quinta-feira, 17 de abril de 2014 | |

Contar ou não contar?

Encontrei um desconhecido recentemente numa pastelaria e ele me contou, entre assuntos diversos, que havia sido chamado à escola do filho pela direção. Motivo: o garoto andara propagandeando aos colegas que coelhos (da Páscoa) não botam ovos. Os pedagogos não gostaram.

O pai foi até a unidade, como solicitado. Ao saber do que se tratava, informou que ele mesmo dissera aquilo ao filho. E provocou: “e não bota mesmo!”.

O que está em jogo não é saber se o garoto estava de fato “destruindo” (este era o “crime”?) a imaginação dos coleguinhas - ou seja, de outras crianças - e, sim, se a escola tem direito de interferir na forma como o pai educa seu filho.

Isto, para mim, é grave. Houve, da parte da unidade escolar, uma intromissão indevida no seio familiar.

Trabalhei com um escritor que dizia guardar um remorso por ter revelado à filha, ainda pequenina, que Papai Noel não existia. Ateu, este ex-colega de trabalho era daqueles defensores ardorosos do direito dos pais falarem tudo aberta e lealmente aos filhos. Contudo, quando a menina cresceu (hoje tem mais de 20 anos), ela brincava (ou estaria mesmo “jogando na cara”?) que o pai havia destruído um sonho de criança.

Nunca soube se de fato o pai sentia remorso, o fato é que com a segunda filha ele preferiu manter a versão lendária a respeito da figura do “bom velhinho”.

O ponto-chave desta discussão não envolve apenas tradições infantis, como as do coelho e do Papai Noel. Há fatos mais sérios que caem na mesma armadilha, como mostrou o psicanalista Contardo Calligaris em artigo na “Folha de S. Paulo”.

“(...) muitos pais temem que uma experiência precoce da morte seja impossível ou não seja boa para as crianças. Às vezes, alguém me pergunta: até que idade devemos esconder das crianças que alguém morreu? A partir de que idade seria certo levar uma criança para um velório de caixão aberto?”

Contar ou não contar certas verdades para uma criança – e em que momento fazê-lo – é das tarefas mais polêmicas que a pedagogia e a psicologia se deparam.

No artigo, Calligaris oferece uma posição que soará perturbadora para muitos pais:

"Há os que tentam esconder tudo das crianças, porque querem 'preservá-las'. E há os que acham que nada deveria ser escondido das crianças, porque tudo é 'natural', tudo é 'bonito', nada é vergonhoso. 
(...) os adultos mostram coisas às crianças ou escondem coisas delas por uma mesma razão: para preservar sua visão de um mundo encantado e infantil, onde todos são 'felizes' e tudo é 'legal'. Esse mundo não é o das crianças; é o mundo dos sonhos dos adultos."

Complexo, não? Só não é complexo o direito dos pais de educarem seus filhos da forma que consideram mais adequada.

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