Parte dos arquivos dos porões da ditadura brasileira
(1964-1985) foi aberta ao acesso de toda a população na última sexta-feira na
Internet. Trata-se de uma iniciativa do projeto “Brasil Nunca Mais”. Um site
foi lançado reunindo 900 mil páginas digitalizadas de 710 processos envolvendo
a repressão militar. Do Estado de São Paulo, são 171 processos do período entre
1963 e 78.
O arquivo tem algumas menções a Limeira. Uma delas é a
cassação por motivos políticos do então deputado estadual e futuro prefeito da
cidade, Jurandyr Paixão de Campos Freire. A cassação foi publicada no Diário
Oficial de 30 de abril de 1969.
Há ainda menções a uma passeata de trabalhadores sem-terra de
Limeira a São Paulo em abril de 1988 e à organização do movimento sindical,
principalmente metalúrgicos e bancários.
Os arquivos revelam que Limeira foi meta de ação da esquerda na ditadura por meio de membros do PCB, o Partido Comunista
Brasileiro. O blog descobriu também a ação direta de pelo menos um limeirense
no movimento estudantil que combatia a ditadura: Walter Aparecido Cover. O
arquivo traz ainda menção a um outro nome conhecido na cidade: o médico e
ex-deputado federal Heitor Franco de Oliveira.
O PARTIDO E OS SIMPATIZANTES
Numa denúncia contra Nelson Polastro, então com 60 anos, preso
em 28 de outubro de 1975 acusado de ser um arrecadador do PCB em Campinas,
consta que ele, “a mando de Bernardino (Antonio Bernardino dos Santos), por intermédio
de Romeu Sturaro, fêz contato com ‘Nascimento’ e ‘Dárcio’, da cidade de
Limeira, buscando organizar o PCB nessa cidade e obter contribuições”.
No processo, Polastro relata ter sofrido tortura na sede do
DOI (Destacamento de Operações de Informações), órgão de repressão da ditadura
ligado ao Exército.
Num outro processo, consta que o engenheiro pernambucano Diógenes
de Arruda Câmara, ex-secretário-geral do PCB na Bahia, “em 1948, juntamente com
José Alves, digo, Alvaro Coccino esteve em Campinas, Vila Americana e Limeira
angariando donativos para o jornal ‘Hoje’”.
Já num auto de qualificação e interrogatório do advogado Marco
Antonio Moro, então com 33 anos, datado de 29 de abril de 1970 e conduzido pelo
delegado-adjunto Edsel Magnotti, da Delegacia Especializada de Ordem Social,
consta que: “nessa época (1967) o PCB vinha sofrendo sérias divergências entre
Luiz Carlos Prestes e Carlos Mariguela, mas ainda não haviam se separado; que,
no escritório ‘Ricardo’ conversou pessoalmente e a sós com o interrogando
(Moro), uma vez que seu acompanhante se retirou; que, em seguida ‘Ricardo’
pediu ajuda financeira, o que foi recusado uma vez que o interrogando se encontrava
em dificuldades financeiras, tendo êste indicado outro elemento simpatizante do
PCB que talvez pudesse auxiliar o Partido, indicando à ‘Ricardo’ o Dr. Tebaldi de
Americana; que, conheceu o Dr. Tebaldi por ocasião da eleição de 1955 (ou 65),
quando este foi candidato, cujo conhecimento deu-se através de um médico primo
do interrogando, residente em Limeira de nome Heitor Franco de Oliveira (...)”.
No mesmo processo consta uma declaração assinada pelo dr.
Heitor, então diretor clínico da Sociedade Operária Humanitária, e por Luiz
Carlos Tank, então assistente da diretoria, atestando que Waldemar Tebaldi
(futuro prefeito de Americana) trabalhou no local de 10 de maio a 31 de outubro
de 1965, tendo conduta ilibada.
Num outro caso, há uma declaração de 29 de junho de 1971 assinada
pelo ex-prefeito de Limeira, Palmyro Paulo Veronesi D´Andréa, atestando a idoneidade
do professor Rubens Murilo Marques, da então Faculdade de Engenharia de
Limeira, da Unicamp: “Nestes dois anos que tive a oportunidade de conviver com
o referido Professor, não observei nenhum comportamento desairoso quer no terreno
moral, quer no terreno político, portando-se sempre dentro de uma conduta
exemplar quer como professor quer como pessoa ciente de suas obrigações”.
