Ao que tudo indica, nem o normalmente conservador Conselho Federal de Medicina (CFM) resistiu à pressão e já vai, pelas beiradas, aceitando a barriga de aluguel. Oficialmente, o CFM está apenas permitindo que uma mulher não aparentada ceda a outra seu útero por razões altruísticas, mas admite que não tem como saber se há ou não pagamento envolvido.
Como bom utilitarista, penso que, se um acordo qualquer é desejado pelas duas partes e não prejudica terceiros, esse não é um assunto no qual o Estado e suas autarquias possam interferir. Não tenho, portanto, nada contra barriga de aluguel, comércio de órgãos, prostituição e jogos de azar. É claro, porém, que minha posição está longe de ser unânime.
Quem articula com maestria argumentos contrários aos meus é Michael Sandel, no recém-lançado "O Que o Dinheiro Não Compra". Para o professor de Harvard, a crescente monetização da sociedade, além de afastar ricos de pobres, pode muitas vezes destruir valores como altruísmo, solidariedade, patriotismo etc.
Ele apresenta tantos exemplos e articula tão bem suas ideias que é difícil discordar. O que me incomoda no discurso de Sandel é que ele põe tanta ênfase na ideia de que o dinheiro degrada tudo o que toca que acaba favorecendo um certo reacionarismo de esquerda, que rejeita o avanço do mercado mesmo quando isso pode ser benéfico para a maioria.
É claro que a "commoditização" da vida cria uma série de problemas e injustiças. Só que também tínhamos problemas e injustiças antes da invenção do dinheiro. Colocando as coisas em perspectiva histórica, o paulatino avanço dos mecanismos de mercado por diferentes aspectos da vida também é responsável pela era de pujança material e sanitária sem precedentes de que até as populações mais miseráveis do planeta se beneficiam. Será que devemos mesmo criar zonas sagradas que não podem ser tocadas pelo dinheiro?
Fonte: Hélio Schwartsman, "Zonas sagradas", Folha de S. Paulo, Opinião, 26/8/12, p. 2.
domingo, 26 de agosto de 2012 | Postado por Rodrigo Piscitelli às 19:47 |
Qual o valor do dinheiro?
Marcadores: dinheiro, filosofia, Hélio Schwartsman, reflexão
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