quarta-feira, 14 de agosto de 2013 | |

Uma nova arquitetura para as cidades

Há uma boa e uma má notícia para cidades como Limeira e São Paulo – tão díspares, mas com desafios semelhantes, apenas em proporções diferentes.

A boa notícia é que ambas têm solução. Pode até parecer que não, mas São Paulo tem solução, Limeira tem solução. Quem olha para uma ou outra pode sentir distante a esperança, mas ela existe.

A má notícia é que em grande parte das vezes as soluções só surgem quando não parece mais existir luz no fim do túnel ou, dito em outras palavras, quando o caos se instala.

Um exemplo destes dois cenários, a crise e a solução, vem de Detroit. A meca da indústria automobilística nos Estados Unidos entrou numa crise profunda, fruto da derrocada da sua principal mola econômica e também de escolhas erradas feitas ao longo dos anos pelas diversas administrações. Como resultado, a cidade acaba de pedir concordata. Está à beira da falência.

É nesta mesma cidade, porém, que surgem projetos inovadores. Um deles foi descrito em excelente reportagem de Raul Juste Lores publicada recentemente pela “Folha de S. Paulo”:

Um empório instalado em um prédio art déco, um supermercado famoso pelos produtos orgânicos e galpões convertidos em escritórios e lofts foram abertos no último ano em Midtown, em Detroit. 
 As novidades no bairro lembram mais o Soho, em Nova York, do que a cidade que pediu concordata em julho, com dívidas de US$ 20 bilhões e população em baixa. 
 Resultam de ações de um grupo de empresários e ativistas que criou uma "prefeitura informal" em uma cidade cujo governo municipal estará quebrado por anos. 
 Sue Mosey, a prefeita extraoficial, dirige a ONG Midtown Inc., que quer mudar a vocação do bairro. Com apoio de 150 fundações e empresas, compra e reforma galpões, converte-os em escritórios e prédios de apartamentos e atrai empresas, supermercados e restaurantes para lá. 
 Em uma década, trouxe US$ 1,8 bilhão ao bairro. 
 "Há uma revolução demográfica no país e Detroit ficou no passado, com gente isolada nos subúrbios, fechada em shoppings", diz. "Os jovens querem morar em zonas centrais, pedalar, encontrar os amigos em bares ou cafés." 
 Até 2020, ela espera que o bairro chegue a 50 mil habitantes (de 12 mil em 2003, hoje são 26 mil). Os supermercados são parte da estratégia. 
 Com doações, a ONG está construindo uma ciclovia e bicicletários sob o programa "Midtown desmotorizado". 
 Promove shows ao ar livre, feiras de produtos orgânicos e caminhões que servem comida rápida de qualidade. Microcervejarias e tecelagens estão se instalando ali. "Há uma volta da manufatura no país, mas Detroit está sempre dez anos atrás", lamenta. 
 "Tivemos políticos terríveis, não podemos cruzar os braços e esperar a prefeitura melhorar - se pressionarmos por processos menos burocráticos na liberação de obras e na criação de novos negócios, estaremos lucrando." (...)

Correspondente da “Folha” em Washington, Lores se especializou em urbanismo. Suas reportagens mostram a importância da arquitetura para a vida nas cidades. O jornalista até mantém um blog com essa temática – o “Cidades Globais”.

Não há, definitivamente, problema sem solução. Nova York mostrou, por exemplo, que é possível combater com eficiência a criminalidade. Quem conheceu a cidade há 20 ou 30 anos e a vê hoje nota bem a diferença. Graças ao programa “Tolerância Zero”.

Nova York também tem exemplos de como mudar a paisagem de regiões degradadas. É o caso do High Line, um parque linear suspenso construído no lugar de uma antiga linha ferroviária, desativada há décadas.

Além do resultado em si, o High Line é exemplar também como método. Um “feliz encontro de uma ong obstinada, um prefeito bilionário, fazedor e que exige resultados de sua equipe e de uma iniciativa privada e uma sociedade acostumadas a não esperar tudo do governo”, cita Lores no seu blog.

Uma intervenção deste tipo inevitavelmente gera efeitos colaterais positivos. Uma das pontas do High Line fica no Meatpacking District, uma área até então ocupada por antigos galpões frigoríficos, muitos deles abandonados. Hoje, muitos destes mesmos galpões dão lugar a alguns dos mais elogiados restaurantes da cidade, que atraem público consumidor e estimulam novos negócios.



É o círculo vicioso tornando-se virtuoso.

Em São Paulo, a violência é um desafio – como também em Limeira, onde os roubos e furtos crescem assustadoramente. O transporte na capital é um caos, como também já começa a ser em Limeira, em menor escala naturalmente.

Em comum, uma e outra são marcadas por bolsões de riqueza e pobreza, extremos que provocam exclusão (quando a função de uma cidade é integrar). Ambas possuem, portanto, uma arquitetura que não funciona – e falo de arquitetura como projeto de cidade e não como um ou outro prédio. Ambas são cortadas por corpos de água (rios e ribeirão) e não sabem o que fazer com eles. Ambas tiveram nos últimos tempos administrações irresponsáveis e ineficientes.

