quarta-feira, 31 de agosto de 2011 | |

O futuro das cidades

Entrevista com o diretor de desenho urbano da Prefeitura de Nova York, Alexandros Washburn.

Folha - São Paulo pretende adensar as áreas centrais para aproximar as pessoas dos empregos e da infraestrutura que já existe. A cidade não vai se tornar desagradável, cheia de prédios altos?
Alexandros Washburn -
 Não é agradável caminhar pela Quinta avenida? Não há nada de errado com prédios altos. A questão é como esses prédios se encontram com a rua. Aqui você tem uma regra que diz que os prédios devem ser recuados. Mas aí o que você tem é rua fechada com muros e grades.

Folha - E como deve ser?
Washburn - O muro da rua tem que ser feito do tecido dos prédios, com lojas, janelas nos primeiros andares. Você tem que sentir que as extremidades da rua estão abertas para você. E que as pessoas estão olhando para você. É preciso projetar desde a linha de um prédio à do outro. Em vez de recuar o prédio cinco metros, construir direto na calçada. Deixa uns três metros livres na calçada. E aí põe uma árvore, depois a guia. E então decide: vou pôr uma ciclovia ou vou pôr os carros para estacionar aqui? Alguém precisa desenhar isso. Hoje, está por conta própria.

Folha - Nova York enfrentou resistência dos moradores para implementar a ciclovia do East Side?
Washburn - Tem havido um pouco de resistência. Mas isso é parte do processo de compreensão de como a mistura da via com as bicicletas funciona. Em minha perspectiva, o pedestre é o mais importante. Caminhar é a atividade mais importante na cidade. Tanto pelo lado cultural como pela sustentabilidade. Nova York tem muita sorte por lutar por ótimas ruas. Você conhece a música "Empire State of Mind", da Alicia Keys? É sobre caminhar em Nova York. Tem outra do Frank Sinatra. As ruas de Nova York são tão boas para andar que as pessoas escrevem músicas sobre isso.

Folha - O que torna a cidade "caminhável"?
Washburn - Entre os edifícios, há uma quantidade limitada de metros. Então é preciso decidir quantos metros para caminhar, quantos metros para árvores, quantos metros para bicicletas, para carros. Decidir que o pedestre é o foco é uma decisão política importante para a cidade. É por isso que Nova York é uma cidade vibrante. Caminhar na rua em Nova York é minha experiência favorita. O espaço público é muito importante para construir confiança entre as pessoas de todas as classes e etnias.

Folha - Como colocar o pedestre em primeiro lugar em uma cidade projetada para carros, como São Paulo?
Washburn - Cidades são projetos de longo prazo. Os carros estão em primeiro lugar há 50 anos. Agora é a vez do pedestre. É uma questão de equilíbrio, não de eliminação. Quando você toma a decisão de colocar o pedestre em primeiro lugar, você adota um ponto de vista. Você vê os problemas através dos olhos de um cidadão caminhando pela rua. Não são soluções mutuamente exclusivas. Por exemplo, como pedestre, é bom ter carros parados paralelamente à calçada. Eles formam uma barreira ao movimento da rua. Carros e pessoas podem andar juntos, mas a questão é perguntar primeiro ao pedestre.

Fonte: Vanessa Correa, “Caminhar é a atividade mais importante nas cidades”, Folha de S. Paulo, Poder, 29/8/11.

* Para ler a íntegra, clique aqui (é preciso ter senha do jornal ou do UOL).

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Cerca de 2.500 pessoas se reuniram na praça Vinicius de Moraes, em frente ao palácio do governo do Estado, no Morumbi, para protestar no fim de semana contra a violência e clamar por segurança. Foi provavelmente o maior ato público (e talvez o primeiro) patrocinado pelos moradores dessa parte rica da cidade.

O Morumbi se consolidou como bairro nobre - ou bairro "mais esnobe" - de São Paulo entre o final de 1960 e o início de 1970. Foi para lá que correu uma certa elite, a "elite do Milagre", fugindo do convívio urbano e dos problemas da cidade.

Com seus palacetes escondidos atrás de muros altíssimos, fortalezas de morar, o bairro se desenhou como sintoma e reação à inviabilidade da vida civilizada em São Paulo. O sonho do exclusivismo, da ostentação e da segregação social tinha naquela arquitetura de novo-rico, ao mesmo tempo monumental e sombria, a sua materialização.

É até irônico que a primeira residência do bairro tenha sido a Casa de Vidro, projetada por Lina Bo Bardi no início dos anos 1950 - um marco da arquitetura moderna paulistana e da sua ambição de se integrar simbioticamente à natureza. A evolução do Morumbi pós-1970 tratou de moer essa pequena utopia privada e outras ilusões.

O fato é que o bairro também já deixou faz tempo de ser a ilha da fantasia do novo-riquismo paulistano. A cidade real, com suas tensões e mazelas, o engolfou em poucas décadas: o trânsito local é muito ruim, a região foi povoada por favelas, as ruas sinuosas onde se enfileiram mansões à venda parecem mais inóspitas do que pacatas.

Muito longe de estar entre os lugares mais violentos da cidade, o Morumbi também não está no topo dos mais seguros. Até julho, registrou mais roubos de carros e roubos em geral do que Pinheiros e Perdizes, para citar dois exemplos.

A ascensão e a decadência histórica do bairro - à luz daquilo que aspirava- não deixam de ser um retrato do progresso à paulistana.

Fonte: Fernando de Barros e Silva, “O grito do Morumbi”, Folha de S. Paulo, Opinião, 31/8/11, p. 2.

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