Eu trocaria todos os poemas de Baudelaire por uma nadadora olímpica" - escreveu Céline. Talvez o leitor e a leitora não compartilhem da predileção do escritor francês pelas nadadoras e preferissem abrir mão das "Flores do Mal" (ou mesmo de todas as flores da literatura ocidental) por uma saltadora lituana, um velocista jamaicano, uma jogadora de vôlei de praia - qualquer uma, desde que viesse em seus diminutos trajes, correntinha no tornozelo e um pouco de areia, só um pouco, grudada no bumbum.
As opções são infinitas, afinal, os Jogos Olímpicos são, além de um evento esportivo, um negócio bilionário e uma opereta geopolítica, um rico catálogo para as mais diversas fantasias.
Quantas donas de casa não têm, desde o dia 27, em seus devaneios cheirando a Limpol, casos secretos com remadores dinamarqueses? Quantos maridos preguiçosos não encontraram o ânimo perdido, inflados pela brisa que soprou as velas nas provas femininas de windsurfe?
De repente o garoto esquece o vestibular, a tabela periódica, a Guerra do Peloponeso, os ditongos crescentes, decrescentes e nasais e fica ali, diante da TV, os globos oculares seguindo as coxas saltitantes da ginasta romena - ah, se ela me desse só uma chance, cinco minutos, eu me virava na mímica, fazia uma rosa de guardanapo, largava o cursinho, passava o resto dos meus dias lavando pratos em Bucareste pela ginasta romena, pelas coxas da ginasta romena!
Ter um rosto bonito é resultado da injusta loteria do cosmos, mas um corpo, não: basta fazer exercício - e exercício, bom, é basicamente só o que fazem esses 10.500 atletas, desde criancinhas. O resultado está aí, em HD e "wide screen", pelos quatro cantos do planeta.
Londres-2012, aliás, é a primeira Olimpíada a que boa parte dos brasileiros assiste em alta definição, e a qualidade da imagem deixa estranhamente próximos, quase tangíveis, esses e essas que o tubo catódico só ajudava a endeusar. Você vê narinas arfantes, panturrilhas contraindo-se e expandindo-se, vê poros, pintas, suor e fios de cabelo.
Por alguns momentos, a dona de casa acha que os remadores dinamarqueses estão em seu sofá, o marido desanimado vê as velejadoras singrando seu carpete, o garoto abre os braços para segurar a ginasta romena que se desequilibra na trave.
Vamos sonhando, minha gente. Para isso também serve a Olimpíada, para alimentar devaneios e solitárias esperanças. "Solitária Esperança", por coincidência, é o nome de uma das musas destes Jogos, a goleira americana Hope Solo. Ok, um professor de inglês certamente discordaria de minha libérrima tradução, mas e daí? Eu trocaria todos os professores de inglês pela goleira americana.
Fonte: Antonio Prata, "Corpos olímpicos são catálogo para diversas fantasias", UOL, postado em 10/8/12.
sábado, 11 de agosto de 2012 | Postado por Rodrigo Piscitelli às 10:48 |
"Corpos olímpicos são catálogo para fantasias"
Marcadores: Antonio Prata, beleza, esporte, Olimpíadas
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