De longe, mais
parece um encontro de numismatas ou filatelistas, reunidos no suntuoso Palácio
Chapultepec, de onde se vê a Cidade do México em 360 graus.
Na
semana passada, quase uma centena de "jornalistas literários"
latino-americanos (em espanhol, "cronistas") - editores, feras da
reportagem internacional e 15 repórteres nascidos depois de 1980 - debateram um
gênero que, segundo Elena Poniatowska, 82, decana do jornalismo mexicano, é a
"poesia do futuro".
O
encontro "Nuevos Cronistas de Indias" (cronistas.fnpi.org) foi organizado
pela Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano (FNPI), que a partir deste mês
adota o nome de seu fundador, Gabriel García Márquez.
O
México é o país mais perigoso para o metiê, segundo o repórter da revista
"The New Yorker" Jon Lee Anderson - o único norte-americano presente.
Um exemplo: em 2011, a
cabeça de uma repórter da revista "Proceso" foi deixada em cima de
seu teclado, numa mensagem sem ambiguidades nem toques literários.
BANALIZAÇÃO
Cabeças
cortadas e cadáveres se multiplicam nos tabloides. A tensão entre o cultivo do
estilo e a urgência de reportar situações que nada têm de poéticas é um dos
eixos das discussões.
"Não
aguentamos mais ler perfis de chefes do tráfico", disse o colombiano
Camilo Jiménez. Já a chilena Mónica González, da CIPER, criticou o preciosismo
de editores que cultivam o texto em detrimento da informação relevante.
O
dilema entre as reportagens feitas de "algodão-doce" e as que têm
real impacto na vida das pessoas é falso, afirma o chileno Cristian Alarcón,
diretor da revista argentina "Anfibia": "Toda narrativa
jornalística depende da investigação, mas nem toda investigação depende da
narrativa".
Seja
como for, o encontro mostra um bom momento para o tal "jornalismo
literário" na América Latina. E o foco nos meios impressos mostra que a
internet, no jornalismo, ainda não passa de uma promessa.
Nos
últimos 15 anos, assinala Lee Anderson, o continente viveu uma explosão de
revistas, algumas muito refinadas, como a mexicana "Gatopardo", a
colombiana "El Malpensante", a peruana "Etiqueta Negra", a
chilena "The Clinic" e a brasileira "Piauí".
Além
dessas publicações, estavam representados jornais – a “Folha”, o mexicano "Reforma", o espanhol "El
País", os argentinos "Página/12" e "Clarín"-,
entidades como a Fundação Tomás Eloy Martínez (...) e editores de livros.
ELITISMO
Esse
florescimento num continente marcado pelo analfabetismo traz desafios. "O
perigo do jornalismo literário é cair na frivolidade, na cobertura de
celebridades voltada para uma elite", disse à “Folha” Jon Lee
Anderson. "Não podemos competir com o 'hard news' e todos precisamos dele,
mas a reportagem de fôlego pode conter muitos gêneros ao mesmo tempo e, em três
meses de apuração, alimentar a história."
Lee
Anderson também pede mais rigor na definição do que é uma reportagem de fôlego
e defende o caráter democrático da grande reportagem, que deve atingir todos os
meios sociais.
Isso
também vale na América Latina, que não tem uma revista de grande alcance como a
"New Yorker"? Como driblar a vocação para o elitismo? Anderson
reconhece que, no México, ainda se escreve para uma elite: "Afinal, somos
meia dúzia de escritores reunidos no palácio de um imperador".
Fonte: Paulo
Werneck, “Sangue e algodão-doce”, Folha de S. Paulo, Ilustríssima, 14/10/12.
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