A catedral silenciosa, discreta e com pouca luz, com sua altura
gigantesca, nos ajudava a lembrar nosso lugar no mundo - que não me venham os
inteligentinhos fazer o blá-blá-blá da crítica à religião, porque a conheço
desde o jardim da infância.
Sentir-se "em seu justo lugar no mundo" é parte
clássica de toda boa espiritualidade, contra esse narcisismo dos "direitos
do Eu total" de hoje, essa coisa "ninja brega".
Este "justo lugar no mundo" é parte daquilo que o
historiador das religiões Mircea Eliade chama de perceber que não somos o
"axis mundi" (o eixo do mundo). Toda verdadeira espiritualidade deve
nos ajudar a vivenciar este "descentramento" de nosso próprio valor.
O mistério me encanta e me faz sentir menos banal. A
sensação da banalidade de tudo me esmaga continuamente. Sou um peregrino da
falta de sentido. Uma testemunha da noite escura da alma de San Juan de la Cruz
e Terrence Malick. Não levo a sério ateus militantes que ainda acham que
ateísmo é "evolução espiritual". Para mim, ateísmo é, apenas, o modo
mais óbvio de ser e um estágio elementar em filosofia.
(...) A vida é precária. A pobreza (material, espiritual,
psicológica) é como a gravidade, na hora em que relaxamos, ela nos consome. É
uma questão de tempo. Nosso caminho é "para baixo". Não é à toa que
tomamos antidepressivos o tempo todo, cada um se vira como pode. A
solidariedade na melancolia devia nos unir a todos. O que não perdoo na
autoajuda é que ela mente para nosso justo desespero dizendo que ele é mera
questão de incompetência.
É aqui que começa a consistência da teologia da alegria a
qual se refere o papa Francisco: temos todas as razões "materiais" do
mundo para sermos tristes, o milagre é não sermos tristes todo o tempo.
Confiar na vida é quase impossível. A fé na vida é um
mistério e um dom. (...)
Ter esperança, crer na vida e amar são experiências que
separam a infância espiritual da maturidade d'alma. O desespero é o caminho
mais curto entre dois momentos na vida. A esperança é que é o milagre para quem
enxerga o mundo como ele é. (...)
Fonte: Luiz Felipe Pondé, “Salmos chilenos”, Folha de S.
Paulo, Ilustrada, 26/8/13.
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