Tenho amigos que sofrem com excesso de peso. E entram em
dietas loucas para abaterem a carga. Disparate. Será que eles não sabem que a
melhor forma de melhorar a figura é abraçar a paternidade?
Fui pai há dois meses. Perdi cinco quilos. Inevitável: não é
possível ser escravo de um pequeno e adorável tirano com 3,5 kg impunemente. O
meu filho é o meu "personal trainer", 24 horas por dia, sete dias por
semana.
O treino começa logo de manhã. Manhã? Melhor escrever
"madrugada". Ele chora. Ele mama. Ele acalma. E, depois desse
processo, qualquer pai moderno encontra a primeira prova olímpica da sua vida:
o lançamento de arroto. Desconhecia a modalidade, mas explico aos iniciados:
consiste em colocar o bebê em posição vertical e esperar, com uma atenção
psicótica, que ele simplesmente arrote depois do repasto.
Confesso dificuldades no processo: entre vários ruídos
guturais, como distinguir o som claro, vibrante, inconfundível de um arroto? Há
discussões conjugais a respeito. "Ele já arrotou?", pergunta a mãe.
"Não tenho a certeza", responde o pai. E ficamos os dois à espera de
Godot.
Quando ele milagrosamente aparece, há uma alegria lavada em
lágrimas. Quem diria que o ser humano, no fundo, precisa de tão pouco para ser
feliz?
E quem fala em arroto, fala em dormir. Tradicionalmente, as
pessoas religiosas rezam antes de fecharem os olhos. Com um bebê, é o inverso:
primeiro ele fecha os olhos, e depois os pais rezam. Mas até na oração é
preciso cuidado. "Para de respirar!", já escutei da mãe exausta.
Eu me afasto do berço como uma bailarina do Bolshoi. Mas os
imprevistos acontecem: um objeto que cai; um som vindo da rua; um osso do nosso
corpo que estala. Ele acorda, e nós percebemos que o paraíso esteve quase,
quase ao nosso alcance.
Melhor mudar de cenário. Mas um bebê não muda apenas de
cenário: ele precisa de uma comitiva para o efeito. Berço, banheira, roupa,
comida, carrinho – nem a corte portuguesa, quando fugiu para o Rio de Janeiro
em 1808 com medo dos franceses, conseguiria igualar a logística de um
recém-nascido.
E quando conseguimos enfiar tudo dentro do carro, prontos
para partir, o pequeno rei adormece. Podemos falar a sério?
Aconselho a experiência a amigos relutantes. E não apenas
por motivos estéticos. Antes disso, temos os éticos: um bebê anula as nossas
patéticas vaidades.
Aliás, por falar em vaidade, ela é a primeira a ser jogada
pela janela. No princípio, trocava de camisa umas três vezes ao dia. Não mais.
Habituei-me às nódoas de leite e só mudo de traje quando a roupa virou farrapo.
(...) O que me leva ao delicado tema da intimidade entre o
casal.
"Tudo como dantes?", perguntam os amigos ansiosos.
"Melhor que nunca", respondo. No dia 12 de julho – oh Deus, lembro-me
como se fosse hoje! – consegui dormir com a minha senhora quatro horas sem
interrupções.
Quando despertamos, embriagados de tanto prazer, a pergunta
era inevitável: "Querida, foi tão bom pra você como foi para mim?".
De resto, há um erro comum que os casais cometem quando
chega um filho ao ninho conjugal: abandonar outros interesses. Jamais cedi à
tentação. Cinéfilo desde sempre, continuo a consumir filmes com a mesma
regularidade.
A única diferença é que passei a prestar atenção a outros
pormenores artísticos. Como os créditos iniciais (quando adormeço) e os
créditos finais (quando desperto). Quem precisa de enredo, personagens,
diálogos e outras minudências que existem lá pelo meio?
E eis que a noite cai. E eis que se mudam fraldas. Nenhum
drama: o momento só é problemático para quem gosta de pedir esparregado em
restaurantes. Nunca foi o meu caso.
Prefiro olhar para o pequeno homem que me olha fixamente. E
que concede um sorriso só para aumentar o "síndrome de Estocolmo" de
que sofro com prazer masoquista. (...)
Fonte: João Pereira Coutinho, “Pai aos 40”, Folha de S. Paulo, Ilustrada, 4/8/15.
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