segunda-feira, 6 de maio de 2013 | |

Divagações sobre um país

Li um texto neste domingo (5/5) na “Folha de S. Paulo”, assinado pelo jornalista Janio de Freitas, que me trouxe à mente uma conversa tida pouco mais de um ano atrás com um ex-colega de trabalho.

Estávamos com viagem marcada para os EUA, onde ele nunca havia estado. Num dos muitos bate-papos que costumávamos ter, madrugada adentro, lembro que discutíamos a cultura norte-americana e o jeito norte-americano de ser. Meu colega nutria um pré-conceito em relação ao povo e ao país. Algo que podia se resumir no conceito de que “os norte-americanos são arrogantes”.

Tentei explicar que não se podia generalizar a imagem de um povo de tal maneira. Aleguei que sim, há uma porção de gente arrogante por lá (como por aqui e em qualquer lugar), mas encontraríamos também pessoas generosas e humildes. Manifestei ainda que a noção dos EUA como centro do universo fazia parte, de alguma forma, da cultura deles. Os norte-americanos crescem acreditando na missão de “salvar o mundo” – e a carga cultural que reforça este conceito é grande, basta ver Hollywood.

Pois bem: viagem feita, tempos depois questionei-o novamente a respeito do assunto. Ele dessa vez foi ponderado. Derrubou de certa forma os pré-conceitos. Disse que continuava achando o governo norte-americano imperialista, mas que o povo, de fato, exibe contornos diversos como em qualquer país. Gente arrogante, gente boa. Entendeu também que guerras, disputas e um certo grau de superioridade (porque via de regra só se vai à guerra quando você se acha melhor que o adversário) estão no “sangue”, fazem parte da cultura norte-americana.

Não que isto seja certo ou normal (não gosto de usar estes conceitos, mas assim a explicação fica mais simples), contudo é mais fácil entender o outro quando conhecemos suas razões. Tivéssemos nascido lá e é provável que pensaríamos como eles.

Fiquei satisfeito e feliz por constatar que este meu conhecido mudou de alguma forma sua visão de mundo com a viagem. Afinal, este era um dos meus objetivos ao aceitar ciceroneá-lo por lá – para mim, uma viagem não é apenas conhecer pontos turísticos e sim buscar viver e entender (ainda que de modo raso) a cultura de um lugar. Sendo assim, posso considerar ao menos esta parte da missão cumprida!

O mesmo texto me fez lembrar de um livro que considero exemplar na dissecação da alma norte-americana. Foi escrito pelo colega jornalista Rodrigo Alvarez e se chama “No país de Obama”. Recomendo!

Também lembrei dos episódios do famoso chef inglês Jamie Oliver e sua “America’s Road Trip”. Em um dos episódios, ele vai ao interior da Geórgia - um dos principais estados sulistas, que guarda registros históricos da Guerra Civil e possui traços culturais marcantes da cultura escravocrata.

Cozinhando com os locais, em busca dos temperos e segredos locais, Oliver procura entender como a crise financeira que eclodiu no final de 2008 atingiu os norte-americanos. Ele encontrou, em meio a um povo trabalhador, relatos dramáticos. Como o de uma jovem senhora, dona de um famoso restaurante, tradição de família, que se viu forçada, pela primeira vez em 40 anos, a demitir funcionários – para ela, uma dor quase inconsolável. O movimento caíra bruscamente e não houve outra alternativa.

Nesse restaurante, Oliver acompanhou o preparo do Pit Barbecued Hog, um porco assado de modo artesanal – o que deu fama ao local.


Em uma fazenda, a família informara que deixaria de participar de um festival anual tradicional na região, uma competição de comida, porque não tinha dinheiro para pagar o diesel da viagem até um estado próximo. Oliver custeou o combustível.

De uma outra família, o chef ouviu sobre a dificuldade de pagarem pelos serviços médicos. Foi quando comentou que, na Inglaterra, embora também atingida pela crise, o acesso à saúde era gratuito, bancado pelo governo.  

Em meio a estes relatos, Oliver visitou uma cidadezinha conservadora, reduto do partido republicano, onde vivem alguns ricaços. Ele foi a um tradicional chá da tarde das “senhoras de família”. Lá, tentou falar sobre a crise e ouviu, de um modo seco e objetivo, que aquele não era um assunto tratado nas reuniões. Ficou claro que, embora em dificuldades, a chamada alta sociedade local preferia “fingir” que estava tudo bem.

Foi, porém, na periferia de uma cidade, onde viviam alguns desabrigados, que ele ouviu o relato mais chocante daquele trecho da viagem. Um relato partido de alguém que estava na miséria, mas mantinha suas duras convicções a respeito da sociedade e do país. Um relato que evidencia como os EUA são, afinal, uma nação dividida, divisão que se traduz na política (republicanos e democratas), no modo de enxergar os estrangeiros e o mundo em geral. Ao falar sobre a crise, um dos desabrigados afirmou:

- Vocês (ingleses) ao menos têm uma rainha. Nós temos um negro...

Referência, claro, ao presidente Barack Obama, do partido democrata.

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