(...) Ora, como espaço privilegiado da emoção o futebol não
poderia deixar de sintetizar e manifestar algumas tensões sociais latentes. Ele
não é nem menos nem mais racista que outros domínios da sociedade brasileira
(ou italiana, ou qualquer outra). É seu espelho, sua caixa de ressonância. Um
episódio de discriminação ocorrido, por hipótese, num bar ficará restrito ao
conhecimento de poucas pessoas; se o palco for um estádio de futebol, o fato
ganhará larga publicidade. Diz o noticiário que Arouca foi ofendido por
"três ou quatro torcedores"; Assis, por um único. Números, portanto,
não superiores aos de cenas de desrespeito racial em um hipotético bar, baile
ou parque. É evidente que todo ato racista é condenável independentemente da
quantidade de pessoas que o pratiquem, mas também independentemente do local em
que ocorre: ele não é mais incivilizado por se dar em um estádio.
Comentando os acontecimentos da semana passada, o ex-craque
Raí observou que, se o racismo "passar impune no futebol, com certeza
passará impune na sociedade". É verdade. No entanto, o inverso também o é,
e com mais razão. No futebol o racismo é ambíguo: os mesmos torcedores que
ofendem o jogador negro do time adversário aplaudem o negro do próprio time.
Onde nasce e prospera o racismo é na sociedade. Inclusive com conceitos e
práticas que o reforçam mesmo pretendendo o contrário. Proclamar a suposta
superioridade da mestiçagem ou reservar cotas raciais na universidade pública
alimenta pelo avesso aquilo que se quer combater. O inverso de um racismo é
outro racismo. A tessitura das malhas sociais num país com a história e o
perfil do Brasil é complexa. Precisa ser pensada e debatida de forma profunda e
contínua, não apenas emocional e emergencial.
Fonte: Hilário Franco Júnior, “Um país no espelho”, O Estado de S. Paulo, Aliás, 16/3/14, E3.
Em tempo: se a Federação Paulista de Futebol (FPF) – ou a CBF ou a Conmebol (respectivamente confederações brasileira e sul-americana de futebol) – quer de fato dissociar o racismo do esporte que comanda basta tomar medidas EFETIVAS e RIGOROSAS de punição aos responsáveis diretos (torcedores, atletas e/ou dirigentes) e indiretos (clubes).
Palavras em faixas e notas oficiais são discursos vazios, nada mais.
PS (acrescentado em 26/3/14): Quando me refiro a punição rigorosa e efetiva definitivamente não é o que fizeram a FPF e Conmebol com multas de no máximo R$ 50 mil.
PS (acrescentado em 26/3/14): Quando me refiro a punição rigorosa e efetiva definitivamente não é o que fizeram a FPF e Conmebol com multas de no máximo R$ 50 mil.
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