sexta-feira, 23 de novembro de 2012 | |

"Jornalismo, ética e segurança pública"

Na última segunda-feira, dia 19, a Folha publicou uma entrevista comigo. A sua chamada na Primeira Página: "País deve negociar com criminosos, afirma sociólogo", atribuindo-me posições que me são completamente estranhas.

Jamais diria uma sandice destas.

(...) Quando saiu a publicação, fiquei surpreso porque se confundiu deliberadamente mediação com negociação, e não foi feita referência aos diversos temas e propostas que estavam sendo discutidos. Fui vítima do sensacionalismo do título que terminou desconstruindo totalmente minha fala a ponto de quase ninguém ler o que estava sendo dito na entrevista.

Afora as implicações éticas, é interessante notar o processo social que este tipo de jornalismo suscita.

Após a publicação da entrevista, o site da Folha publicou mais de 400 comentários de internautas que, além de ameaças, adjetivos e palavrões, muito pouco se debruçavam sobre o texto da entrevista.

(...) Será este é o público que estamos informando para debater temas de segurança pública? Estamos condenados às trevas da truculência e ameaças ao tentar discutir soluções mais além das corporações ou dos eventos episódicos?

O que eu não havia me dado conta ainda é o quanto nossa imprensa contribui para esse nível de debate.

Sempre soube que ela era parte importante do problema de segurança pública, pois não reflete de forma mais arguta sobre os graves problemas estruturais que vivemos no Brasil. Se tomarmos os recentes eventos de São Paulo, por exemplo, ainda não vi uma matéria que busque compreender as raízes mais profundas da crise ou a real dimensão dela.

Nossa estrutura de segurança pública é disfuncional, pouco efetiva, bastante descrita na imprensa - mas raramente analisada. Abdica-se da investigação jornalística para lançar mão de "especialistas", autoridades e denúncias na busca de "furos" e manchetes de efeito efêmeras, mas com consequências perversas na construção de nossa cidadania incompleta.

Eis um setor da administração pública que se beneficiou pouco com a democratização brasileira: a segurança pública. Ela ainda é isolada, pouco transparente, avessa a debates e sem nenhum sentido de prestação de contas acerca do que fazem.

Se por um lado a imprensa teve o importante papel de denunciar suas mazelas, acabou sendo contaminada pelo espetáculo e sensacionalismo de nossas misérias cotidianas.

Nós, "especialistas", terminamos sendo algumas vezes vítimas involuntárias. Expostos de forma desnecessária, através de fotos e manchetes que desconstroem completamente o conteúdo do que dizemos em favor do espetáculo, acabamos alvos da irracionalidade e ira reinantes. (...)

Fonte: Claudio Beato, “Folha de S. Paulo”, Opinião, Tendências/Debates, 22/11/12, p. 3.

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