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sábado, 20 de agosto de 2016 | | 0 comentários

Jornalismo espetáculo

Para entender um pouco mais sobre como o jornalismo virou espetáculo, lembrando Guy Debord, e como a forma está se sobrepondo ao conteúdo - aqui.

terça-feira, 29 de setembro de 2015 | | 0 comentários

Descansar a mente é preciso

Abaixo, trechos de interessante entrevista do neurocientista Daniel Levitin – especializado em psicologia cognitiva e professor da McGill University - ao caderno “Aliás”, do jornal “O Estado de S. Paulo”.

Autor do livro “A Mente Organizada”, ele “observa o que têm em comum as pessoas bem-­sucedidas e produtivas” e “sugere estratégias de organizar a memória – esvaziá­-la com exercício e instrumentos que chama de extensões do cérebro”:

(...) O que é a obsolescência evolucionária, que o senhor aponta como parte do obstáculo para lidar com o excesso de informação?
Todos os organismos vivos estão constantemente se adaptando ao meio ambiente. (...) Mas é um longo e lento processo. Nosso cérebro evoluiu para lidar com um ambiente que existia há 10, 20 mil anos. O genoma humano precisa de tempo para se adaptar. Para você ter uma ideia, em 30 anos quintuplicou a quantidade de informação que recebemos a cada dia. Pense nisso como o equivalente a ler 175 jornais de ponta a ponta diariamente. Outro número extraordinário: em 1976, nos Estados Unidos, havia cerca de 9 mil produtos únicos à venda num supermercado. Hoje, há cerca de 40 mil. O consumidor americano, que compra uma média de 150 produtos, tem que navegar entre uma quantidade muito maior de escolhas.

(...) A palavra multitarefas, executar várias tarefas ao mesmo tempo, é indissociável da rotina do século 21. Mas o senhor diz que multitarefas não passam de ficção.
Não existem multitarefas, é um mito. O cérebro simplesmente não comporta isso. A pessoa pensa que está lidando com várias coisas ao mesmo tempo quando, de fato, o cérebro está experimentando rápidas mudanças de foco que mal percebemos, o que resulta numa atenção fragmentada a várias coisas e nenhuma atenção sólida a uma que seja. (...)

O senhor diz que uma ferramenta útil para priorizar são os chamados exercícios de limpeza da mente.
Sim. O David Allen, um guru da produtividade e autor de “A Arte de Fazer Acontecer”, aponta para a importância de externalizar a informação. Recomenda anotar tudo o que está se passando na sua cabeça, coisas que têm a ver com a tarefa em questão e preocupações que podem distrair a pessoa. É um processo neurológico, porque o cérebro teme esquecer o que é importante. Quando o cérebro sabe que a informação foi arquivada externamente, nas anotações, e o efeito é de nos acalmar, é libertador. Retira o entulho mental que prejudica a atenção. (...)

Em tempo: a íntegra da entrevista, com os devidos créditos da fonte, está no link na abertura desta postagem.

domingo, 30 de agosto de 2015 | | 0 comentários

A nova era digital: reflexões sobre o pau de selfie

(...) Em um mundo altamente tecnológico, o "pau de selfie" se destaca pelo aspecto tosco. Os que esperavam carros voadores e lentes multifuncionais se viram decepcionados pela realidade: o invento mais popular do ano é um bastão.

Atrás dessa aparente simplicidade, porém, se esconde uma revelação profunda sobre o mundo contemporâneo. Como o velho cajado que amparou nossos antepassados, o “pau de selfie” nos oferece segurança diante de um mundo perigoso. Não é só a nossa proteção no isolamento mas uma resposta a essa angústia do ser humano contemporâneo – a de constatar sua própria existência.

Fonte: Emilio Lezama, tradução de Francesca Angiolillo,
“Papparazi de nós mesmos”, Folha de S. Paulo, Ilustríssima, 30/8/15.

terça-feira, 25 de agosto de 2015 | | 0 comentários

Drogas: vítima de quem?

Para trazer um pouco de racionalidade à discussão sobre a descriminalização das drogas, reproduzo a seguir trecho de interessante entrevista concedida à “Folha de S. Paulo” (créditos no link) pelo delegado e doutor em ciência política pela Universidade Federal Fluminense, Orlando Zaccone:

Como vê a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal?
Orlando Zaccone - Não tem como não ser a favor. A criminalização do uso viola princípios do direito penal. Não se pode punir condutas que não tenham vítima, não se pune a autolesão. A pessoa não pode ser autora e vítima do mesmo crime. O consumo de drogas não tem lesão à coletividade. Se existe lesão, é só à pessoa. (...)

Como resolver o problema do consumo excessivo de drogas?
Com políticas públicas. A droga que mais teve redução de consumo no Brasil é lícita: o tabaco. Isso porque teve políticas públicas importantes, como proibir propaganda. Com drogas ilegais, não se faz políticas públicas, mas política criminal, que não faz transformação social.

* Leia também (acrescentado em 29/9):

- De foro íntimo

quarta-feira, 22 de abril de 2015 | | 0 comentários

O futuro da TV

Reportagem publicada hoje (22/4) pela “Folha de S. Paulo”, assinada por Nelson de Sá e Fernanda Reis, sobre o futuro da Rede Globo por ocasião das comemorações dos 50 anos da emissora, traz uma espécie de diagnóstico desse importante meio de comunicação.

Reproduzo a seguir um trecho da reportagem justamente pelo fato da análise extrapolar os muros da Globo e valer para a TV em si:

Para começar, fala Boni, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, seu principal executivo por três décadas: "Capacitada a produzir conteúdo em escala, o caminho da Globo será investir cada vez mais em qualidade, para utilizar todas as plataformas. Não importa onde, pelo ar, cabo, internet. O importante é ter conteúdo que atraia visibilidade". 

Nizan Guanaes, dono do maior grupo publicitário do país, o ABC, vai na mesma direção: "Vivemos a era do conteúdo e do 'storytelling' [contar histórias]. As próximas décadas vão ser desafiadoras para ela como vão ser para todo o mundo. Mas ela está muito bem posicionada porque é craque em padrão mundial nas duas coisas". 

Para Esther Hamburger, da USP, e Vanderlei Dias de Souza, do Mackenzie, a TV aberta seguirá firme. "Tem gente que fala que está morrendo, mas não, está se transformando", diz ela, citando as coproduções da Globo. "A TV do jeito que é não vai desaparecer, a Globo ainda dá audiência, apesar da queda", diz ele. 

Mas o desafio agora é o novo público, não passivo como na TV aberta, e sim "junto". Ken Doctor, do Nieman Lab, de Harvard, diz que a Globo "pode com certeza" achar o seu lugar nesse ambiente: 

"O grande agente de mudança é o consumidor, que agora ocupa parte do banco do motorista. A compreensão profunda da audiência, por idade, plataforma, é requisito para empresas como a Globo. Em seguida virá como agir a partir dessa compreensão".

Leia também (acrescentado em 4/5):

- Novas tecnologias dinamizaram a forma de ver TV

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015 | | 0 comentários

Reforma ou ruptura?

Por vezes, ao pensar nos problemas políticos ou esportivos do Brasil - ou mais precisamente na solução destes problemas (que, na minha visão, passa necessariamente pela troca das figuras que hoje protagonizam estes setores) - chego à conclusão de que não haverá mudança se não houver ruptura.

Por ruptura, entenda-se um processo radical, que pode incluir certo grau de violência (refiro-me a invasões, não a agressões). Talvez o exemplo mais próximo do que imagino seja a Revolução Francesa (embora nela cabeças tenham literalmente rolado).

Afinal, não se imagina mudar a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) ou o Congresso Nacional sem que o povo tome o poder (algo próximo do que assistimos nas Jornadas de Junho, em 2013). Na ocasião, defendi que não se fazia mudanças com protestos organizados (hora e local marcado, sem ameaças ou prejuízos). Argumentava que o poder político só se sentiria pressionado pelo poder econômico e este, por sua vez, só pressionaria se tivesse prejuízos.

Em resumo, defendia o radicalismo no lugar do diálogo para situações que considero aparentemente sem solução.

Pois dia desses, conversando com o sempre provocativo filósofo Luiz Felipe Pondé, comecei a mudar de opinião. Pondé comparou a evolução histórica de França e Inglaterra para indicar que a reforma, e não a ruptura, pode levar a mudanças efetivas e estáveis. Demora mais (muito mais), mas cria bases sólidas - e, portanto, duradouras.

Em dado momento da história, os dois países enfrentaram desafios semelhantes - questionamentos aos abusos do absolutismo. Ambos tinham longa tradição monárquica. A França, como já registrado, optou pela revolução. Guilhotinou rei e rainha, entre outros, e derrubou o regime. Como consequência, o país viveu décadas de instabilidade política, com um vai-vem sem fim, ora restaurando-se a monarquia, ora a república.

Sem contar que a ruptura criou um vácuo de poder instantâneo, disputado forte e violentamente por grupos distintos, antes unidos contra um mesmo inimigo - a monarquia. Uma instabilidade que, de certo modo, avançou até o século 20 (não é preciso lembrar as várias convulsões sociais em solo francês).

Já a Inglaterra buscou outra solução. Reduziu poderes reais, mas manteve o regime. Num primeiro momento, o diálogo entre forças da sociedade pode ter transmitido a impressão de falsa mudança. Afinal, o símbolo maior dos abusos - a realeza - permanecia tal e qual (aparentemente). Mas as mudanças de modo lento e progressivo deram ao país uma certa estabilidade que o fez atravessar as décadas seguintes de modo mais seguro - e assim seguiu no século 20.

Segurança institucional que, neste caso, é pré-condição para o desenvolvimento.

Aliás, o processo econômico está intimamente ligado ao político, como bem explicado pelo renomado economista francês Thomas Piketty em “O capital no século XXI”: “No Reino Unido, as coisas foram diferentes – mais lentas e sem tanto fervor” (p. 134).

Para ser justo, em nenhum momento Pondé taxou um modelo como adequado ou melhor que outro. Apenas registrou, nas experiências bastante conhecidas de Inglaterra e França, que às vezes a reforma pode se mostrar, na distância do tempo, mais eficaz do que a ruptura.

No Brasil, portanto, terá que ser mesmo no voto - o que dependerá da qualidade da educação das futuras gerações.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014 | | 0 comentários

O caminho (fácil) para a audiência (2)

De Mauricio Stycer, crítico de TV, em artigo na "Folha de S. Paulo":


A busca por audiência é um motor natural na TV aberta. Menos natural é ver que programas têm sido criados sem qualquer outro objetivo a não ser este. Também me assusta a cara de pau de figuras como este candidato a rei da "bacciaria".

Como eu já escrevi, o caminho da audiência pela audiência é conhecido e fácil...

* Leia também (acrescentado em 17/11):

- Com Rabo de Arraia, Record transforma jornalismo em circo

quinta-feira, 26 de junho de 2014 | | 0 comentários

Uma outra visão do Brasil

(...) Em vez de se esconder com medo do turbilhão político que contagiou a sociedade brasileira, nossa diplomacia deveria tirar vantagem da energia cívica que daí emana.

