É recorrente na história da humanidade o recurso às “boas
intenções” como justificativa para determinados atos a priori reprováveis – a violência,
por exemplo.
Um ensaio recente, do búlgaro Tzvetan Todorov, retrata bem esta
situação sob a ótica do trabalho do pintor espanhol Francisco José de Goya y
Lucientes. O livro – “Goya à sombra das Luzes” (Companhia das Letras) – mereceu
excelente análise de Luciano Trigo no blog “Máquina de escrever”.
Recentemente, mencionei aqui uma conversa que tive um com
petista de carteirinha e meu assombro diante da forma como determinados atos –
o “mensalão”, por exemplo, ou a ditadura cubana, chamada eufemisticamente de “democracia
diferenciada” – eram justificados em nome de uma “causa”. Ou “causa nobre”,
como menciona Trigo em seu artigo.
Quando se recorre ao maquiavelismo para justificar os atos,
está posto o perigo para a sociedade. Via de regra, a história mostra que isto
não acaba bem. O exemplo dos totalitarismos, como o nazi-fascismo, pode soar abusivo,
como contestou dia desses um provocativo (no bom sentido) colega de trabalho.
Como se a menção aos absurdos hitlerianos não valesse numa discussão. “Aí não
dá, você apelou”, rebateu o colega.
Contra-argumentei dizendo que o princípio das ações era o
mesmo – não estava focando unicamente nos resultados, embora a citação a Hitler
buscasse obviamente causar impacto.
O fato é que quando se considera nobre uma causa e tudo em
nome dela é válido e justificável, corre-se o risco cometer atrocidades em nome
de um suposto bem maior.
Bem para quem? Existe razão – ou nobreza - para tal causa? Determinada
por quem?
Uma sociedade pode, em nome da paz e da democracia, recorrer
à violência e à guerra? Um partido pode, em nome de uma suposta luta contra a
desigualdade social, cooptar e corromper outros? Um governo pode, em nome da
continuidade de um projeto supostamente democrático e social (ou contra um
projeto supostamente neoliberal), recorrer à falta de transparência, à
truculência, a manobras econômicas e fiscais, ao fisiologismo e ao populismo
barato?
São questões perturbadoras. Com raízes históricas e atuais
como nunca.
Terá havido, afinal, alguma sociedade que não tenha se
deixado levar pela crença – falaciosa? – de que suas verdades fossem “as
verdades”? Creio que resposta penda para o “não”.
Como escreveu Trigo: “Numa
sociedade crescentemente dividida entre nós e eles, com o tempo nós passamos a
acreditar que estamos sempre certos, mesmo quando estamos errados. Aprendemos
que nós podemos mentir, roubar, caluniar, corromper e mesmo assim estaremos
certos, porque nós somos nós. Já eles estarão sempre errados, mesmo quando
estiverem certos, porque afinal de contas eles são eles”.
Em tempo: para quem acha que um outro mundo é possível (ou quem acredita que políticos são todos iguais), recomendo assistir à entrevista do presidente do Uruguai, José Mujica, ao programa “Canal Livre”, da Band.
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