quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010 | |

Menos é mais: a cobertura de um incêndio

Menos é mais. Ouvi essa teoria diretamente do jornalista Bob Fernandes durante uma palestra num congresso da Abraji, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, em São Paulo. Quer dizer o seguinte: quando não se tem certeza sobre uma informação, melhor não divulgá-la. Entre o prestígio do furo e o risco da barriga, prefira a cautela.

Bob Fernandes deveria espalhar ainda mais essa teoria. Sempre que ocorrem tragédias ou situações tumultuadas, ela me vem à mente. Um exemplo disso aconteceu terça-feira (2/2/2010) em Limeira. Por volta das 17h, chegou à Redação da TV Jornal – e provavelmente a todas as demais – a informação de que um grande incêndio acontecia na cidade. Primeira versão: era uma fábrica de folheados na Avenida Costa e Silva. Naquele momento, um jornalista apressado erraria pela primeira vez.

Antes de continuar, cabe contar um caso do qual participei há cerca de dois ou três anos. Era editor-chefe do Jornal de Limeira e estava tudo dentro da normalidade naquela tarde na Redação. Até que um colega de trabalho apareceu anunciando em alto som: “Vocês viram o duplo assassinato em Cordeirópolis?”. Espantado, respondi negativamente. E ele, amigo meu, emendou: “Como não? Que diacho de jornalistas vocês são que não estão sabendo? Está na primeira página do UOL!”. Fui verificar. Estava mesmo.

Primeira providência (ante as cobranças superiores – e interiores - de que o site do jornal devia ser ágil): colocar a história na Internet. Feito. Segunda providência: contatar o repórter de polícia. Feito. Terceira providência: ligar para o Resgate e a polícia de Cordeirópolis para colher mais dados. Aí veio o alerta: na cidade vizinha, ninguém sabia de nada. O repórter de polícia retornou: ninguém com quem ele falou sabia da ocorrência. Por cautela, pedi que ligassem para a polícia de Limeira, pois o atendimento poderia ter sido feito por ela. Nada. Ordenei que a história fosse retirada do site de imediato. Era tarde. Cinco minutos depois, um e-mail chegou à Redação alertando para a “barriga” e, obviamente, criticando a pressa em colocar a história no ar.

Apostamos, erradamente!, na credibilidade do UOL e oferecemos ao público uma história sem checar. Um erro gravíssimo, dos mais graves que um jornalista pode cometer (claro que meu amigo ouve meus xingamentos até hoje por causa disso, embora a falha maior tenha sido nossa).

Voltando à história de terça-feira: rapidamente, três equipes da TV foram deslocadas para o local do incêndio com objetivos comuns no caso dos cinegrafistas (pegar o máximo de imagens) e distintos no caso dos repórteres (um faria um boletim para o programa que estava no ar, outra tentaria entrar ao vivo do local e outro prepararia a reportagem para o jornal da noite). Neste cenário, era óbvio que “informações” (ou versões) chegariam de todos os lados. Havia ainda pelo menos mais três pessoas na Redação buscando dados.

E os “dados” iam chegando. Era uma fábrica de folheados mesmo, mas não na Costa e Silva. E havia “pelo menos quatro pessoas feridas”. Estava posta a segunda oportunidade para errar. Dali a pouco uma “novidade”: era uma fábrica de tintas. Mais próximo da verdade, mas ainda impreciso.

Chegaram as primeiras imagens e deu para ver o nome de uma empresa no barracão: Jota Bello. Nova imprecisão, nova chance de erro. Um editor reparou que o fogo vinha do prédio ao lado, sem nome visível.

O que se vê até aqui é que a falta de apuração leva ao risco de uma série de erros.

Decidi ligar para o Pronto Socorro. Nenhuma vítima de incêndio havia dado entrada até aquele momento. Era preciso pisar no freio. O tempo ia passando e o “dead line” para entregar a matéria acabando. Nenhuma informação oficial, concreta, estava à disposição. Ninguém – polícia e Bombeiros – sabia dizer naquele momento com exatidão (repito, exatidão) o nome da empresa incendiada, a rua, o bairro, nada.

Procurei um colega e anunciei: não iria escrever um texto com informações que eu não tinha confirmado. Até aquele momento, não existia matéria.

A apuração da nossa equipe, porém, permitiu obter minutos depois o nome correto da empresa - Uniplastic. A partir daí, o endereço e o bairro. Surgiu um número mais realista de vítimas: uma, leve, e não “pelo menos quatro”. O quadro começava a se delinear.

Devido ao “dead-line” apertado e à precariedade das informações, não hesitei em aplicar a teoria do Bob Fernandes. Menos era mais naquela hora. A edição do “Jornal da Cidade” teve uma matéria de 1min27s com um relato básico do caso. Naquele momento, com o incêndio ainda ardendo, as imagens eram – e foram – o grande trunfo da edição. O texto não era suficiente para aqueles 1min27s, mas a habilidade dos editores fez com que o som ambiente ampliasse o que seria apenas uma nota.

Não consegui, obviamente, acompanhar os veículos que fizeram coberturas em tempo real. Imagino, porém, que todos que cederam à pressa para levar “informação” ou dar o furo cometeram deslizes (para não dizer graves erros). Eu, naturalmente, contava com a possibilidade da apuração para a edição do jornal, que iria ao ar só às 19h30. No ao vivo, a hora é agora. Ainda assim, até no ao vivo (seja no rádio, na Internet ou na TV), menos deve sempre ser mais.

Não se deve permitir que a pressa atropele a exatidão. Em nome de nada! Sob risco do produto final deixar de ter o selo de “jornalismo”. Ao menos de jornalismo responsável e de credibilidade.

* O episódio reforçou a certeza de que televisão é efetivamente um trabalho em equipe. De nada valeria nosso esforço de apuração num caso como esse se nossos cinegrafistas Vinícius Cuccio, Jackson Marques e Rodrigo Pereira não tivessem obtido as melhores imagens.
Aliás, ainda a esse respeito, de nada vale o repórter fazer um belo texto bem casado com as imagens se estas não existem ou não têm qualidade. “Sua matéria fica um lixo”, como disse um editor...

PS: o caso incêndio me fez lembrar o acidente com o avião da TAM em Congonhas. Primeira versão da TV: avião de carga, ninguém a bordo. Segunda versão: mais de 200 mortos. Fim da noite, horas após a tragédia: ainda mais de 200 mortos em alguns veículos, 199 em outros. No fechamento do Jornal de Limeira na época, preferi o “menos é mais”. Afinal, numa tragédia, o jornalismo aceita que o número de vítimas possa crescer, diminuir nunca...

3 comentários:

Carlos Giannoni disse...

“Sua matéria fica um lixo”, como disse um editor...

Acho que fui eu quem disse isso.
Mas acho que você concorda né?

Rodrigo Piscitelli disse...

Concordo, infelizmente...

Cristiano Persona disse...

hahahahaha esse post me fez dar boas risadas... lembro perfeitamente desse dia no JL!

Mas a minha informação era correta, a matéria estava na capa do UOL!!!! hahahahaha

[]´s