Dos rolezinhos aos protestos, do embate pela desmilitarização da polícia às cotas raciais, da Lei de Responsabilidade Fiscal à da Ficha Limpa, somos um país em ebulição. Essa é a mensagem que vai nos ajudar a reduzir o deficit global de informação a respeito daquilo que somos e daquilo em que estamos nos transformando a passo acelerado.

Fonte: Matias Spektor,
“A virada”, Folha de S. Paulo, Mundo, 25/6/14.

terça-feira, 13 de maio de 2014 | | 0 comentários

"A pós-miséria" (brasileira)

(...) A miséria das ruas e dos desvalidos, do crack , do abandono, deriva-se da impotência das instituições e vice-versa.

(...) As manifestações de junho, milagrosas e belas, ficarão sem respostas, porque não há o que responder e como responder. Quem? Uma presidenta (sic) enjaulada no "presidencialismo de cooptação", que depende dos congressistas picaretas? Quem? O Judiciário aleijado, com leis de 100 anos atrás?

(...) A brutalidade está atingindo o País de forma inédita. O subsolo das manifestações de classe média é a violência primitiva dos "lúmpens" (miseráveis inúteis) que está aparecendo. No mesmo registro das donas de casa que protestam contra a carestia ou de jovens contra a Copa, matam-se pessoas por nada, linchamentos, privadas voadoras, cadáveres cortados a peixeiras e costurados ao sol com pinos de guarda-chuva, mortos nas Pedrinhas dos Sarney, pais que matam filhos, crianças se degolando, etc.

(...) Estamos entrando numa pós-violência e numa pós-miséria - eis a minha tese. Há uma africanização de nossa desgraça, a ponto de ela não ser mais reversível. E não era assim. O Brasil sempre contou com a possibilidade de melhorias. Sempre vivemos o suspense e a esperança de que algo ia mudar para melhor.

Isso parece ter acabado. É possível que tenhamos caído de um "terceiro mundo" para um "quarto mundo", como já nos consideram analistas do exterior. O quarto mundo é a paralisação das possibilidades.

Fonte: Arnaldo Jabor, “O Estado de S. Paulo”, 13/5/14 (íntegra aqui).

terça-feira, 9 de outubro de 2012 | | 0 comentários

Eleição premiou - e puniu - trajetórias

Passada a turbulência do período eleitoral (bem, não passou tanto assim pelo que se tem visto esta semana), é hora de fazer uma análise do resultado. As urnas efetivamente deram recados importantes: o principal deles é que as trajetórias dos candidatos fazem diferença – a favor ou contra.

Isto é importante porque, a partir de agora, os futuros candidatos terão em mente que não basta posar de transparente, honesto, generoso, humilde apenas nas vésperas da eleição.

Não se pode exigir que o eleitor, de uma hora para outra, simplesmente apague da memória episódios pregressos de cada candidato. Quem se habilita a entrar na vida pública deve responder pelo que fez e foi durante toda a trajetória de vida e na carreira política especialmente.

Este recado das urnas ficou mais do que evidente tanto na eleição majoritária quanto na proporcional. Aqueles, por exemplo, que foram contrários à cassação do então prefeito Silvio Félix (PDT) tiveram votações inexpressivas ou bem inferiores àquelas alcançadas quatro anos atrás.

Foram, literalmente, “varridos” da vida pública.

Em 2012, o eleitor fez cada candidato pagar pelos seus atos. Trata-se, como se sabe, de um lento, porém progressivo, processo de depuração das nossas práticas e, como consequência, das nossas instituições.

Naturalmente, o cidadão deve entender que não existem santos – portanto, nunca o eleitor encontrará um deles para votar. São todos seres humanos, com suas qualidades e imperfeições.

Contudo, não se pode ignorar ligações perigosas e atitudes ou omissões do passado. Elas devem ser cobradas pelo cidadão e respondidas/explicadas pelos candidatos.

No fim, o julgamento – soberano - é das urnas.

Em tempo: é óbvio que ninguém deve pagar por eventuais erros por toda a vida. Desde que reconheça que errou e adote novas práticas. Sempre há tempo para recomeçar e escrever uma nova história.


PS: a reportagem acima, do repórter Gustavo Nolasco, mostra a cobertura da TV Jornal no dia da eleição (7/10).

quinta-feira, 19 de julho de 2012 | | 0 comentários

"Na Estrada" (2)

Assisti a "Na Estrada", de Walter Salles, na sexta passada, no Rio. E passei o fim de semana pensando na minha vida.

Li "Na Estrada", de Jack Kerouac, no fim dos anos 1960, provavelmente em Nova York -mas talvez em Houston. O texto que eu li era uma versão expurgada; isso, na época, eu não sabia. Não voltei ao texto em 2007, quando a Viking publicou o manuscrito original (em português pela L&PM). Mas o texto voltou em mim com força, na sexta-feira, quando assisti ao filme.


Nos anos 1960, eu era um hippie lendo um "beat". Na mesma época, "Almoço Nu", de William Burroughs, me seduzia, mas me assustava - longe demais de minha experiência (das drogas, do sexo e da vida). Também lia Allen Ginsberg e Gregory Corso, mas, aos dois, preferia Lawrence Ferlinghetti - outra escolha "bem comportada", dirá alguém.


O fato é que "Na Estrada" foi a parte da herança "beat" da qual eu me apropriei imediatamente. Por quê? As drogas, o álcool ou o sexo "livre" me pareciam secundários - apenas um jeito de dizer: "Não esperem que a gente viva como manda o figurino".


O essencial, para mim, era a junção da fome de aventura com uma raivosa vontade de escrever. A vida se confundia com um projeto literário que exigia os excessos: era preciso viver intensa e loucamente, de peito aberto, para que valesse a pena contar a história. Por isso, eu e outros podíamos, ao mesmo tempo, venerar Kerouac e Hemingway - os quais, álcool à parte, provavelmente, não se dariam.


