Podem me chamar de Cassandra. Eu não
ligo. Essa figura mítica grega, a quem Apolo ensinou os segredos da profecia,
passou a ser tida por louca quando tentou comunicar aos troianos suas previsões
de catástrofe e desgraças, todas realizadas.
Depois que Cassandra se negou a dormir
com Apolo, o deus vingativo lançou-lhe a maldição de que ninguém jamais viesse
a acreditar na profetisa.
O nome de Cassandra surgiu na semana
passada no debate promovido pelo jornalista Alberto Dines durante o programa
"Observatório da Imprensa", na TV Brasil. A discussão era a morte dos
jornais, assunto que voltou à baila com a recente extinção do paulistano
"Jornal da Tarde" e com a decisão da revista norte-americana
"Newsweek" de prosseguir atividades apenas on-line, não mais em
papel.
Escrevi que podem me chamar de
Cassandra, pois minha previsão é que os jornais vão, sim, acabar. Aliás, já
estão acabando. Centenas sumiram nos últimos anos. Sinto muito, pois eu adoro
jornais. Além disso, eles têm uma função política fundamental na defesa do
interesse público e na sustentação da democracia, frequentemente superior ao
desempenho de outros meios de comunicação especializados em notícias ligeiras,
com pouca investigação.
Mas os tempos são de mudança. Quem quer comprar
um jornal que não traz o resultado da eleição norte-americana, ocorrida na
véspera? Quem, entre os usuários da internet, quer abrir mão de enviar artigos
por e-mail, compartilhar notícias em redes sociais, comentar ou discutir um
texto com o seu autor on-line, consultar arquivos na hora? Os jovens é que não
são.
Ainda tenho o fetiche de empunhar um
jornal e sentir o mundo nas mãos. Gosto da sua organização, da sua
periodicidade, do seu material. Cresci com eles ao meu redor. Leio diariamente,
com prazer e afinco.
Mas vejo que existe hoje um fetiche bem
maior por iPhones, iPads, Galaxys e similares. Todos eles suportes possíveis
para o bom jornalismo.
Então prever o fim dos jornais não é
sinônimo de prever o fim do jornalismo, bem entendido.
Não faço parte das turmas que tentam
vender a ideia de que jornalistas são dispensáveis num mundo em que qualquer um
pode publicar o que quiser na internet.
O que me salta aos olhos na internet são
outros mitos gregos: Eco e Narciso.
Narciso é um jovem magnífico que se
apaixona pela própria imagem refletida na água. Acabou consumido pelo amor
próprio e se tornou o nome da flor encontrada onde ele desapareceu.
Somos todos Narcisos no Facebook, no
Orkut ou no Instagram, quando publicamos fotos dos nossos sorrisos e melhores
momentos.
Eco é uma ninfa que amava os bosques e
os montes, mas tinha um defeito: falava demais e sempre queria ter a última
palavra em qualquer discussão.
Como Eco fez o papel de distrair Hera
enquanto Zeus se divertia com outras ninfas, ela recebeu um castigo. Perdeu o
direito à própria voz, que tanto amava. Foi condenada a repetir eternamente a
última palavra do que os outros falassem.
Pois são muitos ecos que encontro no
Twitter e em outras redes sociais. Repetições contínuas, em vez de um mar de
palavras originais.
Fonte: Marion Strecker, “Três mitos
gregos”, Folha de S. Paulo, Tec, 12/11/12, p. F6.
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