terça-feira, 11 de março de 2014 | |

No Canadá, uma proposta na relação polícia-sociedade

Não é só no Brasil que a relação entre polícia e sociedade é turbulenta e polêmica. Nos EUA, o novo prefeito de Nova York, o democrata Bill de Blasio, elegeu-se tendo como forte bandeira de campanha o fim da política de segurança chamada de “stop and frisk”, algo como pare e reviste.

Essa política, defendida por grupos mais conservadores como base da queda da criminalidade na cidade, é criticada pelos mais progressistas por ser considerada discriminatória – o poder dado à polícia de parar, revistar e interrogar as pessoas teria como alvo prioritário a população pobre e imigrante.

No Canadá, a abordagem policial também provoca polêmica. Em recente artigo publicado no jornal “National Post” (6/2/14), Jamil Jivani relatou a experiência pela qual passou em Toronto em 30 de outubro de 2013. Ele estava fora de seu apartamento, no distrito de Little Jamaica, porque o celular não funcionava bem dentro do imóvel. Conversava de forma amistosa com um colega a respeito de uma decisão que teria que tomar a respeito de sua carreira.

Em certo momento, escreve Jivani, uma viatura parou, dois policiais desceram e questionaram a razão dele estar na rua. “Dei uma respeitosa resposta explicando que vivia no prédio à esquerda e estava falando ao telefone com um amigo, mas para aqueles policiais eu batia com a descrição de uma pessoa que eles procuravam: um homem negro que estava esperando uma encomenda de drogas”.

Jivani se sentiu frustrado e ofendido pela suspeita de que pudesse estar envolvido em atividades ilícitas. Diz ter se sentido na obrigação de provar que não era a pessoa que os policias procuravam – ou seja, uma inversão do princípio legal, “culpado até prove ser inocente”.

Os policiais pediram uma identificação e o único documento que Jivani tinha no momento era a carteira de estudante da Universidade Yale. Os policiais checaram o sistema e verificaram que nada havia contra ele. Jivani chegou a dizer que conhecia a lei e espera não ser fichado sem motivo. “Gostaria de pensar que não fui fichado porque não fazia nada de errado – mas talvez seja porque usei as palavras certas a respeito da lei e apresentei minha carteirinha de estudante”.

Os policiais ainda fizeram meia dúzia de perguntas antes de partirem. “Eles continuaram sua busca enquanto eu fiquei me sentindo estereotipado e desrespeitado.”

Vê-se que a abordagem não é muito diferente da que ocorre no Brasil (talvez por aqui houvesse algum risco da pessoa levar uma surra ou até um tiro, conforme a reação). O preconceito está na raiz da situação tanto cá quanto lá.

O problema, portanto, é semelhante; distinta é a solução que se apresenta. A experiência vivida por Jivani fez com ele propusesse algo talvez inédito: encontros entre “abordados” e “abordadores”.

Em resumo: Jivani procurou os responsáveis pelo Departamento de Polícia de Toronto para tratar da mediação. O encontro ocorreu em 4 de dezembro. “Esperava ter a chance de aprender mais sobre a razão daquele incidente ter ocorrido e poder dar aos policiais a oportunidade de ouvirem minha perspectiva para melhorar eventuais abordagens no futuro”, apontou.

“Por sorte, minhas expectativas foram superadas. Os dois oficiais vieram preparados para discutir porque me abordaram, o que esperavam dos questionamentos que fizeram e porque não me ficharam. Mais importante para mim, também explicaram a decisão de pedir uma identificação e checar meu nome no sistema. Eles me deram respostas satisfatórias e foram receptivos às minhas críticas. Ao contrário da primeira vez que nos encontramos, eu senti que eles me viram como um indivíduo e um ser humano. Eu ainda não concordo com algumas decisões que eles tomaram naquela noite, mas me beneficiei por entender mais sobre o contexto que motivou o comportamento deles. Espero que eles também tenham se beneficiado do meu ‘feedback’ (...)”, escreveu.

Incrível, não? Uma experiência que poderia ser replicada em qualquer lugar do mundo democrático. Num momento em que se discute UPPs e etc, que tal tentar a mediação junto a nossos policiais?

Em tempo: um empresário da região norte de Toronto disse ao "The Globe and Mail" que não se sente mais seguro depois de testemunhar um tiroteio fatal na área.

“A troca de tiros ocorreu num bairro mais conhecido pelas lojas sofisticadas, restaurantes e imóveis do que pela criminalidade. (...) ‘Considero esta uma área top da cidade, mas ultimamente toda a cidade tem se tornado um lugar inseguro’”.
Só para se ter uma ideia, a taxa de homicídios em Toronto é de 2 a 3 para cada 100 mil habitantes. No Brasil, a taxa é de 25,8 - em Alagoas, chega a 61,8; em São Paulo é de 10,5.

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