(...) 
Kerouac não tinha simpatia pelo marxismo. Ele preferia o individualismo dos que procuram uma fronteira para desbravar - pouco a ver com um projeto de reforma social ou de revolução. Para os "beats", aliás, transformar a sociedade seria um problema. Certo, Neal Cassady e Gregory Corso passaram tempo na cadeia; e Burroughs, Kerouac e Ginsberg foram censurados. Mas, justamente, num mundo que não lhes resistisse, a vida dos "beats" perderia sua dimensão épica.

Ao longo dos anos 1970 e 1980, fazendo um balanço, eu teria dito que, em mim, a herança marxista europeia prevalecera sobre a herança "beat". Hoje, penso o contrário - não sei se por decepção política ou por maturidade. Mas não tenho muitas certezas: por exemplo, minha errância pelo mundo foi uma experiência da estrada ou uma versão "chique" do cosmopolitismo forçado dos trabalhadores modernos?


E será que vivi como um fogo de artifício? Ou então durar e continuar vivo se tornou, para mim, mais importante do que me arriscar na intensidade das experiências?


O filme de Salles está sendo a ocasião imperdível de um balanço -ainda não decidi se festivo ou melancólico. Cuidado, o balanço não interessa só minha geração. Cada um de nós pode se perguntar, um dia, como resolveu a eterna e impossível contradição entre segurança e aventura: quanta aventura ele sacrificou à sua segurança?


Essa conta deveria ser feita sem esquecer que 1) a segurança é sempre ilusória (todos acabamos morrendo) e 2) qualquer aventura não passa de uma ficção, um sonho suspenso entre a expectativa e a lembrança.


Que você tenha lido ou não o livro de Kerouac, e seja qual for sua geração, assista ao filme e se interrogue: se uma noite, inesperadamente, Neal Cassady tocar a campainha de sua casa, louco de aventuras para serem vividas e com o olhar fundo de quem dirige há horas e ainda quer se jogar na estrada, você saberia e poderia, sem fazer mala alguma, simplesmente ir embora com ele?


Fonte:
Contardo Calligaris, "Folha de S. Paulo", Ilustrada, 19/7/12.

sexta-feira, 8 de junho de 2012 | | 0 comentários

Uma verdade inconveniente

Tenho conversado com muitos colegas de imprensa nos últimos tempos (meses). De todos, ouço relatos semelhantes: uma insatisfação geral com a situação do trabalho, notadamente em Limeira.

Sem medo de errar, penso que estamos num beco (se ele é sem saída, só o tempo dirá). Tenho minha modesta opinião – e prefiro não expressá-la neste momento.

A resposta, porém, não é difícil de obter. Bastaria as empresas ouvirem o que pensam seus próprios funcionários (importante: todas as empresas indistintamente).

A insatisfação passa também pela situação da profissão em geral, pouco valorizada em muitos sentidos.

Acredite: o jornalismo possui um falso glamour, muito distante do que a realidade impõe.

PS: é curioso notar que a insatisfação com a profissão é sentida - e compartilhada - também por maridos/namorados e esposas/namoradas dos jornalistas. Todos expõem os mesmos problemas - ainda que os vivam indiretamente.

sexta-feira, 11 de maio de 2012 | | 0 comentários

"O choque ideológico do século 21?"

Os confrontos da humanidade costumavam ser causados por disputas religiosas, pela captura de novos territórios e suas riquezas ou pela ideologia. As cruzadas, as guerras entre os diferentes papados, as expansões de impérios e as guerras de independência servem de exemplos.

No século passado, tivemos os nazistas contra os aliados, a União Soviética e seus satélites contra os Estados Unidos e seus aliados, o capitalismo contra o comunismo, democracias contra regimes autoritários e inúmeros outros conflitos.


A segunda década do século 21 está nos trazendo um confronto novo, surpreendente e insólito: o da austeridade contra o crescimento. De um lado estão aqueles que defendem a ideia de estimular as economias para - acima de tudo - criar postos de trabalho para os milhões de desempregados da Europa e de outros países com economias estagnadas. O novo presidente da França, François Hollande, é uma das figuras mais representativas dessa nova perspectiva, assim como meu colega de página aos sábados, o Nobel de Economia Paul Krugman.


Do outro lado estão aqueles que batalham pelo retorno à estabilidade econômica, a qual, segundo eles, requer reduzir a diferença entre a arrecadação e os gastos dos governos e o endividamento do setor público. São os defensores da austeridade fiscal, comandados, como sabemos, pela chanceler [primeira-ministra] alemã, Angela Merkel. Mitt Romney e o Partido Republicano dos EUA também estão nesse campo.


Tanto os partidários do crescimento quanto seus rivais defensores da austeridade recentemente receberam apoio de grupos que talvez preferissem não ter como aliados.


Nas recentes eleições gregas, graças ao seu repúdio às medidas de austeridade, a extrema esquerda - que inclui o muito tradicional e agora quase irrelevante Partido Comunista - conquistou sucesso sem precedentes (elegendo 50 deputados), e o mesmo vale para o partido neonazista Aurora Dourada, que deterá 21 cadeiras. É isso mesmo: comunistas e neonazistas unidos no repúdio à austeridade e no apoio ao crescimento a qualquer custo.


Do outro lado, o movimento Tea Party, nos Estados Unidos, iça com entusiasmo e radicalismo semelhantes a bandeira da austeridade - a qualquer custo, e não importam as consequências sociais.


Gianni Riotta, um dos mais lúcidos analistas europeus, me disse que "austeridade e crescimento são os dois únicos partidos que definem a política do mundo ocidental hoje em dia. Esse confronto decidiu a eleição entre Hollande, Sarkozy, Le Pen e Mélenchon, na França, e na Espanha deu a vitória a Rajoy".


