segunda-feira, 30 de julho de 2012 | |

Sobre as amizades virtuais

Me despeço de minha amiga com um abraço apertado. "A gente se fala" - ela diz, enquanto se afasta de mim fazendo um gesto no meio do peito. Por um momento, achei que ela ia fazer um desses coraçõezinhos de polegares com que as pessoas andam "espalhando amor" por aí. Seria muito estranho, pois ela não é nada afeita a esse tipo de modismo.

Aos poucos fui detectando o que suas mãos diziam. Mexia freneticamente os polegares no novo gesto que tomou conta da humanidade: o digitar de mensagens. Minha amiga falou "a gente se fala" dizendo que a gente não ia exatamente se falar.

Por quê?! Por que é que depois de tão delicioso encontro só nos restava aquele tipo de comunicação? Por que não fez o tradicional polegar e mínimo na orelha? Não queria falar comigo? Ela me ama, bem sei que ela me ama. Por que não me ligaria?

Me dei conta do quanto fomos rapidamente tomados. Eu mesma já exibo uma destreza inacreditável naquele teclado mínimo que jurei não servir pra nada. Ao decodificar o gesto de minha amiga, percebi que eu também já ardia na febre dos torpedos.

Mas por que será que levamos um tempão digitando mensagens e não telefonamos? Uns dizem ser mais barato, outros, mais objetivo.

Falam ainda de respeito à privacidade, da liberdade de responder quando quiser, milhões de desculpas para o conforto do isolamento.

Vivo agora com o queixo no peito, nariz na tela e as mãos cada vez mais rápidas nesse tricô tecnológico que, na maioria das vezes, leva mais tempo do que se eu ligasse pra pessoa. Por que não ligo, santo Deus!? Economia?

No meu caso, confesso que não. Desconfio que algo maior se esconde por trás de nossas letras virtuais.

Bem sei que a vida escrita é mais charmosa que a vida falada, mas acho que estamos sendo destreinados para o convívio. Estaremos cada vez mais rápidos com nossos dedos e cada vez mais lentos para sair delicadamente de uma situação constrangedora, por exemplo. Viraremos as costas e mandaremos um e-mail no dia seguinte?

Tenho medo de, no futuro, saber detectar gestos como o de minha amiga, mas não conseguir ler nem lidar com uma baixada de olhar, um pigarro, um brilho no olho ou um sorriso burocrático. Códigos clássicos do sutil alfabeto das relações humanas.

Um outro amigo diz que o único desconforto do isolamento é o buraco que fica no peito do animal que foi feito pra viver em bando. Vou ligar pra minha amiga. Melhor, vou marcar um novo encontro.

Fonte: Denise Fraga, "A gente se fala", Folha de S. Paulo, Equilíbrio, 10/7/12.

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