Jeff Bezos, o fundador da Amazon, comprou o "Washington
Post". E agora? Que futuro para o jornal? E que futuro para o jornalismo?
Calma, povo. Ponto prévio: a minha gratidão para com o sr.
Bezos não tem limites. Nada mudou tanto a minha vida como a possibilidade de
aceder a produtos que, em tempos mais jurássicos, eu era obrigado a carregar
como um contrabandista sempre que viajava para o exterior.
(...) Além disso, confesso também que nunca comprei o tom
catastrofista de quem vê na internet a maior ameaça para o jornalismo
"tradicional".
É preciso fazer uma distinção entre o jornalismo
"tradicional" e o jornalismo "impresso". Não são a mesma
coisa. O primeiro indica uma forma de jornalismo onde critérios de verdade e
relevância continuam a fazer sentido. A segunda, apenas uma forma de o
apresentar.
Sim, a internet pode ser uma ameaça para o jornalismo
"impresso". E, tal como Marshall McLuhan afirmou várias décadas
atrás, é possível que um livro, uma revista ou até um jornal possam ser objetos
artísticos, de luxo, próprios de colecionador, no futuro próximo.
(...) Nada disso significa o fim do jornalismo
"tradicional". Enquanto existirem leitores do outro lado interessados
em consumir informação, haverá notícias, entrevistas, crônicas ou reportagens
prontas para serem servidas em vários tipos de telas.
Moral da história? A única coisa que o jornalismo
"tradicional" tem a temer não é o fim do papel; é o fim dos leitores.
E aqui entram os meus receios: saber até que ponto uma má adaptação do jornalismo
"tradicional" para a internet não poderá alienar os próprios
leitores.
Em excelente matéria para a "Veja", Rafael Sbarai
levanta várias hipóteses sobre o futuro do jornalismo depois da compra de Jeff
Bezos. Uma delas é Bezos aplicar ao jornal (e ao jornalismo) o mesmo critério
comercial que pratica na Amazon.
Explico melhor. Sempre que entro na loja virtual, existem
sugestões para mim. Sugestões de livros, discos, filmes. Alguém sabe do que eu
gosto e esse alguém, como diria Flaubert sobre a sua Bovary, "c'est
moi".
(...) Em pouco tempo, eu deixei de ser um consumidor da
Amazon. Passei a ser dependente dela. Dependente do mesmo tipo de livros,
discos ou filmes - em repetição entediante. O que implicou ignorar outros
livros, discos ou filmes que não apareceram mais no radar.
Eis a maior ameaça para o futuro do jornalismo: chegar a um
ponto em que as notícias que interessam são apenas as notícias que me
interessam. E em que todas as outras deixam de aparecer nesse radar.
Haverá quem pense que isso é um progresso intelectual: nós,
fechados no nosso pequeno mundo, lendo apenas o que corresponde às nossas
preferências e ignorando o que existe fora da nossa ilha de gostos e
idiossincrasias. Sem espaço para surpresas, incertezas, até baixezas.
Pessoalmente, só posso esperar que esse cenário nunca seja
real. E que os jornais, no papel ou na tela, continuem a ser esse espaço de
descobertas várias por onde os leitores investem a sua curiosidade. Livremente.
E sem amarras.
Um jornal amazônico que seja apenas o reflexo das
preferências do leitor deixa de ser um jornal. E, a prazo, até o leitor deixa
de ser um leitor.
Fonte: João Pereira Coutinho, "Jornalismo amazônico", Folha de S. Paulo, Ilustrada, 13/8/13.
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