terça-feira, 16 de outubro de 2012 | |

Discussões sobre jornalismo literário

De longe, mais parece um encontro de numismatas ou filatelistas, reunidos no suntuoso Palácio Chapultepec, de onde se vê a Cidade do México em 360 graus.

Na semana passada, quase uma centena de "jornalistas literários" latino-americanos (em espanhol, "cronistas") - editores, feras da reportagem internacional e 15 repórteres nascidos depois de 1980 - debateram um gênero que, segundo Elena Poniatowska, 82, decana do jornalismo mexicano, é a "poesia do futuro".

O encontro "Nuevos Cronistas de Indias" (cronistas.fnpi.org) foi organizado pela Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano (FNPI), que a partir deste mês adota o nome de seu fundador, Gabriel García Márquez.

O México é o país mais perigoso para o metiê, segundo o repórter da revista "The New Yorker" Jon Lee Anderson - o único norte-americano presente. Um exemplo: em 2011, a cabeça de uma repórter da revista "Proceso" foi deixada em cima de seu teclado, numa mensagem sem ambiguidades nem toques literários.

BANALIZAÇÃO
Cabeças cortadas e cadáveres se multiplicam nos tabloides. A tensão entre o cultivo do estilo e a urgência de reportar situações que nada têm de poéticas é um dos eixos das discussões.

"Não aguentamos mais ler perfis de chefes do tráfico", disse o colombiano Camilo Jiménez. Já a chilena Mónica González, da CIPER, criticou o preciosismo de editores que cultivam o texto em detrimento da informação relevante.

O dilema entre as reportagens feitas de "algodão-doce" e as que têm real impacto na vida das pessoas é falso, afirma o chileno Cristian Alarcón, diretor da revista argentina "Anfibia": "Toda narrativa jornalística depende da investigação, mas nem toda investigação depende da narrativa".

Seja como for, o encontro mostra um bom momento para o tal "jornalismo literário" na América Latina. E o foco nos meios impressos mostra que a internet, no jornalismo, ainda não passa de uma promessa.

Nos últimos 15 anos, assinala Lee Anderson, o continente viveu uma explosão de revistas, algumas muito refinadas, como a mexicana "Gatopardo", a colombiana "El Malpensante", a peruana "Etiqueta Negra", a chilena "The Clinic" e a brasileira "Piauí".

Além dessas publicações, estavam representados jornais – a “Folha”, o mexicano "Reforma", o espanhol "El País", os argentinos "Página/12" e "Clarín"-, entidades como a Fundação Tomás Eloy Martínez (...) e editores de livros.

ELITISMO
Esse florescimento num continente marcado pelo analfabetismo traz desafios. "O perigo do jornalismo literário é cair na frivolidade, na cobertura de celebridades voltada para uma elite", disse à “Folha” Jon Lee Anderson. "Não podemos competir com o 'hard news' e todos precisamos dele, mas a reportagem de fôlego pode conter muitos gêneros ao mesmo tempo e, em três meses de apuração, alimentar a história."

Lee Anderson também pede mais rigor na definição do que é uma reportagem de fôlego e defende o caráter democrático da grande reportagem, que deve atingir todos os meios sociais.

Isso também vale na América Latina, que não tem uma revista de grande alcance como a "New Yorker"? Como driblar a vocação para o elitismo? Anderson reconhece que, no México, ainda se escreve para uma elite: "Afinal, somos meia dúzia de escritores reunidos no palácio de um imperador".

Fonte: Paulo Werneck, “Sangue e algodão-doce”, Folha de S. Paulo, Ilustríssima, 14/10/12.

0 comentários: