segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013 | |

O dia em que o papa morreu (e a lição de Ratzinger)

Lembro bem da cobertura que coordenei - como editor-chefe do "Jornal de Limeira" - a respeito da morte do então papa João Paulo 2°.

Tendo o terceiro mais longo pontificado de todos os tempos (27 anos), ele vinha apresentando piora do seu estado de saúde mês a mês. Diante disso (não estranhe, a imprensa funciona assim), havia dois anos que o JL tinha adquirido da Agência Estado um caderno especial para a ocasião da morte do pontífice. 

Na Páscoa de 2005, em 27 de março, o papa apareceu muito debilitado. Católicos ficaram assustados. Cresciam os rumores a respeito de sua frágil saúde. Jornalistas de todo o mundo dirigiram-se para o Vaticano. Nos dias seguintes, a angústia aumentava diante das escassas informações oficiais e da boataria reinante. 

Até que chegou a sexta-feira 1° de abril. Diante das informações que recebíamos sobre o papa, convoquei uma reunião no jornal e tomei a decisão: era hora de montar o caderno especial. E assim foi feito.

No sábado, 2, segui minha rotina: cheguei no jornal por volta de 8h30 e iniciei o fechamento da edição dominical. O dia avançava e nada de oficial a respeito do papa. Ainda na sexta-feira, alguns veículos de imprensa chegaram a anunciar a morte do religioso, mas depois tiveram que desmentir.

O trabalho no JL se aproximava da finalização. Todas as páginas já estavam fechadas, como se diz no jargão jornalístico, e restava apenas a primeira página para ser montada, a mais importante de um jornal. Era por volta de 16h30. Foi quando a TV anunciou: o papa morreu.

Minha reação, embora mórbida, saiu espontânea: "Graças a Deus! Na hora certa". Lembro que a este infeliz comentário, acrescentei: "Coitado dos colegas na Itália. Lá são mais de nove da noite e os jornais estão praticamente fechados. Vão ter que mexer na edição...".

Lendo agora parece frio e calculista, mas acredite: nós, jornalistas, na lida diária, somos assim muitas vezes.  Editar um jornal tendo a pressão do tempo não é tarefa fácil.

O caderno especial do papa foi uma surpresa para os leitores e um "gol" marcado perante a concorrência, que não tinha material semelhante. A primeira página do jornal, planejada com calma e especialmente para a ocasião, foi das mais bonitas que já elaborei. Bela e serena, como a ocasião exigia e o papa merecia (infelizmente, o arquivo digital do JL disponibiliza as edições a partir de 2007).


Em poucos dias, o mundo assistia à ascensão de um novo papa. Para mim, fato inédito: nunca tinha acompanhado um conclave (o processo secular pelo qual um novo pontífice é escolhido). O cardeal alemão Joseph Ratzinger, então chefe da Congregação para a Fé, um dos braços mais importantes e poderosos da Igreja Católica Romana, iniciava seu papado como Bento 16.

***

Toda esta história me veio à mente em razão da surpreendente notícia da renúncia de Ratzinger ao papado nesta segunda-feira (11/2).

Eleito papa aos 78 anos (e prestes a completar 86), Ratzinger foi considerado - já em 2005, ano de sua eleição - um pontífice de "transição". Era uma escolha proposital da Igreja: após um papado de um quarto de século, portanto muito marcante, era necessário um período mais brando até que um outro pontífice pudesse dar novas marcas ao catolicismo. 

A missão de Ratzinger, portanto, era levar a Igreja adiante sem muitos percalços.

Bento 16, porém, deixará seu pontificado com marcas fortes: a principal delas é o reforço dogmático e da fé. Natural para alguém oriundo justamente do braço da Igreja responsável por resguardar estes dois aspectos. 

Considerado conservador, o papa que agora renuncia fez questão nos seus oito anos de pontificado de reforçar princípios da Igreja Católica.

Quando se esperava abertura, ele acentuou a clausura. Criou polêmica ao assumir tal postura. 

Pode-se até discordar dele, mas não se pode dizer que tenha fugido aos seus princípios. Fez certamente o que dele se esperava quando foi eleito.

Análise teológica à parte, eu passei a admirar Ratzinger como ser humano em razão da renúncia. Ou mais precisamente em razão da coragem, firmeza e humildade para reconhecer sua fraqueza diante da missão que lhe cabia. 

Não é pouca coisa. Para alguns desavisados, pode parecer fraqueza o que, na verdade, foi um ato de grandeza.

Poucos homens são capazes de tal atitude, a do desprendimento. Principalmente quando se ocupa um dos postos mais poderosos do mundo, o de chefe de Estado respeitado por todos os demais e o de líder de bilhões de católicos ao redor do globo.

Abrir mão do "trono de são Pedro" fez de Ratzinger, sem dúvida, mais humano (a infalibilidade papal é um dos dogmas da Igreja Católica). Talvez seja essa uma das suas principais contribuições como papa. A lição está dada.

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