Não é só no Brasil que a relação entre polícia e sociedade é
turbulenta e polêmica. Nos EUA, o novo prefeito de Nova York, o democrata Bill
de Blasio, elegeu-se tendo como forte bandeira de campanha o fim da política de segurança chamada de “stop and frisk”, algo como pare e reviste.
Essa política, defendida por grupos mais conservadores como
base da queda da criminalidade na cidade, é criticada pelos mais progressistas
por ser considerada discriminatória – o poder dado à polícia de parar, revistar
e interrogar as pessoas teria como alvo prioritário a população pobre
e imigrante.
No Canadá, a abordagem policial também provoca polêmica. Em recente artigo publicado no jornal “National Post” (6/2/14), Jamil Jivani relatou a experiência pela qual passou em Toronto em 30 de outubro de 2013. Ele estava fora de seu apartamento, no distrito de Little Jamaica, porque o celular não funcionava bem dentro do imóvel. Conversava de forma amistosa com um colega a respeito de uma decisão que teria que tomar a respeito de sua carreira.
Em certo momento, escreve Jivani, uma viatura parou, dois
policiais desceram e questionaram a razão dele estar na rua. “Dei
uma respeitosa resposta explicando que vivia no prédio à esquerda e estava falando ao telefone com um amigo, mas para aqueles policiais eu batia com a
descrição de uma pessoa que eles procuravam: um homem negro que estava esperando
uma encomenda de drogas”.
Jivani se sentiu frustrado e ofendido pela suspeita de que
pudesse estar envolvido em atividades ilícitas. Diz ter se sentido na obrigação
de provar que não era a pessoa que os policias procuravam – ou seja, uma inversão
do princípio legal, “culpado até prove ser inocente”.
Os policiais pediram uma identificação e o único documento
que Jivani tinha no momento era a carteira de estudante da Universidade Yale.
Os policiais checaram o sistema e verificaram que nada havia contra ele. Jivani
chegou a dizer que conhecia a lei e espera não ser fichado sem motivo. “Gostaria de pensar que não fui fichado porque não fazia
nada de errado – mas talvez seja porque usei as palavras certas a respeito da
lei e apresentei minha carteirinha de estudante”.
Os policiais ainda fizeram meia dúzia de perguntas antes de
partirem. “Eles continuaram sua busca enquanto eu fiquei me sentindo
estereotipado e desrespeitado.”
Vê-se que a abordagem não é muito diferente da que ocorre no Brasil (talvez por aqui houvesse algum risco da pessoa levar uma surra ou até um tiro, conforme a reação). O preconceito está na raiz da situação tanto cá quanto lá.
O problema, portanto, é semelhante; distinta é a solução que
se apresenta. A experiência vivida por Jivani fez com ele propusesse
algo talvez inédito: encontros entre “abordados” e “abordadores”.
Em resumo: Jivani procurou os responsáveis pelo Departamento
de Polícia de Toronto para tratar da mediação. O encontro ocorreu em
4 de dezembro. “Esperava ter a chance de aprender mais sobre a razão daquele
incidente ter ocorrido e poder dar aos policiais a oportunidade de ouvirem
minha perspectiva para melhorar eventuais abordagens no futuro”, apontou.
“Por sorte, minhas expectativas foram superadas. Os dois
oficiais vieram preparados para discutir porque me abordaram, o que esperavam
dos questionamentos que fizeram e porque não me ficharam. Mais importante para
mim, também explicaram a decisão de pedir uma identificação e checar
meu nome no sistema. Eles me deram respostas satisfatórias e foram receptivos
às minhas críticas. Ao contrário da primeira vez que nos encontramos, eu senti
que eles me viram como um indivíduo e um ser humano. Eu ainda não concordo com
algumas decisões que eles tomaram naquela noite, mas me beneficiei por
entender mais sobre o contexto que motivou o comportamento deles. Espero que eles
também tenham se beneficiado do meu ‘feedback’ (...)”, escreveu.
Incrível, não? Uma experiência que poderia ser replicada em
qualquer lugar do mundo democrático. Num momento em que se discute UPPs e etc,
que tal tentar a mediação junto a nossos policiais?
Em tempo: um empresário da
região norte de Toronto disse ao "The Globe and Mail" que não se sente mais seguro depois de
testemunhar um tiroteio fatal na área.
“A troca de tiros ocorreu num bairro mais conhecido pelas lojas
sofisticadas, restaurantes e imóveis do que pela criminalidade. (...) ‘Considero esta uma
área top da cidade, mas ultimamente toda a cidade tem se tornado um lugar
inseguro’”.
Só para se ter uma ideia, a taxa de homicídios em Toronto é de 2 a
3 para cada 100 mil habitantes. No Brasil, a taxa é de 25,8 - em Alagoas, chega
a 61,8; em São Paulo é de 10,5.
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