segunda-feira, 5 de novembro de 2012 | |

A sobrevida do jornal (e o futuro dos jornais)

O "Financial Times" iniciou sua impressão na Lapa, zona oeste de São Paulo, um mês atrás. Não é o único título de alcance global que quer chegar em papel ao consumidor brasileiro.

Agora também o "New York Times" planeja publicar aqui seu título no mercado externo, o "International Herald Tribune". Também quer impressão em São Paulo.

(...) John Ridding, presidente do jornal britânico, em entrevista em São Paulo, justificou os investimentos no país com a "ascendente classe média" e comentou, questionado sobre o futuro do papel:

"Sim, eu vejo um futuro muito bom para o impresso. O elemento central da estratégia do 'FT' é ser multicanal. Devemos estar disponíveis por qualquer canal que os leitores queiram o 'FT'. Não sou dos que pensam que uma nova tecnologia chega para matar a anterior. O que acontece é que você tem um ajuste no espectro, em que diferentes formatos se encaixam."

"O jornal tem vantagens únicas. Ele tem o que o que chamo de efeito serendipismo [a qualidade de fazer descobertas por acaso], que é muito importante para tomadores de decisão nos negócios e para líderes empresariais. Muitas vezes, com o digital, você consegue o que buscou. Mas precisa saber de outras coisas. E nos jornais pode estar lendo uma matéria aqui e subitamente notar essa ou aquela."

Duas semanas após o lançamento do "FT" por Ridding e uma semana após o anúncio do "NYT" em português pelo presidente Arthur Sulzberger Jr., surgiu em São Paulo o presidente do maior jornal em língua inglesa no mundo, o "Times of India".

Ravi Dhariwal não anunciou edição nem site para o Brasil, mas reafirmou que a estratégia é seguir no papel, ao contrário do que começam a fazer na Europa e nos EUA. A seu ver, um erro.

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O que "FT" e "NYT" vêm buscar aqui, também aquilo que torna tão resistente o "Times of India" de papel, é o crescimento do poder de compra nos emergentes, com a nova classe média.

Os dois contrastam com o fim do "Jornal da Tarde", na quarta, e do "Jornal do Brasil" impresso, há dois anos. Indicam que aqui a crise é menos do jornalismo impresso e mais do jornalismo romântico, de meio século atrás.

Pelo que me relatou Mino Carta, seu criador, o "JT" teve "o melhor da sua existência de 1969 até 1973". Não por acaso, são os cinco anos do Milagre Econômico. O jornal refletiu uma classe média que crescia.

Mas não conseguiu o mesmo na segunda onda de ascensão social, agora, com a classe C que segue pobre, mas ganhou poder de compra. O melhor indicador é o contraste com os números do "Agora", da mesma faixa.

Ao longo da última década, a circulação do "JT" caiu, a do concorrente subiu. Mas o choque maior é na venda avulsa, em banca, aos domingos: em setembro, sua média foi de 7 mil, contra 112 mil.

Abraçado ao modelo de meio século atrás, o "JT" perdeu espaço para títulos novos, a começar do "Lance". O relato mais revelador é do repórter Josmar Jozino, célebre por ter adiantado a rebelião do PCC em 2006:

"Um dia antes, agentes penitenciários e mulheres de presos me ligaram dizendo que uns 700 tinham sido transferidos. Pensei, 'amanhã vai ter rebelião em série'. Avisei e não quiseram dar grande. No dia seguinte, umas três horas, o pessoal até brincou, 'você não disse que ia ter problema?". Quatro e meia, começou a matança."

"Eles sempre diziam que o leitor era classe B, universitário, que sua prioridade era subir mais na vida. Falavam que não queriam matéria de periferia, chegaram a dizer, 'matéria de pobre, aqui não'. Na minha opinião, foi o foco errado. O erro do jornal começou aí. Nos últimos anos, só estava preocupado em publicar, de polícia, matérias de crime a patrimônio, na área nobre da cidade".

Jozino entrou no "JT" em 2004 e já no ano seguinte começaram os grandes cortes anuais na redação. Foi demitido em 2010, quando os cortes passaram a ser semestrais. No dia seguinte, foi chamado pelo "Agora".

Fonte: Nelson de Sá, "O papel continua", UOL/Folha de S. Paulo, 5/11/12.

Inevitável questionar: a crise, afinal, é do formato ou do modelo de jornal? Do meio (papel) ou do conteúdo? Do produto ou da falta de investimento em pessoas qualificadas e trabalho de reportagem (que custa caro)?

Leia também:

- A morte de um jornal (e o futuro dos jornais)

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