O editor-executivo da "Folha de S. Paulo", Sérgio Dávila, fala sobre os desafios do jornalismo impresso na era digital e das experiências do jornal cuja Redação ele comanda:
A “Folha” foi pioneira no
Brasil no sistema de “paywall” (“muro de pagamento”, na tradução literal, a
cobrança pelo conteúdo da Internet a partir de uma cota grátis mensal) e parece
que os resultados têm sido positivos. Ainda assim, o jornal impresso continua
sendo visto – e a própria ex-ombudsman Suzana Singer escreveu isto – como um
registro do passado. Você concorda com esta visão? O que pensa da função do
jornal impresso hoje?
Sérgio Dávila – Acho que o jornal
impresso está ganhando cada vez mais um papel de um resumo bem feito do passado, do último ciclo de 24 horas, mas mais do que isto cada vez mais uma
interpretação bem feita do que aconteceu e indicando caminhos do que pode vir a
acontecer. Esta tentativa do jornal de ser um farol do que vem por aí é
fundamental para o leitor e o leitor sabe valorizar isto no produto impresso.
Outra coisa que o produto
impresso tem, pelo próprio formato, pela própria característica do meio, (é) empacotar muito bem o que é importante naquele momento no país, o que vai dar
agenda naquele momento no país e no mundo. Isto acho que o jornal impresso faz muito
bem.
A gente tende a pensar, eu
mesmo já cometi este erro outras vezes, que eles são excludentes, o impresso e
o digital. Eles não são excludentes, eles são complementares. Um tem um papel, sem
trocadilho, e o outro tem outro, mas eu não vejo um brigando com outro. Pelo
contrário. Acho que você pode agir de determinada maneira e se comunicar de
determinada maneira no digital e de outra no impresso, eles vão se
complementando.
Fora o “paywall”, você
conhece alguma outra experiência que seja bem sucedida a este respeito no mundo?
Dávila – Por exemplo: ações
comerciais “casadas” multiplataforma. Você anuncia no jornal impresso e faz uma
ação comercial no site, no tablet, no "mobile". Isto eu tenho visto acontecer na Europa
e nos EUA com sucesso. Já acontece em menor medida no Brasil e acho que vai
começar a acontecer mais intensivamente.
Inclusive em coberturas? A “Folha”
fez o projeto “Belo Monte” que foi muito bem executado...
Dávila – Este tipo de
cobertura como Belo Monte, que foi complementar, é um exemplo do que eu queria
dizer dos meios complementares. A gente fez um caderno impresso, mas você tem
lá também o site com outros recursos, com multimídia, com vídeo, com fotos,
etc. Você pode ter os dois, você pode consumir um ou outro, você sai bem
informado dos dois.
Este tipo de iniciativa, de
você pegar um assunto e esgotar um assunto da maneira mais didática e atraente
possível, começa a atrair os anunciantes. Quando você pega temas relevantes, do
tipo Belo Monte que a gente fez, o Golpe de 64 que a gente fez e outros que a
gente está planejando para este ano, você acaba atraindo o anunciante. O anunciante
fala: “bom, este produto é de qualidade, ele atrai um público de qualidade e eu
quero anunciar neste produto”. A gente acha que este é o caminho.
Nas últimas reformas gráficas
de jornais, eu até assisti a uma palestra do Chico Amaral (designer responsável
pela reformulação gráfica do “Estadão”) na qual ele disse que a base das
mudanças foi considerar que o jornal é um produto para quem gosta de ler, a “Folha”
seguiu um modelo contrário. O jornal não ficou telegráfico demais?
Dávila – Tem uma questão que é a seguinte: o
mundo está ficando digital, mas o leitor continua analógico. E ele continua
tendo 24 horas por dia para consumir a informação. Então você tem que entrar
no “slot” que este leitor dedica à informação, seja uma hora, duas, três, com o
melhor produto feito da melhor maneira que você puder. Se ele preferir o
impresso, você está lá no impresso. Se ele preferir o digital, você está lá no
digital. A nossa reforma gráfica, esta última a que você se referiu, tem este objetivo por trás, que é: não importa onde o leitor consumir a marca “Folha” ele vai saber que é um conteúdo da “Folha”. Esta era a ideia. A não ser que ele estiver no jornal e fala: “bom, aqui está a ‘Folha de S. Paulo’”. Se ele cai numa matéria na Internet ele fala: “bom, é uma matéria feita pela ‘Folha de S. Paulo’”. Se ele abre um tablet ou recebe um torpedo no “mobile”, ele sabe: “bom, isto vem do jornalismo da ‘Folha’ com os seguidos preceitos e princípios editoriais da ‘Folha’”. Esta era a nossa ideia. Foi criticada por alguns, mas foi elogiada pela ampla maioria, do leitorado inclusive. Então parece que funcionou.
A gente tinha uma avaliação que as plataformas eram muito dissociadas, você não tinha claro que eram todas as plataformas, todo o conteúdo feito por uma mesma empresa, agora parece que isto está mais claro.
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