A mina de cabelo azul estava parada, celular na mão, fone no ouvido e sorriso nos lábios, em meio ao vaivém da estação Faria Lima, linha 4-amarela, metrô.
Eu vinha do modernoso e confuso formigueiro da estação Paulista, com aquelas escadas que caem no meio da plataforma e os caminhos que se entrecruzam e esbarram na falta de planejamento. A mina de cabelo azul pareceu-me uma representante classe A das moças da nova classe C. Style. Maquiada kabuki-máscara, jaqueta e All Star. Não resisti. "Posso tirar uma foto sua?", arrisquei, já encaixando o não. "Pode". Oba, clique, legal, prazer, obrigado. "Nada, desculpe, já estava ficando envergonhada".
A mina do cabelo azul e eu somos personagens de uma cena que se amplia e renova no congestionado mundo do transporte público paulistano. A cidade-automóvel ainda manda, mas sua estupidez está nua. Hoje faço tudo para não ter de circular de automóvel por São Paulo, prisioneiro daquele anda não anda, olhando de soslaio a moça da antiga classe A, parada ao lado, a retocar o batom na solidão refrigerada de seu Land Rover.
Nos últimos anos alguma coisa realmente melhorou no transporte público de São Paulo, ainda que naquele ritmo irritante que a gente conhece. Talvez porque o governador, seu candidato, o prefeito -e a maior parte dos opositores também- só entre em ônibus e metrô para catar voto em época de eleição.
Se durante um período procurassem fazer seus tradicionais percursos sem helicóptero, motorista ou sedan movido a verba pública, talvez parassem com esse blablablá sobre "mais não sei quantos quilômetros" e "novas diretrizes para modais" e partissem para as soluções.
Eu e a mina de cabelo azul sabemos que os problemas são muitos. Alguns caros e complicados, outros menos difíceis de resolver. A palavra é integração. Ou no jargão tecnocrático: "Sinergia entre os modais".
Modal, ignorantes, é o meio de transporte. Ônibus é um modal, trem é outro e a Soninha Francine, outro. Quer dizer, a bicicleta. E sinergia é como interligar para tudo ficar melhor.
Numa cidade como esta, a maioria não vai só de um modal. As coisas têm de ser feitas para que a pessoa possa sair de bike de casa, parar na CPTM, pegar o trem, trocar para o metrô, descer numa estação e fazer mais um percurso até o destino final.
Pode até ser de carro, mas se você quiser ir até a estação mais próxima, não vai encontrar estacionamento público. Só aqueles de terreno baldio, com preços tipo R$ 10 a primeira hora e R$ 1 milhão cada minuto excedente - com direito a uma lavadinha.
Para avançar na integração seria bom que existisse uma inteligência metropolitana. O quê?! Inteligência já é difícil, metropolitana parece ainda mais.
É verdade. São Paulo não é uma cidade, é um conglomerado de municípios que configuram esse assustador território urbano pelo qual as massas se locomovem. Só no metrô, eram 2,5 milhões por dia, em média, em 2005. No ano passado, estava perto de 4 milhões, resultado da ascensão social dos anos Lula, do Bilhete Único, da melhoria da qualidade da rede.
Voltando à inteligência metropolitana. É importante criar um órgão ou uma autoridade supramunicipal, que planeje e orquestre as ligações entre os modais na Grande São Paulo.
Sem isso, cada prefeito faz - ou deixa de fazer - o que quiser e eu e a menina de cabelo azul ficaremos sem a indispensável sinergia dos modais.
Fonte: Marcos Augusto Gonçalves, "A mina de cabelo azul", Folha de S. Paulo, Cotidiano, 27/8/12, p. C2.
segunda-feira, 27 de agosto de 2012 | Postado por Rodrigo Piscitelli às 18:52 |
A questão do transporte
Marcadores: Marcos Gonçalves, São Paulo, transporte
Assinar:
Postar comentários (Atom)
0 comentários:
Postar um comentário