quinta-feira, 13 de março de 2014 | |

O pragmatismo da esquerda

Tive dia desses uma frutífera conversa com alguém “de esquerda”. Da velha esquerda, aquela utópica, mas que soube se adaptar ao pragmatismo do poder.

Foi uma conversa interessante e chocante. Respeitosa, naturalmente, mas ainda assim chocante pelos conceitos que ouvi.

Cuba foi definida como uma “democracia diferente”.

A oposição na Venezuela (que teve 49% dos votos na última eleição presidencial) foi citada como uma “pequena minoria turbulenta”.

"Esta pretensa alternativa ao capitalismo é uma casca. Enfrenta uma ameaça existencial não dos jovens cantando nas praças, mas do fato de que a Venezuela é uma ruína disfuncional, caótica e em desintegração", escreve (Rory) Carroll, correspondente em Caracas por seis anos. 
De fato, uma inflação de 56%, desabastecimento agudo e uma criminalidade fora de controle tornariam a situação caótica mesmo que não houvesse a "guarimba".
Fonte: Clóvis Rossi, “As duas Caracas e a ‘guarimba’”, Folha de S. Paulo, Mundo, 27/2/14.

E o que mais me chocou: a ação petista que resultou no mensalão, as alianças inescrupulosas feitas pelo PT e as medidas meramente eleitoreiras foram defendidas como “meios” para um suposto “fim” justificável.

Mentor da estratégia de poder petista, o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, condenado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e preso por corrupção, foi apresentado como alguém que historicamente aceitou fazer “qualquer coisa” (e aí vale qualquer coisa mesmo) para atingir seus "ideais" de um estado pretensamente socialista.

Para quem leu “O Príncipe”, de Maquiavel, está explicada a guinada petista no poder.

Chamou minha atenção isto tudo ter sido mencionado com muita naturalidade, como se de fato qualquer caminho servisse para (supostamente) melhorar o país e evitar que os adversários neoliberais “vendessem a nação”. “Tudo em nome da nossa verdade pois ela nos libertará”, pensam.

(...) Esse processo é lento e exige diálogo e respeito às diferenças, porque a lição número um para a consolidação democrática é ter presente que oposição é importante e que ninguém é melhor ou está mais certo porque está no poder. 
O político que se julga onipotente porque ganhou uma eleição é incompetente. Ignorar o que dizem as oposições é a melhor maneira de minar um projeto democrático. Ninguém governa sozinho, e quem é eleito representa a todos, e não apenas aos seus eleitores. Demonizar a oposição é tentador, mas conduz ao autoritarismo e à tragédia. (...)
Fonte: Alexandre Vidal Porto, "Máquina de fazer tiranos", Folha de S. Paulo, Mundo, 8/3/14.

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