segunda-feira, 7 de abril de 2014 | |

Mobilidade urbana - questão social, olhar artístico

Mobilidade, todos sabemos, é tema caríssimo a qualquer grande cidade do mundo. Engana-se quem imagina que São Paulo é caso isolado de caos. Já usei o metrô em outras grandes capitais (Madrid e Tóquio, por exemplo) e constatei lotação semelhante às da capital paulista nos chamados horários de pico ou durante eventos de grande atração popular, como jogos de futebol.

Na tentativa (?) de amenizar o problema do transporte, São Paulo está testando vários modelos - até de modo um tanto tresloucado, com cada ente governamental seguindo um rumo. Do governo do Estado, por exemplo, os investimentos focam no sistema de metrô e nos monotrilhos (do ponto de vista urbanístico, as obras estão criando verdadeiros monstrengos nos bairros e avenidas).



São Paulo possui atualmente 74 quilômetros de trilhos de metrô, que transportam 4,7 milhões de passageiros por dia, além de 256 quilômetros de trilhos de trem da CPTM - o sistema conjunto de trilhos leva 7,3 milhões de pessoas todos os dias.

O foco, disse o governador Geraldo Alckmin (PSDB) em evento promovido pelo jornal "Folha de S. Paulo" entre os dias 9 e 10 de outubro de 2013, é integrar cada vez mais os diversos modais. Ou seja, interligar os sistemas. Ele citou quatro obras de ampliação do metrô e outras três planejadas, além de três obras da CPTM e outras duas planejadas.


No mesmo evento, o prefeito Fernando Haddad (PT) defendeu seu projeto de mobilidade, que foca no transporte público com a abertura de corredores de ônibus. Ele lembrou que, historicamente, todo o investimento viário teve como beneficiário o carro, o que chamou de "privatização da superfície da cidade".

Disse também que a cidade não podia ter uma única aposta - sobre trilhos - para melhorar o transporte. E pregou um "redesenho" dos eixos de mobilidade paralelamente aos corredores. "O problema maior não é ter um carro, mas o modo de uso", falou.


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A mobilidade urbana foi justamente o tema central da 10ª Bienal de Arquitetura de São Paulo, em 2013. A mostra - cujo slogan foi "Cidades: modos de fazer, modos de usar" - ocorreu em vários pontos da cidade, todos propositalmente próximos ao transporte público.

Estive em alguns deles. No Centro Cultural São Paulo (CCSP), o subtema foi "Modos de agir". Uma exposição estimulante e provocante, misturando textos, fotos e arte contemporânea. Logo na entrada, "Le grand ensemble" ("O grande conjunto"), de Matthieu Pernot:


Em um texto sobre o famoso edifício Copan, que possui 1.160 apartamentos, li uma expressão que me chamou a atenção, referência a um modelo habitacional soviético: "condensador social". 

No trabalho do fotógrafo alemão Michael Wolf, um conceito interessante: "arquitetura da densidade". Conceito que pode ser visto na foto das vilas urbanas de Taipei, na China.


O carro ganhou papel central na mostra. Como na referência a Los Angeles (EUA), talvez algo semelhante ao que se vê em São Paulo (aposta em grandes vias, regiões desconectadas, transporte público deficiente):



Em "Carrópolis", uma proposta de reflexão. "O automóvel transformou profundamente as cidades a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, quando os produtos de consumo foram se tornando cada vez mais acessíveis às massas. (...) O automóvel era, então, um signo de poder, liberdade e ascensão social, apontando para um futuro limpo e ordenado, feito de torres conectadas a vias amplas e atravessadas por máquinas velozes. Daí vieram Detroit, Los Angeles, Atlanta, Houston, Dallas, Brasília.

Acontece que a liberdade proporcionada pelo automóvel individual só funciona bem quando beneficia um número limitado de pessoas. No momento em que o carro se generaliza, o trânsito entope as ruas, os espaços públicos são sacrificados por obras viárias cada vez mais áridas e a mancha urbana se desmancha nos subúrbios: nos bairros-dormitórios, nas favelas, nos conjuntos habitacionais de baixa renda e nos condomínios de luxo", cita texto da mostra.


Tudo isso levado ao extremo em Las Vegas, onde a cidade praticamente se funde com a estrada.

Já em São Paulo, a necessidade das tais "obras viárias áridas" e a mancha urbana crescente podem ser vistas na evolução da marginal Tietê ao longo das décadas: 


E não existe cidade sem sociedade.


"Uma cidade muda não muda", dizia o cartaz. No Occupy Wall Street, o protesto dos 99% que não se beneficiam dos ganhos do capitalismo...






Um caos que vira notícia - e arte:




Que ganha inocência nas mãos e na mente das crianças:


Que tem como causa-efeito a verticalização desenfreada, representada pela junção de imagem e arte:


E, por fim, um dos resultados do caos urbano: a favela. E uma mostra do projeto de urbanização da favela "Nelson Cruz", no centro expandido da capital:






"Hoje, fica mais evidente que o espaço público não é o lugar do encontro, e sim do conflito, do atrito."

São Paulo, afinal, tem solução!?



Em tempo: evidentemente, falar de mobilidade em São Paulo sem discutir o chamado Minhocão, o elevado "Costa e Silva", não faz sentido. Ele talvez seja o símbolo mais polêmico de uma cidade que cresceu sem discutir esta questão. 

O Minhocão, claro, fez parte da bienal representando o subtema "Modos de negociar" - mas isto será tratado em outra postagem.

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