"O mesmo tema terá papel decisivo na disputa presidencial entre Barack Obama e Mitt Romney nos Estados Unidos e no confronto entre a chanceler Merkel e seu rival social-democrata na Alemanha. Na Itália, a sucessão de Mario Monti como chefe de governo também dependerá do debate entre austeridade e crescimento", prossegue ele.


Quem teria imaginado que, no século 21, o principal debate do mundo ocidental se reduziria a tomar partido quanto à melhor política monetária, de câmbio e fiscal? É uma vergonha.


Fonte: Moisés Naím, Folha de S. Paulo, Mundo, 11/5/12, p. A18.

domingo, 19 de junho de 2011 | | 0 comentários

Pedaços de jornal: textos que valem a pena

A edição deste domingo - 19/6 - da "Folha de S. Paulo" está bem elaborada, notadamente naquilo que o jornal tem de melhor, a análise e a opinião. Por isso, decidi compartilhar aqui alguns textos (infelizmente, o acesso a eles exige senha da "Folha" ou do UOL).

É espantoso como há quem se espante com as notícias em torno dos preparativos para que o país receba a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016. 
Como se todos não soubessem o que já era público e notório desde que o Brasil se candidatou a sediar os dois maiores eventos do mundo. (...)
E você, por que não reage?
Juca Kfouri, E qual é a surpresa? (Esportes)

A verdade é que Lula - e agora Dilma -, tendo se transformado em autores dos projetos e programas que combateram, aliaram às medidas saudáveis do governo anterior - que liquidaram com a inflação e mantiveram estável a economia- outras abertamente populistas, visando conquistar o maior número possível de pessoas carentes.
Com isso, Lula garantiu a seu governo e seu partido uma popularidade de que jamais gozariam se tivessem persistido na pregação radical que sempre os caracterizou. Além do mais, aparelhou órgãos e empresas estatais, pondo-os todos a serviço da propaganda oficial. 
Ferreira Gullar, Às cegas (Ilustrada)

Quase no fim da entrevista, FHC se definiu como uma pessoa "de temperamento conciliador e pensamento conflitivo". A imagem é precisa para sintetizar sua atuação como político e sua força como sociólogo. 
Entre um e outro, a relação é mais complementar do que se imagina. De certa forma, o político FHC "realizou" o que o intelectual escreveu -muito mais, por exemplo, do que Lula cumpriu o que falava até chegar à Presidência.
 
Fernando de Barros e Silva, O provocador cordial (Ilustríssima)

Não seriam estádios, elevados, avenidas e metrôs, e demais projetos pretextados pela Copa e pela Olimpíada, que escapariam ao cartel tão presente no interior dos governos quanto os próprios governos. E até mais, em determinadas áreas governamentais. Do mesmo modo nas instâncias federal, estadual e municipal. É uma das faces do Brasil desconhecido. Sigiloso, digamos.
Janio de Freitas, O lado sigiloso (Poder)

terça-feira, 19 de abril de 2011 | | 0 comentários

Comentários sobre uma tragédia – a imprensa

“Sensacionalista", no jornalismo, é sempre um xingamento. Uma cobertura que incomoda pelo exagero é logo rotulada assim, como se ela não estivesse à altura de quem lê, assiste ou navega na rede.

Levam a pecha de sensacionalistas os programas de TV policiais do tipo ""Brasil Urgente", o extinto jornal "Notícias Populares", os tabloides ingleses com seus inúmeros escândalos sexuais...

Um caso excepcional como o do massacre em Realengo confunde, porém, os parâmetros convencionais. Está certo mostrar foto do atirador morto? Faz sentido filmar o momento em que uma mulher avisa o marido que a filha deles foi morta? Uma revista pode titular na capa que ""o monstro mora ao lado"?

Não há resposta correta para essas perguntas, tiradas de exemplos da Folha, "Jornal Nacional" e ""Veja", e não de publicações consideradas populares. Em uma história tão trágica, é difícil distinguir a informação legítima da tentativa única de provocar comoção.

A imagem de Wellington Menezes de Oliveira caído na escada, ensanguentado, criticada por muitos internautas ("Exploração do sangue, coisa de tabloide"), é justificável quando se pensa que, naquele dia, era a única foto recente do atirador e que ela mostrava as circunstâncias da sua morte. Havia informação ali, não era gratuito.

Expor o sofrimento é outro problema sempre delicado. A Folha não foi tão longe quanto a televisão, mas mesmo assim criou desconforto. "Infeliz a foto de capa no dia 9, na qual uma mãe chora no túmulo da filha. A dor da mãe não é notícia, é exploração do sentimento alheio. Francamente, esta não é a Folha que eu conheço", revoltou-se o produtor José Américo Magnoli, 46.

De novo, é muito difícil determinar a linha que separa o que faz sentido do que é apelação. Um drama dessas proporções, ocorrido em uma escola, não é um assunto estritamente familiar. As vítimas choram em público e com o público - não parecia haver gente incomodada com a presença das câmeras.

Para não resvalar no sentimentalismo fácil, o segredo é não carregar nas tintas. O simples relato dos acontecimentos e as falas dos alunos já impressionam tanto que não é preciso ""forçar a barra".

A Folha cedeu a essa tentação na hora de relatar o enterro das crianças, quando publicou que "apenas o choro de uma mãe amparada por parentes, o ranger dos carrinhos carregando caixões e o murmúrio das lágrimas contidas quebravam o silêncio com que 11 das 12 crianças mortas no massacre na escola Tasso da Silveira foram enterradas no Rio".

Só que não foi um enterro único, foram pelo menos três. Todos tiveram o mesmo clima, o mesmo silêncio opressor? Pouco provável.

