“Aha, uhu, a prefeitura é
nossa! Aha, uhu, a prefeitura é nossa!”
Os gritos - entoados em claro
tom de comemoração, copos de cerveja em mãos, uma boa dose de futurologia e, àquela altura, uma certa prepotência
– partiam de um grupo de petistas. No grupo, assessores e aliados do vereador
Ronei Costa Martins (PT), talvez o ícone do que se deu naquela noite quente no Legislativo limeirense.
Era já início da
madrugada de 25 de fevereiro de 2012. Horas antes, a Câmara de Limeira havia
cassado, pela primeira vez na história da cidade, por 10 votos a 4, o então prefeito Silvio Félix (PDT). Chegava ao fim uma longa e
desgastante batalha, iniciada em 24 de novembro de 2011 com uma operação do Gaerco
(grupo do Ministério Público especializado na repressão e combate ao crime
organizado) que levara à prisão familiares e assessores do pedetista.
Começava, naquele momento, o
processo eleitoral de 2012, que resultou em 7 de outubro na vitória de Paulo Hadich (PSB) para
prefeito e, como previam, os petistas na prefeitura, tendo o vice Antonio
Carlos Lima.
O processo eleitoral, porém,
não terminou aí. Um forçoso segundo turno se desenrola – e teve seu mais
recente episódio na sessão da última segunda-feira (24/6) na Câmara. O alvo na
ocasião foi Ronei, agora presidente do Legislativo, vereador com maior número
de votos na história de Limeira (12 mil), o mesmo que saíra como herói na noite de cassação de Félix.
Em pouco mais de um ano, de
herói a vilão. Pelo menos para o grupo que lotou o auditório da Câmara para dirigir
insultos ao petista e cobrar sua renúncia. O que se viu na ocasião foi uma
tentativa de linchamento moral do vereador, alvo de uma denúncia que pedia a
sua cassação.
Com um aparente constrangimento e um tanto de incredulidade, mesclado a um certo tom de desafio em alguns momentos, o Ronei
que se viu ali estava distante daquele herói saudado pela comunidade no final
de fevereiro de 2012. O Ronei que se viu na última segunda-feira era uma cópia
dos mais criticados governistas da era Félix – talvez encarnados na figura da
delegada Nilce Segalla (PTB), ex-vereadora que tomou à frente na defesa do
então prefeito.
Nilce era chamada de ladra.
Ronei foi chamado de ladrão. Nilce foi ofendida com palavras de baixo calão.
Ronei, idem. Nilce era acusada de corrupta. Ronei foi acusado de corrupto.
Pediram para Nilce sair. Pediram para Ronei sair. “Ih, fora! Ih, fora! Ih, fora!”,
repetiam os mais exaltados.
Ocorre que a trajetória política de ambos, Nilce e Ronei, é diametralmente oposta.
Ronei à frente, poucos metros, assistia a tudo ora impassível, ora buscando reagir sem bem saber como. Tentava,
em vão, retomar a sessão legislativa com a leitura das denúncias contra Hadich
e contra ele. Não conseguiu conter os ânimos de parte do público. Precisou
chamar a Guarda Municipal, com seus homens fardados, escudos à mão. Eles se
prostraram entre os vereadores e o público – que vaiou. Tempos depois, a GM se
foi. O público não. As ofensas e gritos de guerra seguiram.
Num gesto que poderia soar
como desespero, mas era a alternativa que restava diante do impasse, Ronei
usou da prerrogativa do cargo e anunciou o fim da sessão. Convocou os
vereadores para um novo encontro na próxima quinta-feira (27). Não chegou a convidar
os desafetos que gritavam contra ele, mas não era preciso. Deverão estar lá
novamente. Com a promessa de reforço da ala aliada ao vereador petista.
O clima em Limeira reproduz o
que se vê nas ruas do Brasil nas últimas semanas. Com um detalhe: tem-se, em
meio aos legítimos e justos protestos do povo, um grupo que busca fazer uso
político da situação. Foi o que se viu na Câmara na última segunda-feira. Um visível
e evidente confronto de forças políticas.
Há problemas em Limeira? Sim.
Há problemas no governo Hadich? Sim. Há motivos para abrir uma comissão
processante com o consequente afastamento do prefeito e uma eventual cassação
ao final? Não.
Da mesma forma em relação a
Ronei.
Que se façam todas as CPIs
(Comissão Parlamentar de Inquérito) necessárias – inclusive a das
consultorias, uma das reivindicações dos manifestantes. Em nome da
transparência. CPIs fazem parte até do jogo político. E o jogo deve ser jogado –
não da forma como se viu na última segunda-feira. Ali, o que se tentou, repito,
foi o linchamento moral de um vereador.
Que, por força das
circunstâncias, sim, mudou de lado, era oposição e hoje é governo. Aquele Ronei
contundente que se via na era Félix não existe agora (talvez seja questão do petista
repensar sua vida pública, pois fatos há que se cobrar neste e em qualquer
governo). De fato, não é fácil ser vidraça. Ronei sabia disso, mas não esperava passar pelo que passou na última segunda-feira. Chegou, por um momento, a pensar em outra saída para o episódio.
Ronei – e Hadich, como já
escrevi aqui – paga o preço das sementes que ajudou a plantar.
Não sei onde tudo isto vai
dar. Só sei que Limeira ganha quando o interesse público é colocado acima de todos os outros, mas só tem a perder quando interesses políticos se sobrepõem ao que de
fato interessa à sociedade. E pelo que vi na última segunda-feira na Câmara, o foco da ação
está errado, desvirtuado. Ao menos por parte do grupo que teve Ronei como alvo.
Em tempo: todos os demais 20
vereadores assistiram impassíveis aos ataques contra o petista. Talvez
não tenham se ligado que qualquer um deles pode ser a próxima vítima – ou o
próximo alvo.
Numa Câmara que cassou um
vereador com menos de seis meses de legislatura, tudo pode ocorrer.
PS 1: não tenho procuração
para defender Ronei, tampouco tenho compromisso com quem quer que seja. Apenas
considero que os motivos de enfrentamento devem ser outros – como os
professores cobrando melhorias na educação, o Passe Livre pedindo melhorias no
transporte, CPIs quaisquer e até eventuais questionamentos a respeito de promessas feitas por Hadich em sua campanha eleitoral.
PS 2: com todos os seus
defeitos, o Legislativo mantém-se – por “força de ofício”, digamos assim – exposto
à sociedade. É cobrado, fiscalizado e visitado com frequência. Lá é a “Casa do
Povo” afinal. Daí estar sujeito a pressões como a que se viu na última
segunda-feira. Dificilmente se verá cena semelhante no Executivo, que é mais
fechado (fisicamente falando), e no Judiciário, também fechado (fisicamente e institucionalmente
falando).
Soa um tanto injusto com os
vereadores. Pelo bem, pelo mal, eles estão lá dando a “cara para bater”. O Executivo, até segunda-feira
pelo menos, mantinha-se praticamente calado. Como se nada fosse com ele.
PS 3: apesar de todo o clima,
Ronei manteve-se no plenário e no auditório após a tumultuada sessão na
segunda-feira. Conversou até, com calma e paciência (o que não se via em alguns
assessores do petista), com jornalistas e pelo menos um opositor. Se o
presidente da Câmara já tinha se disposto a dialogar na sessão da última
quinta-feira (20), quando os manifestantes foram ao Legislativo pela primeira vez,
manteve a postura na ocasião em que foi o alvo principal dos protestos.
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