terça-feira, 20 de janeiro de 2009 | |

O julgamento de Hefesto

Hefesto sentou-se à mesa junto com os comensais. Imaginava uma celebração. Viu-se num julgamento. À moda antiga. Sequer houve um simulacro de contraditório. Nada. Na tábula, só acusadores. “Hipócrita! Infiel!” Em dados momentos, insinuava-se uma compaixão. Pobre Hefesto. Sentiu a dor dos indefesos. Depois, buscou no fundo da alma a força dos injustiçados e deixou escorrer por entre os lábios o veneno da vingança, perdido. Não, Hefesto jamais o usaria.

Numa mistura de ódio e dor, ele aguardou a sentença. Viu sorrisos, que lhe pareceram ainda mais debochadores. Houve tempo para que um dos acusadores ensaiasse compaixão. Desnecessária. A compaixão brevemente transformou-se em remorso, engolido a seco, corroendo as entranhas. Ainda assim, Hefesto sentiu-se naquele momento guarnecido por uma gota de bom-senso. Sim, restava uma gota.

À volta, Hefesto olhava e via hipocrisia. Sarcasmo. Justamente daqueles que escolhidos a dedo foram. O torpor fez com que não mais distinguisse mentira de verdade. Sendo assim, decidiu acreditar em tudo. E sendo assim, aplicou a si próprio a lei do silêncio. Decidiu nada mais falar. E assim será. Por todo o sempre.

Por fim, Hefesto não foi condenado. Jamais seria. Talvez seja esta a pior das condenações, aquela que não escapa aos lábios, mas que se transmite pelos olhos e que fica na mente, à espera de um novo julgamento – ou seria uma nova sessão de tortura?

“Vinho para todos!”, gritou Hefesto. E celebraram, como se nada houvera passado, como se nada houvera sido falado naquela noite.

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