Era final de março de 2002, provavelmente dia 29. Eram fortíssimos os rumores de que o então prefeito de Limeira, o empresário Pedro Teodoro Kühl (PSDB), o primeiro reeleito sucessivamente na história da cidade, iria renunciar ao mandato para ser candidato a deputado federal. Há tempos o tucano vinha reclamando que a cidade deixava de ganhar muito com a ausência de um representante em Brasília (o último deputado federal limeirense foi Jurandyr Paixão Filho, o Jurinha, que deixou o cargo em 1998).
Com a autoconfiança e um certo grau de messianismo que sempre lhe foram característicos, Kühl arvorou-se o dever de sanar este problema, ainda que parecesse uma tarefa insana para quem um ano e seis meses antes havia sido aclamado pelas urnas para manter-se no cargo mais alto do Executivo limeirense por mais quatro anos. Nos bastidores políticos, a possibilidade da renúncia era ao mesmo tempo provável (para quem conhecia o prefeito) e impensável (para quem conhecia o cenário eleitoral, uma candidatura que exigia algo em torno de 120 mil votos).
Para quem achava-se na condição de ser candidato a vice na chapa do então governador Mário Covas (PSDB), porém, a candidatura a deputado soava como plausível – sensação provavelmente reforçada pelo cordão de puxa-sacos que cercava o então chefe do Executivo municipal.
Deste cordão não fazia parte o vice-prefeito. José Carlos Pejon nunca fora amigo (na correta acepção do termo) de Kühl. Então no PSDB após um acordo político que o levou em 1996 a apoiar a candidatura do empresário à prefeitura, Pejon havia comandado a Secretaria da Habitação durante o primeiro mandato do colega tucano.
O rompimento do prefeito com o então vice Paulo Brasil Batistella (PL, hoje PR), que saiu candidato ao Executivo em 2000 contra seu ex-colega de chapa e de governo, fez com que o PSDB optasse por uma chapa pura na disputa reeleitoral. E a escolha recaiu sobre Pejon – naquele momento, o candidato a vice talvez nunca tivesse imaginado que em breve comandaria a prefeitura.
Um ano e três meses depois da posse, Pejon continuava não acreditando naquela hipótese. Em entrevista ao programa “Fatos & Notícias”, da TV Jornal, nesta quinta-feira (4/2/2010), ele admitiu que considerava a ideia da renúncia em prol de uma candidatura a deputado um grande risco. “Uma aventura”, em suas palavras.
Mas Kühl insistia na ideia e os rumores só aumentavam.
Aproximava-se o prazo exigido pela lei para que o então prefeito deixasse o cargo (a tal desincompatibilização). Pejon via cada vez mais perto a chance de realizar um sonho nutrido desde sua candidatura a prefeito em 1992 (quando – apoiado pelo prefeito da época, Paulo D´Andréa - competiu contra Kühl, então em outro partido, e contra o ex-prefeito Jurandyr Paixão, que venceu; houve ainda um candidato do PT, não me recordo se Wilson Nunes Cerqueira ou Neide Mansur).
Em uma das salas do núcleo duro do governo municipal, Pejon vivia uma certa perturbação. Uma mistura de expectativa e dúvida. Estava a poucas horas de se tornar prefeito, mas não conseguia conceber a renúncia do colega. O vice decidiu, então, ter uma conversa “olho no olho”, como classificou na entrevista ao “Fatos”, com Kühl. Dirigiu-se ao gabinete do prefeito e pediu para conversar.
Pejon foi direto: “Pedrinho, está todo mundo falando da sua renúncia. Você vai mesmo renunciar? Pense bem porque, olha, eu sou o maior interessado, mas a candidatura me parece um cenário difícil”. Kühl também foi direto (algo não tão comum na personalidade do ex-prefeito, aliás na de qualquer tucano...): “Pejon, pode ter certeza. Vou renunciar e vou me eleger deputado federal”.
Ali, naquele momento, Pejon teve realmente certeza de que o sonho de uma década antes seria realizado. Ainda como vice, ele chegou em sua casa à noite e comunicou a esposa Silvia que dali alguns dias seria o novo prefeito de Limeira – e ela, por tabela, a primeira-dama. Houve uma modesta comemoração em família, admitiu Pejon.
Dois dias depois, em 31 de março, Kühl enviava à Câmara Municipal sua carta de renúncia. Ele cumpria assim a primeira parte da afirmação que fizera ao vice naquela conversa reservada. No dia seguinte, 1 de abril, Dia da Mentira, Pejon era empossado prefeito de Limeira. A cidade tinha um novo chefe, num dos capítulos mais inusitados de sua história política recente.
O resto da história é conhecido: na eleição de outubro de 2002, Kühl teve 67.524 votos, insuficientes (de longe) para dar-lhe uma cadeira na Câmara Federal. Foi apenas o 21 mais votado na coligação PSDB-PSD-PFL (hoje DEM). O ex-prefeito deixava de cumprir a segunda parte da afirmação. Por sua vez, as previsões de Pejon se confirmavam: a candidatura revelou-se uma grande aventura. Uma aventura de preço alto, o preço da renúncia, que Kühl pagará pelo resto de sua vida.
PS: na entrevista ao “Fatos”, questionado sobre a nota que daria ao seu governo numa escala de zero a dez, Pejon apontou sete. Foi a mesma nota que deu ao governo Silvio Félix (PDT). Justificou que, embora o atual prefeito tenha uma popularidade muito maior do que a dele, “o tempo é o senhor da razão” (expressão que havia sido citada momentos antes por mim).
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010 | Postado por Rodrigo Piscitelli às 20:12 |
A história secreta de uma renúncia
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