A descrição do atirador é outro ponto que continua gerando controvérsia. Mesmo as publicações que recusaram a saída fácil de xingar Wellington ("animal", "psicopata", "monstro") estão sendo censuradas por darem destaque demais a ele.

"Especialistas são unânimes em afirmar que quanto maior a divulgação do assassino, maiores as chances de haver novos casos, pois a sociedade está cheia de malucos como o de Realengo. A Folha, em nome do sensacionalismo e do número de acessos, coloca o vídeo do atirador em destaque, dando-lhe exatamente o que ele queria", criticou o engenheiro José Luiz Perez, 54.

Assim que novas fotos do atirador de Realengo fazendo pose com armas apareceram no site da Folha, na sexta-feira, uma nova onda de revolta surgiu. "É uma irresponsabilidade da imprensa, que, tirando o máximo proveito da tragédia, veicula informações que pouco acrescentam, mas que premiam o comportamento do louco", "Não aguento mais entrar na Net e olhar para a cara desse @#$%¨!", "Estão fazendo do atirador um mártir", criticaram vários internautas.

A carta-testamento, as fotos e os vídeos de Wellington não deixam muita dúvida de que ele esperava que o seu feito ganhasse repercussão, que a explosão de violência acabaria por dar algum sentido à vida que ele logo perderia. Mas não dá para privar os leitores dessas informações em nome de uma discutível consequência sobre outras mentes atordoadas.

Não há outro jeito de fazer uma boa cobertura de um caso como esse sem traçar um perfil alentado do responsável por tanta desgraça, mesmo que seja numa tentativa vã de encontrar lógica onde não há.

É necessário evitar a redundância, mas sem impor uma interdição em torno do que é mais intenso. São desagradáveis as fotos de Wellington colocando o leitor sob a mira do revólver. Mesmo assim, é melhor ter a chance de virar a página rapidamente do que nem ter essa opção.

Fonte: Suzana Singer, “Exagerado”, Folha de S. Paulo, Poder, 17/4/2011, p. 8.

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Há notícias que são de interesse público e há notícias que são de interesse do público. Se a celebridade "x" está saindo com o ator "y", isso não tem nenhum interesse público. Mas, dependendo de quem sejam "x" e "y", é de enorme interesse do público, ou de um certo público (numeroso), pelo menos.

As decisões do BC para conter a inflação têm óbvio interesse público. Mas quase não despertam interesse, a não ser dos entendidos.

O jornalismo transita entre essas duas exigências, desafiado a atender as demandas de uma sociedade ao mesmo tempo massificada e segmentada, de um leitor que gravita cada vez mais apenas em torno de seus interesses particulares.

Um caso como a tragédia de Realengo reúne interesse público e interesse do público em grau máximo. Como combater a circulação de armas no país? Como aumentar a segurança nas escolas? Como enfrentar o problema do bullying? São questões de interesse público e de interesse difuso do público.

Aquém delas, porém, há o fato trágico. Como fazer sua cobertura? Até onde saciar a curiosidade (mórbida) das pessoas? Até onde devassar o sofrimento das famílias? Deve-se expor sem limites os vídeos "preparatórios" do assassino? Deve-se preservar as crianças disso tudo? Até que ponto? E como?

Não há respostas conclusivas a essas perguntas. Mas não fazê-las, sob pretexto de que seriam ingênuas numa época de informação instantânea, equivaleria a deixar o jornalismo e suas opções fora do debate público. É preciso refletir melhor sobre os nossos critérios.

Sobretudo quando o jornalismo se converte em "infotainment" e parece inclinado a se guiar quase exclusivamente pelos interesses "do público". A superexposição midiática, apelativa e, afinal, monótona do assassino serve bem de exemplo. Nunca um vídeo foi tão visto e comentado. É contra esse espetáculo que deveríamos nos opor. Mesmo, ou principalmente, que isso nos pareça uma batalha perdida.

Fonte: Fernando de Barros e Silva, “O jornalista e o assassino”, Folha de S. Paulo, Opinião, 18/4/2011, p. 2.

domingo, 18 de julho de 2010 | | 0 comentários

Uma visão dos jornais regionais

Estudantes do terceiro ano de Jornalismo do Isca Faculdades analisaram no primeiro semestre os principais veículos impressos da região – Limeira, Piracicaba, Americana, Rio Claro, Araras e Campinas. Dois títulos de cada cidade. A conclusão a que eles chegaram mostra a força do jornalismo regional e, ao mesmo tempo, evidencia quanto os jornais regionais ainda têm para avançar (e o positivo é saber que há espaço para progredir).

Após as análises, os estudantes responderam a um questionário com 13 perguntas abrangentes, sem possibilidade de explicações ou meio termo. A ideia era que eles fossem forçados a buscar a sensação geral que tiveram ao ler os jornais, tal como um leitor comum (embora, obviamente, com uma visão especializada). Foram no total 13 questionários. As respostas estão a seguir:

A publicidade interfere no campo editorial?
53,8% disseram que sim (sete respostas afirmativas)

Há independência editorial?
61,5% disseram que sim (oito respostas)

Há um viés político?
53,8% disseram que sim (sete respostas)

Os leitores podem se manifestar?
84,6% disseram que sim (11 respostas)

Há um viés sensacionalista?
69,2% disseram que não (nove respostas)

As imagens têm função informativa ou meramente decorativa?
66% disseram que a função informativa prevalece (só 12 responderam a questão)

O uso de cores tem um sentido editorial ou é meramente decorativo?
61,5% disseram que o sentido editorial prevalece (oito respostas)

Há investimento em reportagens?
53,8% disseram que não (sete respostas negativas)

Há interação com o leitor pela Internet?
69,2% disseram que não (nove respostas negativas)

