Por que carros fabricados ou vendidos no Brasil chegam a atingir 200 km/h , 240 km/h , se a velocidade máxima permitida por lei nas estradas é de 120 km/h ?
A pergunta pode soar esdrúxula ou ingênua. Mas imagine, por exemplo, que empresas pudessem produzir e fazer propaganda da maconha na TV, sem que o consumo da droga fosse liberado. Sim, é apenas um devaneio. Mas, feitas as ressalvas, é mais ou menos isso o que ocorre em relação aos carros.
A propaganda promete ao motorista uma vida de aventuras, emoções fortes, possibilidades ilimitadas. Velocidade, potência, conforto, status, mil sonhos ao volante. O carro é um símbolo da masculinidade, um "veículo" de prestígio e ascensão social. Daí à sensação de onipotência a distância é curta.
Não é o caso, evidentemente, de responsabilizar apenas os fabricantes e a propaganda pelas tragédias do trânsito. Nem de excluí-los do problema. Não basta dizer, cinicamente, "dirija com moderação" quando está claro que há uma cadeia de estímulos à ilegalidade.
Apesar disso, o ponto principal está no comportamento de quem dirige, é óbvio. O carro se tornou uma espécie de arma e de armadura, com as quais as pessoas saem às ruas para fazer a sua "guerra de todos contra todos", como dizia o filósofo Thomas Hobbes a respeito da vida em estado selvagem.
As maiores vítimas dessa guerra são os pedestres. No ano de 2010, quase metade das mortes no trânsito ocorridas na cidade de São Paulo foram por atropelamento (46%). Os motociclistas vêm em segundo lugar - são 35% das vítimas, porcentagem que aumenta a cada ano.
As mortes de motoristas ou passageiros de carros correspondem a 15% do total (200 casos na capital paulista no ano passado). É uma marca que vem caindo - em 2005 foram 319 pessoas. Apesar de mais rápidos, os carros estão paradoxalmente mais seguros, o que é bom. Desde que não sejam, também, mais letais - para os outros.
Fonte: Fernando de Barros e Silva, “Problema dos outros”, Folha de S. Paulo, Opinião, 3/8/11, p. 2.
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