Li um texto neste domingo (5/5) na “Folha de S. Paulo”,
assinado pelo jornalista Janio de Freitas, que me trouxe à mente uma conversa
tida pouco mais de um ano atrás com um ex-colega de trabalho.
Estávamos com viagem marcada para os EUA, onde ele nunca
havia estado. Num dos muitos bate-papos que costumávamos ter, madrugada
adentro, lembro que discutíamos a cultura norte-americana e o jeito
norte-americano de ser. Meu colega nutria um pré-conceito em relação ao povo e
ao país. Algo que podia se resumir no conceito de que “os norte-americanos são arrogantes”.
Tentei explicar que não se podia generalizar a imagem de um
povo de tal maneira. Aleguei que sim, há uma porção de gente arrogante por lá
(como por aqui e em qualquer lugar), mas encontraríamos também pessoas
generosas e humildes. Manifestei ainda que a noção dos EUA como centro do
universo fazia parte, de alguma forma, da cultura deles. Os norte-americanos crescem
acreditando na missão de “salvar o mundo” – e a carga cultural que reforça este
conceito é grande, basta ver Hollywood.
Pois bem: viagem feita, tempos depois questionei-o novamente
a respeito do assunto. Ele dessa vez foi ponderado. Derrubou de certa forma os
pré-conceitos. Disse que continuava achando o governo norte-americano
imperialista, mas que o povo, de fato, exibe contornos diversos como em
qualquer país. Gente arrogante, gente boa. Entendeu também que guerras,
disputas e um certo grau de superioridade (porque via de regra só se vai à
guerra quando você se acha melhor que o adversário) estão no “sangue”, fazem
parte da cultura norte-americana.
Não que isto seja certo ou normal (não gosto de usar estes
conceitos, mas assim a explicação fica mais simples), contudo é mais fácil entender
o outro quando conhecemos suas razões. Tivéssemos nascido lá e é provável que
pensaríamos como eles.
Fiquei satisfeito e feliz por constatar que este meu conhecido
mudou de alguma forma sua visão de mundo com a viagem. Afinal, este era um dos
meus objetivos ao aceitar ciceroneá-lo por lá – para mim, uma viagem não é
apenas conhecer pontos turísticos e sim buscar viver e entender (ainda que de
modo raso) a cultura de um lugar. Sendo assim, posso considerar ao menos esta
parte da missão cumprida!
O mesmo texto me fez lembrar de um livro que considero
exemplar na dissecação da alma norte-americana. Foi escrito pelo colega jornalista
Rodrigo Alvarez e se chama “No país de Obama”. Recomendo!
Também lembrei dos episódios do famoso chef inglês Jamie
Oliver e sua “America’s Road Trip”. Em um dos episódios, ele vai ao interior da
Geórgia - um dos principais estados sulistas, que guarda registros históricos
da Guerra Civil e possui traços culturais marcantes da cultura escravocrata.
Cozinhando com os locais, em busca dos temperos e segredos
locais, Oliver procura entender como a crise financeira que eclodiu no final de
2008 atingiu os norte-americanos. Ele encontrou, em meio a um povo trabalhador,
relatos dramáticos. Como o de uma jovem senhora, dona de um famoso restaurante,
tradição de família, que se viu forçada, pela primeira vez em 40 anos, a
demitir funcionários – para ela, uma dor quase inconsolável. O movimento caíra
bruscamente e não houve outra alternativa.
Nesse restaurante, Oliver acompanhou o preparo do Pit
Barbecued Hog, um porco assado de modo artesanal – o que deu fama ao local.
Em uma fazenda, a família informara que deixaria de
participar de um festival anual tradicional na região, uma competição de
comida, porque não tinha dinheiro para pagar o diesel da viagem até um estado
próximo. Oliver custeou o combustível.
De uma outra família, o chef ouviu sobre a dificuldade de
pagarem pelos serviços médicos. Foi quando comentou que, na Inglaterra, embora também
atingida pela crise, o acesso à saúde era gratuito, bancado pelo governo.
Em meio a estes relatos, Oliver visitou uma cidadezinha
conservadora, reduto do partido republicano, onde vivem alguns ricaços. Ele foi
a um tradicional chá da tarde das “senhoras de família”. Lá, tentou falar sobre
a crise e ouviu, de um modo seco e objetivo, que aquele não era um assunto
tratado nas reuniões. Ficou claro que, embora em dificuldades, a chamada alta
sociedade local preferia “fingir” que estava tudo bem.
Foi, porém, na periferia de uma cidade, onde viviam alguns
desabrigados, que ele ouviu o relato mais chocante daquele trecho da viagem. Um
relato partido de alguém que estava na miséria, mas mantinha suas duras
convicções a respeito da sociedade e do país. Um relato que evidencia como os
EUA são, afinal, uma nação dividida, divisão que se traduz na política
(republicanos e democratas), no modo de enxergar os estrangeiros e o mundo em
geral. Ao falar sobre a crise, um dos desabrigados afirmou:
- Vocês (ingleses) ao menos têm uma rainha. Nós temos um
negro...
Referência, claro, ao presidente Barack Obama, do partido
democrata.
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