Como até os azulejos de Athos Bulcão na Câmara dos Deputados já previam, foi absolvida ontem Jaqueline Roriz. Eleita no ano passado pelo PMN de Brasília, ela ganhou notoriedade em março último quando ficou conhecida uma gravação na qual aparece recebendo um maço de dinheiro.
Para salvá-la da cassação, a maioria dos deputados levou em conta que as imagens eram de 2006. Portanto, de antes do exercício de seu mandato.
Ao abraçar esse sofisma, a Câmara desce mais um degrau na escala de sua credibilidade. Embora tenha ocorrido em 2006, é verdade, o fato só ficou conhecido neste ano. São de agora os seus efeitos e o dano para a imagem do Poder Legislativo. E o pior de tudo: os eleitores de Jaqueline Roriz a escolheram sem ter acesso a essas imagens.
Pela lógica torta dos deputados pró-Jaqueline, nada deveria acontecer se a Câmara descobrisse hoje que um de seus integrantes cometeu há dez anos um assassinato ou crimes de pedofilia. Se foi no passado, tudo está perdoado.
Não é a primeira vez que o espírito de corpo prevalece no Congresso. Essa tem sido a praxe. Alguns ali argumentam até sobre a necessidade de transferir para o Supremo Tribunal Federal o poder de julgar processos como o de Jaqueline Roriz. Seria uma saída macunaímica. Um misto de preguiça, covardia e falta de responsabilidade.
A laborfobia dos deputados se expressa nos cerca de seis meses gastos na análise de imagens autoexplicativas. Daí para a falta de coragem é um pulo. Por fim, terceirizar o julgamento equivale a produzir uma crise política com data marcada. Na primeira cassação via STF o Congresso se insurgiria.
Qual é problema de um deputado votar para cassar um colega flagrado recebendo dinheiro? Nenhum. A não ser quando o próprio político teme ser o próximo réu. Nessas horas, o decoro que falta protege todo tipo de desvio.
Fonte: Fernando Rodrigues, "Folha de S. Paulo", Opinião, 31/8/11, p.2.
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