Trechos da entrevista da ensaísta argentina Beatriz Sarlo:
(...) A sra. diz que, nas viagens pela América do Sul, nos anos
1960/70, buscava uma "aura revolucionária" da região, como o Che
Guevara dos "Diários de Motocicleta". E que isso, hoje, seria
impossível. Por quê?
Eu acreditava, com ingenuidade, que minhas viagens por esses territórios me permitiam conhecer, em seu próprio teatro, os futuros sujeitos de uma revolução continental que julgava tão inevitável como próxima. Acreditava na autenticidade desses sujeitos e, mais, que meu olhar ia poder descobri-los. Sem ter lido Walter Benjamin, confiava na aura da experiência direta, em seu potencial de empatia. Não duvidava que era possível comunicar-me com etnias amazônicas ou mineiros bolivianos ou camponeses do altiplano, inclusive quando não falava suas línguas nem conhecia sua cultura. Pensava que entre eles e eu, uma universitária, não houvesse um abismo cultural. E se esse abismo se manifestava, minha aposta era que a experiência direta era capaz de tapá-lo. Tinha uma confiança cega na experiência. Isso me permitiu um conhecimento que só décadas depois pude organizar numa narrativa.
Eu acreditava, com ingenuidade, que minhas viagens por esses territórios me permitiam conhecer, em seu próprio teatro, os futuros sujeitos de uma revolução continental que julgava tão inevitável como próxima. Acreditava na autenticidade desses sujeitos e, mais, que meu olhar ia poder descobri-los. Sem ter lido Walter Benjamin, confiava na aura da experiência direta, em seu potencial de empatia. Não duvidava que era possível comunicar-me com etnias amazônicas ou mineiros bolivianos ou camponeses do altiplano, inclusive quando não falava suas línguas nem conhecia sua cultura. Pensava que entre eles e eu, uma universitária, não houvesse um abismo cultural. E se esse abismo se manifestava, minha aposta era que a experiência direta era capaz de tapá-lo. Tinha uma confiança cega na experiência. Isso me permitiu um conhecimento que só décadas depois pude organizar numa narrativa.
Quando a sra. lê sobre o que aconteceu a esses países hoje,
o que pensa?
Naquela época, a Bolívia foi o país que eu mais quis e admirei: povos subjugados e combativos, mineiros mobilizados por sindicatos trotskistas, uma central trabalhista em permanente conflito, nacionalismos de toda espécie. Voltei no começo dos anos 1970, quando estava governando o general Juan José Torres (1970-71), um militar anti-imperialista, e pensei em ficar lá. La Paz estava fervendo: centenas de camponeses, de mineiros, de trabalhadoras com seus filhos nas costas entravam e saíam da casa de governo. As mobilizações eram gigantescas. Pouco depois, em 1971, o general Torres foi derrotado [começa a ditadura de Hugo Banzer]. Assim terminava aquela etapa fugaz que me entusiasmou enquanto ia ocorrendo, como se a história passasse diante dos meus olhos. Custa para mim separar essas memórias do atual processo boliviano, especialmente das origens do presidente Evo Morales. Torres também era mestiço. No caso do Brasil, tínhamos uma ideia que não era tão diferente do que aconteceria nas décadas seguintes. Não sei por que intuição, acreditávamos na potência do Brasil, e sobretudo, em seu imaginário futurista. (...)
Naquela época, a Bolívia foi o país que eu mais quis e admirei: povos subjugados e combativos, mineiros mobilizados por sindicatos trotskistas, uma central trabalhista em permanente conflito, nacionalismos de toda espécie. Voltei no começo dos anos 1970, quando estava governando o general Juan José Torres (1970-71), um militar anti-imperialista, e pensei em ficar lá. La Paz estava fervendo: centenas de camponeses, de mineiros, de trabalhadoras com seus filhos nas costas entravam e saíam da casa de governo. As mobilizações eram gigantescas. Pouco depois, em 1971, o general Torres foi derrotado [começa a ditadura de Hugo Banzer]. Assim terminava aquela etapa fugaz que me entusiasmou enquanto ia ocorrendo, como se a história passasse diante dos meus olhos. Custa para mim separar essas memórias do atual processo boliviano, especialmente das origens do presidente Evo Morales. Torres também era mestiço. No caso do Brasil, tínhamos uma ideia que não era tão diferente do que aconteceria nas décadas seguintes. Não sei por que intuição, acreditávamos na potência do Brasil, e sobretudo, em seu imaginário futurista. (...)
Fonte: Sylvia Colombo, “Acreditava que, em viagens, conheceria sujeitos da revolução”, Folha de S. Paulo, Poder, 8/9/14.
0 comentários:
Postar um comentário