quarta-feira, 19 de março de 2014 | |

A questão do racismo

(...) Ora, como espaço privilegiado da emoção o futebol não poderia deixar de sintetizar e manifestar algumas tensões sociais latentes. Ele não é nem menos nem mais racista que outros domínios da sociedade brasileira (ou italiana, ou qualquer outra). É seu espelho, sua caixa de ressonância. Um episódio de discriminação ocorrido, por hipótese, num bar ficará restrito ao conhecimento de poucas pessoas; se o palco for um estádio de futebol, o fato ganhará larga publicidade. Diz o noticiário que Arouca foi ofendido por "três ou quatro torcedores"; Assis, por um único. Números, portanto, não superiores aos de cenas de desrespeito racial em um hipotético bar, baile ou parque. É evidente que todo ato racista é condenável independentemente da quantidade de pessoas que o pratiquem, mas também independentemente do local em que ocorre: ele não é mais incivilizado por se dar em um estádio.

Comentando os acontecimentos da semana passada, o ex-craque Raí observou que, se o racismo "passar impune no futebol, com certeza passará impune na sociedade". É verdade. No entanto, o inverso também o é, e com mais razão. No futebol o racismo é ambíguo: os mesmos torcedores que ofendem o jogador negro do time adversário aplaudem o negro do próprio time. Onde nasce e prospera o racismo é na sociedade. Inclusive com conceitos e práticas que o reforçam mesmo pretendendo o contrário. Proclamar a suposta superioridade da mestiçagem ou reservar cotas raciais na universidade pública alimenta pelo avesso aquilo que se quer combater. O inverso de um racismo é outro racismo. A tessitura das malhas sociais num país com a história e o perfil do Brasil é complexa. Precisa ser pensada e debatida de forma profunda e contínua, não apenas emocional e emergencial.

Fonte: Hilário Franco Júnior, “Um país no espelho”, O Estado de S. Paulo, Aliás, 16/3/14, E3.

Em tempo: se a Federação Paulista de Futebol (FPF) – ou a CBF ou a Conmebol (respectivamente confederações brasileira e sul-americana de futebol) – quer de fato dissociar o racismo do esporte que comanda basta tomar medidas EFETIVAS e RIGOROSAS de punição aos responsáveis diretos (torcedores, atletas e/ou dirigentes) e indiretos (clubes). 

Palavras em faixas e notas oficiais são discursos vazios, nada mais.

PS (acrescentado em 26/3/14): Quando me refiro a punição rigorosa e efetiva definitivamente não é o que fizeram a FPF e Conmebol com multas de no máximo R$ 50 mil.

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