O jornal é organizado?
61,5% disseram que sim (oito respostas)

O jornal segue padrões mordenos de desgin?
75% disseram que não (nove respostas negativas – só 12 responderam a questão)

O jornal cumpre sua função na comunidade?
92,3% disseram que sim (11 respostas)

De 1 a 10, que nota você daria para o site do jornal considerando as modernas ferramentas de informação e interação?
Média 5 (só 12 responderam a questão)

quarta-feira, 19 de maio de 2010 | | 2 comentários

A emoção das novelas

O que faz com que a dona-de-casa se emocione ou até mesmo sinta raiva diante de uma cena de telenovela? Por que este tipo de dramatização suscita sentimentos e reflexões sobre a própria condição do telespectador? Para responder a estas e outras questões sobre a telenovela brasileira, a psicóloga Cristiane Valéria da Silva mergulhou em estudos teóricos sobre o tema, com foco na psicologia social. Ela quis entender as estratégias narrativas que prendem o telespectador em uma trama que perdura, em média, de seis a sete meses.

“Trata-se de um fenômeno que atinge todas as idades e gêneros e chama a atenção em qualquer lugar que se vá. Mesmo quem não acompanha uma determinada novela, sabe do que trata o enredo, muitas vezes em detalhes. Por outro lado, o assunto é permeado pelo preconceito, principalmente na academia”, destaca Cristiane.

Suas considerações acerca do tema resultaram em dissertação de mestrado apresentada no Instituto de Artes (IA), sob orientação da professora Cláudia Maria Braga. Cristiane partiu do princípio de que o processo de identificação com o personagem e com a situação da dramatização em questão indica necessidades de se emprestar experiências que não podem ser vividas. “Existe a necessidade de que fagulhas de uma vida não vivida se apresentem como possibilidades de experiência, mesmo que emprestada”, destaca.

Segundo Cristiane, um conceito de Umberto Eco, a consolação, ajuda a pensar a telenovela como uma fuga ilusória do cotidiano. Muitas vezes o telespectador funde o cotidiano concreto e o ficcional e isto leva ao envolvimento na trama de tal forma que o faz refletir sobre suas próprias situações. “São configurações psíquicas que são acionadas diante da necessidade de consolação que a sociedade possui. Um sofrimento ou impedimento de superação engendra uma fuga ilusória do cotidiano como mecanismo de defesa”, explica.

O fenômeno está cada vez mais presente no cotidiano da população. Se há alguns anos uma única emissora apresentava as novelas em dois horários, hoje se observa um número espantoso de diferentes histórias em horários e emissores diferentes. Este fato desperta críticas e questões em torno da alienação. No entanto, em sua pesquisa, a psicóloga defende que a telenovela não é a vilã da história. “A questão da alienação passa por uma organização social que promove o embotamento dos sentidos. Há que se pensar ainda que as possibilidades de formação cultural são praticamente nulas e, por isso, a telenovela parece substituir a experiência”, esclarece.

Fonte: "Dissertação de mestrado analisa estratégias narrativas de telenovelas", Raquel do Carmo Santos, Jornal da Unicamp, ano 24, nº 462.

terça-feira, 18 de maio de 2010 | | 0 comentários

A bomba brasileira

Sabe aquela brincadeira da notícia boa e da notícia ruim? Então, isso acontece com o Brasil. Qual você quer primeiro? A ruim: o país está criando uma bomba relógio. Com prazo definido para explodir – entre 30 a 40 anos. Agora a boa: há solução para isso, há tempo para solucionar e há receitas já testadas em outros países que podem ajudar a indicar o melhor caminho.

O desenvolvimento brasileiro, fruto dos avanços dos últimos 15 anos, está se refletindo em setores diversos, da economia à saúde, da educação à demografia. Enquanto cai a taxa de natalidade, cresce a expectativa de vida. Ou seja: a população jovem cresce menos e a terceira idade se expande. A pirâmide etária brasileira, que eu aprendi no Ensino Médio, já está virando um barril.

Isto leva a uma conta: com menos jovens trabalhando e contribuindo com a previdência e mais gente aposentada (e recebendo da Previdência), o rombo atual as contas tende a aumentar. E aumentar, aumentar e aumentar...

A demografia virou uma ameaça invisível. Este é justamente o título de um livro que está saindo do forno. Assinado por Fábio Giambiagi e Paulo Tafner, a obra – a ser lançada no próximo dia 24 na Livraria da Travessa, no Leblon, Rio de Janeiro - apresenta este problema de proporções monstruosas e propõe soluções.

Giambiagi é economista; Tafner é do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas). Eles partem do pressuposto de que o Brasil não está dando a devida atenção ao problema - o tema já foi citado na pré-campanha eleitoral: o tucano José Serra defendeu uma nova reforma da previdência, a terceira (outras ocorreram em 1998 e 2003, nos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula); a petista Dilma Rousseff é contra. Os autores pregam, claro, mudanças nas regras do jogo para evitar um previsível colapso.

A questão foi tema de entrevista dada por Giambiagi à "Folha de S. Paulo", publicada segunda-feira (17/5). "A essência do problema é essa progressiva mudança demográfica. No ano 2000, o número de pessoas com 60 anos ou mais era de 14 milhões de pessoas, enquanto o número de jovens, entre zero e 14 anos, era de 51 milhões. O perfil apontado pelo IBGE para 2050 é que a população jovem irá diminuir em termos absolutos de 51 para 28 milhões de pessoas. Já a população idosa de 60 anos ou mais vai aumentar de 14 para 64 milhões. Em 2050 teremos mais de três vezes o número de idosos, em termos absolutos, por população economicamente ativa do que hoje. Esse é o desafio", citou (clique aqui para ler).

Um desafio nada invisível, registre-se.

