A novela "A Favorita" está provocando tensão. Assisti ao capítulo de segunda-feira e fiquei "cansado". Fui falar com minha mãe e a sensação dela era a mesma. Ou seja: a novela consegue mexer com os nervos, com os sentimentos. Pode parecer banal, mas não é. Este aspecto é o que dita o sucesso ou o fracasso de uma produção - o envolvimento emocional do público.
Comecei a ver "A Favorita" desde o começo. Depois, por questões de horário, desinteressei-me. Agora, voltei a vê-la. Não se trata, obviamente, da melhor novela de todos os tempos - talvez nem pretenda ser. Não se nega, porém, que João Emanuel Carneiro tem um texto primoroso. Saborosamente primoroso. Não há diálogo desperdiçado, como não há trama desperdiçada. "Ele não economiza trama", observou a atriz Patrícia Pillar no "Domingão do Faustão" de anteontem. Segundo ela, é a novela-tanquinho, não tem barriga, enrolação. Quando se pensa que acabou, tem mais.
Claro que, como toda trama, há várias licenças artísticas. Apesar de tantos crimes, por exemplo, a polícia é inexistente. A investigação fica mesmo a cargo do super Zé Bob, o "ídolo" de todos os jornalistas.
Voltando ao principal, os capítulos dos últimos dias têm sido especiais. A cena da morte do Gonçalo foi primorosa; a do reencontro dele com o neto desaparecido há anos, idem; a explosão de raiva do Halley no capítulo desta segunda-feira foi chocante.
Em meio a tanta coisa boa, há um ator/personagem que está roubando a cena. O Silveirinha, vivido por Ary Fontoura, é o cinismo em pessoa. No capítulo de ontem, houve uma cena exemplar - e que indica o capricho de toda a produção, a atenção ao detalhe, o refinamento. Flora comemorava sua indicação ao conselho da empresa quando prometera recompensar seus aliados. Silveirinha perguntou o que ela lhe reservava. A resposta, cínica: um uniforme novo e um aumento. Eis que Flora fica sabendo da ida de Halley ao rancho, tem um acesso de raiva e atira a taça de champanhe contra a parede. Sutilmente, Silveirinha (que acabara de ser humilhado) leva sua taça de champanhe à boca. Perfeito! Simples e complexo. Paradoxal.
Há que se registrar também o desempenho de Patrícia Pillar. O olhar dela ao abraçar Irene (Gloria Menezes) após ser convidada para integrar o conselho da empresa foi algo fabuloso, digno de análise psiquiátrica.
"A Favorita" lida com os mais sórdidos sentimentos humanos. E desperta no telespectador estes sórdidos sentimentos, ou como diria Roberto Jefferson, os instintos mais primitivos. Como novela é uma catarse coletiva, como já escreveram os especialistas, ninguém sairá por aí colocando em prática instinto algum. Graças a Deus!
Como eu não gosto de mocinhos e bandidos, se eu fosse o autor, encerraria a trama com a Flora bem de vida, morando em Paris, encontrando o Dodi (Murilo Benício) e ambos iniciando um novo ciclo de trapaças. Como a teledramaturgia não é assim, é bem provável que ela morra no final. Se assim for, prevalecerá a sensação de punição que satisfaz a nós, brasileiros, cansados de tanta impunidade - ainda que a "justiça" seja pura ficção.
Em tempo: será que, como Flora encanta muitas pessoas com sua aparente bondade, nós podemos também sermos encantados por pessoas desse tipo ao nosso redor? Existem "Floras" por aí?
2 comentários:
e como tem " Floras" por aí....
Também não estava assistindo "A Favorita" por questão de horário. Nunca dá muito certo de poder acompanhar algum folhetim. Meu Deus, mas está imperdível. Patrícia Pillar está superando todas as expectativas. Não que não achasse ela boa antes, acho que Pillar faz parte daquelas boas atrizes que existem em nosso país comprometidas com o desempenho e em muito mais do que ser apenas um rostinho bonitinho. Ela não é uma vilã comum. Não são todas as pessoas que sabem quem ela é, pelo contrário. Ela se faz de tonta, sonsa, boazinha... Mas seu olhar, seus gestos, seu silêncio... Ah! Ela é simplesmente maravilhosa. A cena da morte do Gonçalo foi uma das melhores dos últimos tempos. E os capítulos têm sido tão tensos que realmente cansam. Na segunda mesmo, depois de ter assistido, fiquei com dor nas costas, uma dor tensa. Enfim, está demais! É uma aula para quem gosta de dramaturgia!
Ah, caso dê, vá ver o nosso Natal no Ed. Prada na sexta-feira. Tá uma graça!
abraços.
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