --e sobretudo--
compreensão para o fato de que, num Estado de Direito, as decisões da Justiça
precisam emergir da interpretação fundamentada do que prescrevem as leis.
(...) Isso não significa que sentenças serão necessariamente
alteradas. Trata-se apenas de reconhecer que mais um recurso está à disposição
de alguns réus --somente naqueles casos em que as condenações foram decididas
com ao menos quatro votos favoráveis à absolvição.
Verdade que restou frustrada a expectativa de que, por fim,
se pusesse termo a um processo longuíssimo, pronto a estagnar em cada curva no
remanso da impunidade. (...)
Fonte: _____________, “Não é pizza”, Folha de S. Paulo, Opinião/Editorial,
19/9/13, p. 2.
***
Ao acolher os embargos infringentes, o Supremo Tribunal
Federal praticamente define um novo julgamento do mensalão e tende a recuar num
dos pontos fundamentais da primeira fase: a atualização do conceito de
quadrilha.
Se antes as quadrilhas eram quase caricatas - bandos de
criminosos comuns, armados, que assaltavam bancos e coisas assim -, o
julgamento do mensalão estendeu o conceito para poderosos, de dentro e de fora
de governos, que agem em conjunto contra o interesse público.
(...) Um dado salta aos olhos nessa arena. Acatados os
embargos infringentes e, depois, o mérito desses embargos, o julgamento
terminará com os núcleos publicitário e financeiro na cadeia, puxados por
Marcos Valério e Kátia Rabello, e com o núcleo político em ostensiva
comemoração, liderado ainda por José Dirceu.
Aos "técnicos", o peso da lei. Aos
"políticos", a leveza do sei lá o quê. (...)
Fonte: Eliane Cantanhêde, “Quem ri por último...”, Folha de
S. Paulo, Opinião, 19/9/13, p. 2.
***
Pode ser chato aceitar isso, mas o voto de Celso de Mello
foi magistral. É má notícia, claro, ver o processo do mensalão se arrastar,
como haverá de acontecer, por mais tempo em alguns casos. A sessão de ontem do
STF foi, mesmo assim, uma lição de direito.
(...) Celso de Mello foi firme, quase esmagador, na alegria
de manter a própria posição e de resguardar sua autonomia de juiz face ao
clamor de "maiorias eventuais". Com a insistência vocal de sempre,
colocou os pingos nos is. É de se temer que os "is", no caso, sejam
os da palavra "impunidade".
Fonte: Marcelo Coelho, “Pingos nos is”, Folha de S. Paulo,
Poder, 19/9/13.
***
Postas as questões principais acerca da decisão do STF a
respeito dos tais embargos infringentes no julgamento do mensalão, restam-me quatro
observações:
1 – do ponto de vista jurídico, a decisão do Supremo merece
consideração. Há que se notar, porém, que não são os tais embargos que podem
levar à prescrição de penas e sim a demora de quase cinco anos para que a ação penal 470 fosse julgada (ela foi protocolada em novembro de 2007). A morosidade
da Justiça se deu antes e não agora. E a Justiça não pode, em razão da sua
morosidade, reduzir eventuais direitos dos réus.
2 – o fato dos embargos terem sido aceitos NÃO modifica em
nada um fato: houve um grande esquema de corrupção envolvendo partidos e
agentes públicos visando a sustentação política do governo Lula. Provavelmente
o maior escândalo da história da República. Restou provada a utilização de
recursos públicos. Foram condenadas 25 pessoas – nenhuma delas poderá ser
absolvida integralmente durante a próxima fase de recursos. Ou seja: o mensalão
existiu.
3 – a impunidade se dará se, na análise dos futuros embargos,
o STF recuar da condenação por formação de quadrilha. Aí se terá a lógica
exposta no texto de Eliane Cantanhêde citado anteriormente: para os peixes
miúdos, a prisão; para os graúdos, a liberdade.
4 – por mais que a decisão do STF pró-embargos possa
encontrar respaldo jurídico, como expuseram vários especialistas, não é
possível aceitar que parte da sociedade comemore uma eventual vitória dos réus.
Eles são CONDENADOS em última instância por CORRUPÇÃO, um dos mais graves dos
crimes porque lesa o erário (portanto, os sistemas de saúde, educação,
segurança, etc).
Petistas conscientes (são poucos, mas existem) fazem autocrítica
em relação a este triste episódio da história do partido. Grande parte dos
filiados e simpatizantes, porém, insiste em relativizar o caso, atribuindo-o a “somente
um crime de caixa dois eleitoral”.
Há até quem deboche do caso, como o ator José de Abreu. Tão
logo a decisão do STF foi tomada a respeito dos embargos, ele postou no
Twitter: “Já começou a convulsão social? O povo tá nas ruas? Ta tendo greve
geral?” (sic).
Que Abreu seja petista e
amigo de longa data do ex-ministro e condenado por corrupção no mensalão, José
Dirceu, é um direito dele. Daí a debochar da situação é demais...
***
O pior é pensar que o ator tem
parcial razão. Tivesse de fato o gigante acordado e hoje o país estaria parado
e o povo nas ruas.
Povo brasileiro, cadê você?
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