Contudo, como se vê, é um problema futuro. Foi o que ressaltou Tafner em entrevista ao jornalista Carlos Alberto Sardenberg na rádio CBN:



Na mesma entrevista, Tafner deu uma dimensão do problema:


Pois é, e o Josué? Esta é uma outra questão importante: os problemas da explosão demográfica, tal como do aquecimento global, não virão de imediato. Isto motiva um confronto inevitável entre individual e coletivo, presente e futuro. No caso da Previdência, coloca uma questão de justiça: por que eu, hoje, devo pagar essa conta?

Talvez a resposta esteja numa citação do ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore, feita por Giambiagi na entrevista à "Folha": "Um dia nossos filhos olharão para nós e dirão: 'Mas onde é que vocês estavam quando isso estava acontecendo?'".

Em tempo: não é só a Previdência que sentirá os reflexos da explosão demográfica. "Esse panorama interfere em todas as dimensões da vida e terá grande impacto nas demandas de todos os setores da sociedade", frisa o governo de São Paulo. Os setores social e de saúde já notam a mudança há algum tempo. "Isso tem gerado um aumento na demanda por políticas públicas para idosos", ainda conforme o governo.

A Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) divulgou em abril um amplo estudo sobre o envelhecimento da população paulista e um fenômeno chamado "bônus demográfico". Um dos apontamentos: "se hoje a metade da população paulista tem menos de 32 anos, daqui a 40 anos terá mais de 45 anos".

Para ler mais - inclusive acessar a pesquisa - e entender melhor essa questão, clique aqui.

* A imagem da pirâmide foi retirada do blog "dia a dia, bit a bit", de Silvio Meira.

domingo, 16 de maio de 2010 | | 0 comentários

"Mandela no liquidificador"

Lula comparou Dilma Rousseff a Nelson Mandela no programa de TV do PT, anteontem à noite. É um disparate. A comparação entre o próprio Lula e Jesus Cristo, de que ele tanto gosta, soa menos extravagante. Ou, para falar em lulês: Dentinho pode fazer um gol extraordinário, um gol de Pelé. Continuará sendo Dentinho...

Mandela e Dilma participaram nos anos 60 de grupos adeptos da luta armada em seus respectivos países -num caso contra o governo racista, no outro contra a ditadura. Ambos foram presos políticos. Fim das "coincidências". Mandela já era uma liderança contra o apartheid na África do Sul quando foi detido. Permaneceu quase três décadas na cadeia e saiu de lá para se consagrar como um dos mitos do século 20.

Ou, como disse Lula na TV: "O tempo passou e o que aconteceu? Mandela virou um dos maiores símbolos da paz e da união no mundo". E, no caso de Dilma, o tempo passou e o que aconteceu? Nada. Pelo menos nada que merecesse registro histórico até que Lula a retirasse do anonimato para inventá-la como candidata. Tudo isso a partir de 2006, depois que os nomes até então cotados no PT foram inviabilizados numa nuvem de escândalos.

Aproximar as biografias de Dilma e Mandela é mais ou menos como colocar no site oficial da candidata a foto de Norma Bengell durante a Passeata dos Cem Mil. A imagem induz quem olha a achar que aquela é a petista, e não a atriz. Inventa-se, assim, uma Dilma fictícia.

Fonte: Fernando de Barros e Silva, Folha de S. Paulo, 15/5/2010, p. 2.

sábado, 15 de maio de 2010 | | 0 comentários

O futuro (?) dos jornais - uma canção

Numa postagem do mês passado (clique aqui para ler), tratei de uma questão crucial para o jornalismo atual: a sobrevivência dos jornais. Crucial não pelo temor de que o jornalismo corra riscos caso o jornal impresso como o conhecemos hoje acabe; crucial por ser uma das questões mais discutidas – e sem resposta – na mídia. É quase o “sexo dos anjos” da imprensa, a história do “ovo ou a galinha”.

Pois o jornal canadense “The Globe and Mail” decidiu tratar dessa questão de uma forma bem humorada. Ele publicou um vídeo com uma música de lamentação pela decadência dos jornais impressos. Mais do que um fim anunciado, porém, a música soa com um grito de resistência. Basta reparar na letra.

A canção – chamada “Cantando sobre o infortúnio do jornal” – é entoada no vídeo pelo quarteto The Fine Grind. A letra é do jornalista Siri Agrell, do próprio “Globe”, com base na música “Crazy”. Infelizmente, o vídeo não tem código de compartilhamento, mas ele pode ser visto clicando
aqui. A letra vai a seguir, com tradução retirada do blog de notícias “Jornalismo nas Américas”.

"Lembro quando os leitores tinham tempo,

diziam que havia algo de prazeroso sobre a página de jornal
Mas agora a web responde com tanto espaço...

E quando você está online, sem tempo
Sim, você diz que o impresso parece desatualizado
Mas não é porque a gente não sabe o bastante,
a gente simplesmente sabe demais

Isso nos torna loucos,
querer que você nos leia?
Eu sei que os blogs estão

no melhor momento de suas vidas
Mas verifique seus fatos duas vezes
esse é meu único conselho

Qual é, Ariana, quem você acha que é?
A web 2.0
Você realmente acha que está no controle?
Oh, não

Acho que é preguiçoso
Agregar é preguiçoso
Acho que é preguiçoso
Por que você não lê?

Meus heróis tinham a coragem
De fazer reportagens no mundo inteiro
E tudo o que eu lembro
é de pensar: quero escrever como eles

Desde quando éramos pequenos
os jornais pareciam divertidos
E mesmo agora que a internet apareceu
eles não vão morrer

Talvez nós estejamos loucos
Talvez você esteja louco
Talvez estejamos loucos,
Provavelmente..."