FOFOCAS – “THE MAN”
A juntada num dos processos de um fac-símile do “Jornal do
Clube de Classe”, ano 3, número 12, de abril de 1975, traz uma menção curiosa a
Limeira. Na seção “Fofocas” (página 4), consta algo enigmático: “Este ano vai
ser o ano dos acontecimentos pois já nesse comecinho eventos incriveis e
inacreditáveis estão acontecendo: (...) The man from Limeira City emagrecendo
(Paixão?)”.
Na página seguinte, uma outra citação: “The man from Limeira
neste último sábado entrou em má situação: Teve que trazer sua “Irmanzinha”
Americana para São Paulo porque ia ficar noivo da filhinha do Prfeito de sua
Terra Orange Natal. Se a outra ficasse lá aconteceriam cenas copiosas de ciumes,
e como ele não gosta de escândalos...”
Pelo histórico das “fofocas” e notícias, o “Jornal do Clube
de Classe” envolvia estudantes de Medicina.
PRISÃO
O caso mais significativo envolve as ações de um limeirense
pelo Estado. Walter Cover, então com 23 anos, filho de Antonio Cover e Josepha
Hebling Cover foi indiciado em 13 de agosto de 1968 em Botucatu (SP) junto com
outros seis estudantes.
Segundo o registro da ocorrência, a “pacífica e ordeira
cidade de Botucatu foi tomada, repentinamente, de sobressaltos frequentes desde
que um grupo atuante de acadêmicos da Faculdade de Ciências Médicas e
Biológicas desta cidade, instigado e levado à agitação e a subversão da ordem pública
por indivíduos inescrupulosos, portadores de idéias avessas à formação cristã e
moral de nosso povo, a serviço do credo vermelho, passou a promover nêste município
e região, passeatas, comícios, reuniões, assembleias, acampamentos, nas ruas e
praças desta urbe (...)”.
Do Fichário de Ordem Social, um documento de 29 de novembro
de 1968 classifica Cover como “elemento agitador ou subversivo”. Líder
estudantil, ele havia sido autuado e preso em 15 (ou 16) de outubro de 1968 acusado
de crime contra a segurança nacional.
Num outro documento, de 25 de novembro de 1968, assinado
pelo chefe substituto do Arquivo Geral Dops, Laerth Mihich Marcondes Machado, Cover
aparece junto de outras cinco pessoas indiciadas em razão do chamado “Caso
Ibiúna”. Entre elas está Franklin de Souza (Sousa) Martins, que viria a ser ministro
da Secretaria de Comunicação Social no segundo governo Lula (2007-2012) e um
dos mentores do sequestro do embaixador norte-americano, Charles Elbrick, em
setembro de 1969.
O caso em questão envolve a prisão por membros da ditadura de
cerca de 700 pessoas durante o 30° Congresso - feito clandestinamente - da UNE (União
Nacional dos Estudantes), em outubro de 1968, na cidade de Ibiúna (SP).
O TORTURADOR
O site do projeto ainda permite acesso a outros bancos de
dado sobre o tema. Há referências a Limeira envolvendo os sem-terra (como a
invasão da Fazenda Colorado) e o movimento sindical. Sobre a ditadura, existe a
citação de um nome (coincidentemente igual ao que já tinha aparecido neste blog, mas com sobrenome distinto): Lazinho.
“António Lazaro Constanzia, vulgo ‘Lazinho’, investigador de
Policia, torturador lotado no DOPS/S. Paulo em 1969, componente da equipe do
delegado Firminiano Pacheco, ambos pertencentes ao bando ‘Esquadrão da Morte’
paulista. Hoje atua no interior de S. Paulo, onde já esteve envolvido em vários
casos de tortura, de grande repercussão, notadamente nas cidades de Piracicaba
e Limeira.”
Lazinho aparece na lista de torturadores do regime militar
em vários outros sites.
* Todos os trechos dos processos aparecem com texto tal como no original, daí eventuais erros de ortografia.
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