segunda-feira, 7 de abril de 2014 | |

Muito prazer, "Habib"!

Cada cidade tem suas figuras!

Meses atrás, fui pautado pela TV Cultura para fazer uma reportagem à noite em São Paulo, mais precisamente a partir das 22h, na noite paulistana. Fomos – a equipe e eu – até a região da rua Augusta, famoso ponto de concentração de bares, frequentados por pessoas de todos os tipos.

Numa rua transversal, enquanto eu conversava com um grupo de amigos na mesa de uma pizzaria, colocada na calçada, um homem se aproximou e ofereceu flores. Aparentava ser um daqueles moradores de rua ou vendedores de semáforos que oferecem chocolate, balas e afins.

As flores, um tanto murchas àquela altura, não atraíram a atenção de ninguém. A única jovem à mesa ainda tentou ser gentil, mas recusou as já sentidas rosas vermelhas. O vendedor, um homem negro, barba por fazer, apresentou-se como “Habib”. Disse ser árabe, imigrante sírio. Contou algumas breves histórias, que morreram ali.

Confesso que duvidei da veracidade das histórias e do perfil do sujeito, cujo jeitão não me pareceu combinar com a imagem pré-concebida que eu tenho dos sírios (há uma imagem, afinal?).

Pois folheando a revista “sãopaulo”, do jornal “Folha de S. Paulo”, da semana entre 16 e 22 de março, deparei-me na página 34 com um vendedor de flores na seção “Figuras da Cidade”. Um homem que eu, de imediato, reconheci na foto – "Habib".

Chova ou faça lua, "Habib" deixa um rastro de flores por onde passa. Seu ofício, há 45 anos, é perfumar uma das áreas mais sujas da cidade.
Aos 72, o florista sírio Abrahim Samy, ou "Habib" (querido, em árabe), resiste às mudanças do Baixo Augusta. De cabelo, barba e olho esquerdo brancos -a catarata tirou-lhe a visão há dez anos -, vestindo jeans e camisa surrados, tem passe livre nos bares, onde circula de segunda a segunda.
Fonte: Ricardo Senra, "Flores no asfalto", revista "sãopaulo", 16-22/03/14, p. 34.

Figurão paulistano, descobri. Histórias verdadeiras, aprendi.

Bem como aprendi a dar valor a todo tipo de gente que tem algo para contar. Por trás de humildes vendedores de rosas na madrugada há sempre um ser humano com uma vida de lições e aprendizados. Ou simplesmente uma vida.

Para ouvir, pois, não basta ter ouvidos. É preciso ter coração, com uma boa dose de humildade e nada de preconceitos.

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