segunda-feira, 27 de maio de 2013 | |

Entrevista com um jornalista

Quando estava na faculdade de Comunicação Social da Unesp/Bauru, em meados dos anos 1990, tive a oportunidade de assistir a uma palestra do jornalista Caco Barcellos – autor do livro clássico “Rota 66 – A história da polícia que mata” e idealizador do programa “Profissão Repórter” (TV Globo, terça, 23h45).

Na ocasião (15/9/95), ele falou sobre seu início da profissão, os desafios do jornalismo e sua obra mais célebre, o “Rota 66”. A entrevista a seguir é fruto do bate-papo com os alunos e reflete o pensamento do jornalista na ocasião (que pode, ou não, ser o mesmo de hoje):

Você sofreu algum tipo de ameaça?
Tinha medo. Sofri ameaças de morte só para me assustar. Não tenho mais o perfil dos mortos. Tive, sim, noites de pesadelo. Nos últimos dois meses não conseguia mais dormir. Nos pesadelos eu era muito perseguido, muita tortura.

De que forma você analisava os tiroteios?
De uma forma muito óbvia: tiros em partes vitais, cabeça, nuca, não são sinais de tiroteio, mas sim de assassinato. A PM de São Paulo matava cerca de 1.500 pessoas por ano. Hoje, ela mata muito menos, mas mesmo assim é um número absurdo. São 400 mortes por ano. Em Nova York, uma cidade tão violenta quanto São Paulo, a polícia mata cerca de 20 pessoas por ano.

Você teria alguma solução?
Tem que se alterar a estrutura da PM. A Polícia Civil não mata. Ou mata pouco. O problema é que a Polícia Civil pode ser punida e a PM não. Os policiais militares sabem que ficarão impunes. O PM hoje é juiz, testemunha, carrasco.

Você é a favor ou contra a pena de morte?
Sou extremamente contra. Nós não temos a pena de morte neste país, então a morte de bandidos é morte, assassinato. Ou se institucionaliza a pena de morte ou para de discutir se é bom ou não a morte de bandidos. Toda atitude que leve à não-violência é bem-vinda. Mas ainda acho que há muita enrolação. Quero esclarecer uma coisa: os matadores são uma pequena minoria poderosa. Tem que se mudar a estrutura. Modificar a estrutura. Eu não estou dizendo que acho a polícia inútil. Ela até defende a vida, mas a vida de quem? Por que policiar grandes bancos e grandes empresas? Eles podem fazer a autodefesa.

Como você trabalha, tem muitas fontes?
Em 20 anos de profissão, sabe quantas fontes consegui? Zero. Hoje há uma ilusão de gabinete aberto, porque quando eu pesquisei, nós não podíamos nem chegar perto dos gabinetes. Assim, se investiga dossiês oficiais e se divulga as denúncias sem checá-las. Para que fontes oficiais? Para divulgar os “tiroteios”? Eu demoro mais tempo para checar dados do que para divulgá-los. Não cultivo fontes oficiais. Apesar de dar “status” dizer: “hoje eu conversei com tal ministro, com o chefe de sei lá o quê...”. Na verdade, se eu não tivesse escrito esse livro, teria abandonado a profissão.

Qual sua avaliação sobre a imprensa brasileira?
A imprensa só ouve os dois lados da notícia quando a elite está envolvida. O poder da imprensa deveria ser o poder da sociedade e não é isso que a gente vê hoje em dia.

Você já teve que romper com a ética para obter alguma informação?
Não. Prefiro ficar sem a informação. A vontade da vítima é soberana. Só não dou opção de escolha às pessoas que roubam a sociedade porque elas não pensaram na sociedade na hora de cometer os seus atos. Assim, não posso falar para ela: “você quer aparecer na minha matéria?”.

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