Um problema, obviamente, está ligado ao outro. Causa e efeito.

A solução para todos têm elementos em comum: visão, vontade política, ousadia e coragem. Se faltar qualquer um destes, dificilmente algo será feito.

Em São Paulo, onde os desafios são obviamente muito maiores (como também as oportunidades), o novo prefeito Fernando Haddad (PT) tem dado sinais positivos. Recentemente, fechou em vias importantes uma “mão” para veículos e criou faixas exclusivas para ônibus.

Quando surgiram queixas, avisou sem titubear: é melhor começar a repensar o uso do carro na cidade. Deixou clara sua opção: o transporte público. E mostrou-se consciente do tamanho da briga que resolveu comprar: “Não é simples mudar uma cultura. Se fosse, alguém já teria feito”, disse.

A decisão de Haddad é um exemplo da união necessária de visão, vontade política, ousadia e coragem. Como foi o projeto “Cidade Limpa”.

Num artigo de dezembro de 2008, escrito para a Urban Age, Lores cita alguns erros e soluções tendo São Paulo como objeto de análise.

Um dos pontos citados por ele passa pela decisão tomada agora por Haddad - as “obras viárias (...) são destinadas para o automóvel, nunca para o transporte público. São um recado claro: use seu carro porque se você depender de metrô ou ônibus, você estará em péssima situação”.

No artigo, o jornalista mostra que eventuais obstáculos – como a feroz especulação imobiliária - podem ser usados a favor das cidades (como no ditado de fazer do limão uma limonada).

Com base no texto de Lores, algumas medidas podem ser sugeridas para melhorar as cidades:

- preferência pelo transporte público (efetivamente, não com melhorias pontuais; é preciso refrear investimentos em novas ruas e avenidas e transferir o dinheiro para o transporte coletivo).

- exigir contrapartidas sociais e urbanas para aprovação de prédios (praças, jardins e recuos na própria área da edificação).

- estimular a circulação de pedestres (são as pessoas que fazem a vida das cidades). Como escreve Lores, “avenidas precisam ter corredores de restaurantes, bares, lojas, farmácias e livrarias nos térreos dos espigões, que mantenham gente dia e noite ocupando as calçadas e exercendo a vigilância social”.

Não custa lembrar que, em Limeira, uma das únicas avenidas com calçadas largas, a Saudades, no Centro, é alvo frequente de queixas em razão da presença de pessoas à noite nos bares e restaurantes.

- aumentar as calçadas para estimular a convivência nas ruas, ainda que tomando espaço dos carros – já sugeri ao prefeito de Limeira, Paulo Hadich (PSB), aumentar as calçadas ao redor da Praça Toledo Barros, no Centro, reduzindo uma faixa para os veículos. Isto poderia ser feito inicialmente aos finais de semana de modo experimental, até que as pessoas se acostumem. Ao mesmo tempo, seria preciso estimular o comércio, inclusive noturno, para que a área não fique abandonada.

- criar normais municipais que exijam de grandes empreendedores a adoção de áreas verdes na redondeza de seus empreendimentos. O mesmo tipo de parceria pode ser feito em relação a outros projetos. Em Barcelona, cita Lores, a determinação da retirada de publicidade foi acompanhada de permissões temporárias de outdoors nas fachadas de prédios históricos. Quem explorava os outdoors? As empresas que patrocinassem a reforma dos prédios.

- estimular, por meio de leis (e possíveis incentivos fiscais), a ocupação de áreas hoje abandonadas por atividades que atraiam pessoas, como ateliês, bares e determinados tipos de comércio.

- estimular a ocupação residencial do Centro, mas não basta apenas “instalar moradores humildes com nenhum poder aquisitivo” porque isto somente criará demandas sociais na área.

- promover concursos de arquitetura para atrair mentes pensantes e obter soluções para a cidade de modo barato (ganha-se vários projetos mediante uma determinada premiação). Quem sabe um Marcos Boldarini não aparece em Limeira para fazer projetos de moradia popular? Afinal, a “arquitetura não é item supérfluo”, como escreveu Lores num artigo para a “Folha” em novembro de 2011.

Estas são algumas sugestões. Muitas outras medidas devem ser pensadas e adotadas.

O importante é entender que São Paulo tem conserto, Limeira tem conserto. Este conserto pode até ser feito independentemente do poder público, como no exemplo de Detroit, mas se houver sinergia e parceria tudo fica mais fácil.

Então, basta querer(em). E mãos à obra!

PS: o governo Hadich possui em seus quadros jovens arquitetos, com experiência em urbanismo, que podem contribuir decisivamente para “redesenhar” Limeira, além de atrair gente pensante para a cidade. Este trabalho, porém, terá que ser feito quase que de modo voluntário – e até fora do expediente talvez - tamanha a demanda de trabalho que cada um tem nas áreas que coordenam na administração.

Por que não criar uma espécie de ONG (organização não-governamental) para pensar soluções para a cidade? Uma ONG que surgisse sem vícios e sem outros interesses que não o desenvolvimento efetivo de Limeira (e não de algumas de suas camadas, como se vê em organizações já existentes).

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