quinta-feira, 23 de junho de 2011 | |

A vez do Brasil

Com o cocar na cabeça, o cacique Almir Suruí bateu nas portas do Google aqui, nos EUA, convencido de que poderia usar sistemas de monitoramento por internet para preservar as terras de sua tribo, localizada na fronteira do Acre com Rondônia. Se, de início, parecia uma maluquice, a ideia, aprimorada com a distribuição de smartphones na tribo, virou uma solução. Qualquer invasão ou queimada sobe em tempo real para o Google Earth.
Por ter ajudado a criar uma nova função na internet, nosso cacique entrou na lista das cem pessoas mais criativas do mundo dos negócios, lançada neste mês pela revista americana "Fast Company".
Um índio repensando a internet serve de síntese do que estou sentindo nesta minha temporada americana em relação à imagem internacional do Brasil, especialmente nos Estados Unidos.
Constrói-se um Brasil da fantasia entre o exótico e o contemporâneo.
Pelo menos em meio à elite empresarial e acadêmica, somos vistos não apenas pelos indicadores econômicos mas como um país alegre, criativo e aberto à diversidade. Avoluma-se uma série de fatos para colorir ainda mais essa imagem.
A maior parada gay do mundo, mais uma vez, enche a avenida Paulista na próxima semana, somada às cores sofisticadas da São Paulo Fashion Week, dando mais uma pincelada em nossa imagem.
Para completar, um ranking internacional feito pela Hub Culture apontou, neste ano, a cidade de São Paulo como a que melhor resume o espírito contemporâneo. Na frente de Nova York, Londres e Berlim.
Nessa lista dos criativos da revista, há nomes que estão ajudando a inovar os negócios no planeta de modos os mais extraordinários. Sebastian Thrun está desenvolvendo um carro que anda sem motorista - aliás, o motorista até atrapalha. Salman Khan revoluciona a educação transformando o YouTube na maior sala de aula do planeta, ensinando como deixar claros e atraentes, sem muitos recursos, os conhecimentos de ciência.
Lá estão, além do nosso cacique, o brasileiro Alex Kipman, que desenvolveu para a Microsoft um sistema capaz de fazer que o corpo humano vire um game, o publicitário Nizan Guanaes, que está guindando uma agência de publicidade ao posto de uma das mais importantes do mundo, Eike Batista, que entrou tão rapidamente e com projetos ousados no ranking dos bilionários, e Oskar Metsavaht, da Osklen, que produz uma moda que une a sustentabilidade à sensualidade.
Essa combinação de gays, índios, publicitários, engenheiros de tecnologia da informação e fashionistas parece a composição exótica de uma fantasia de Carmem Miranda.
Somem-se aí o sucesso do filme "Rio", dirigido por um brasileiro, e a própria cidade do Rio, cujas obras e mobilização para a Copa do Mundo e para a Olimpíada viram motivo de cobiça em escala planetária. É das cidades que mais se vêm reinventando no planeta.
Para completar a composição da nossa imagem, existe o Felipe. É o brasileiro casado com Elizabeth Gilbert, autora do best-seller "Comer, Rezar e Amar", sucesso nas telas. Felipe (nome fictício) é cosmopolita, compreensivo, maduro, sensível, sem nenhum traço do macho latino. É o que se idealiza aqui como o homem do século 21.
Há muito de fantasia nessa composição da nossa imagem externa. A base, porém, é real. Apesar da imensa pobreza, da desigualdade e da violência, o Brasil é democrático, sem ódios, e, nos últimos anos, teve um presidente operário sem educação formal, um renomado sociólogo e, enfim, uma mulher.
Conseguimos transmitir a mensagem de que somos um lugar confiável para fazer negócios e aberto à modernidade tecnológica. Nossas descobertas em biocombustíveis são admiradas há muito tempo e tendem a crescer se for mesmo aprovada a decisão do Congresso americano de facilitar a entrada do álcool brasileiro.
A rede social do Google (Orkut) é majoritariamente brasileira. Na semana passada, foi divulgado que o Brasil é o país onde o Facebook mais cresce.
Uma empresa especializada em medir apenas o impacto do Twitter, chamada Twitalyzer, colocou dois brasileiros, Rafinha Bastos e Luciano Huck, entre os dez mais importantes perfis. Não é sem motivo que, muitas vezes, temas locais aparecem entre os "trending topics" daquela mídia social.
São avanços notáveis. Difícil não sentir certo prazer com nossa imagem. Até há pouco tempo, o grande personagem brasileiro era Pelé, e o principal produto, o café. Nem sabiam que Brasília era a capital do Brasil. Mas estamos tão longe de sermos uma nação civilizada e inovadora quanto Felipe está longe de ser o padrão do homem brasileiro, e as imagens do filme "Rio" estão longe de se parecerem com a realidade da cidade.
Mede-se a civilidade de um país pela qualidade das escolas e das universidades. O resto é fantasia.
PS - Precisa vir alguém de fora, como o pessoal do Culture Hub, para dizer que São Paulo, apesar de sua selvageria cotidiana, é uma das cidades mais interessantes do mundo por atrair talentos. Até então, quem dizia isso era maluco ou bairrista. Às vezes, é preciso mesmo o olhar estrangeiro para nos vermos melhor.

Fonte: Gilberto Dimenstein, "Fantasia Brasil está na moda", Folha de S. Paulo, Cotidiano, 19/6/2011.

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