sexta-feira, 29 de novembro de 2013 | |

Nós e a cidade (ou "Que cidade queremos, afinal? - 2")

Uma cidade viva é feita de esquinas, pontos de encontro e gente nas ruas. A definição da escritora norte-americana Jane Jacob, no livro Morte e Vida de Grandes Cidades (1961), é ignorada nas metrópoles brasileiras, que seguem erguendo edifícios cada vez mais altos, isolados por muros de concreto e espaços infindáveis para garagens.

A verticalização foi há anos recomendada por urbanistas e empresários da construção civil como melhor forma de aproveitamento da infraestrutura de redes de água, esgoto, energia elétrica, cabos telefônicos e sistema viário. No entanto, as cidades estão sendo tão dramaticamente asfixiadas por congestionamentos, que está mais do que na hora de reexaminar esse conceito. Mesmo municípios de pouco mais de 300 mil habitantes começam a acusar engarrafamentos até na saída da garagem de condomínios.

(...) “Prédios isolados com muros e vários andares de garagem são um equívoco, uma negação da cidade”, adverte Valter Luís Caldana Jr., da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie. É possível adensar sem verticalizar, diz ele, por meio da alteração dos recuos das laterais e dos fundos do terreno, como em Barcelona e Paris: “Tudo depende de pensar a cidade junto com a rua, calçadas largas e arborizadas, e ocupação do andar térreo como fator de oxigenação do sistema”.

No entanto, desde os tempos de Colônia, a ocupação das áreas urbanas no Brasil tem sido marcada por improvisos e enorme irracionalidade.

Fonte: Celso Ming, “Para o alto e para o caos”, O Estado de S. Paulo, 9/11/13.

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(...) Como uma cidade pode ser moldada segundo interesses econômicos, regras burladas e brechas no sistema?
NIREU CAVALCANTI - Isso não é restrito a São Paulo. As cidades brasileiras estão sendo administradas de uma forma profundamente desvirtuada do interesse público e da função pública. As cidades perderam a continuidade administrativa - e assim, fortunas são jogadas fora. Temos 5.600 municípios no Brasil. Entra um prefeito novo e interrompe o projeto do prefeito anterior, para atender aos interesses de seus aliados e de quem financiou sua campanha. (...)

O que está acontecendo?
NIREU CAVALCANTI - As cidades continuam crescendo sem planejamento nem responsabilidade. Há apenas ações pontuais. "Vamos fazer uma estação de metrô no bairro tal, pois a pressão popular está forte". Mas e um projeto para promover mobilidade urbana para todos? Isso não é discutido. (...)

No fim, a quem pertence a cidade?
NIREU CAVALCANTI - A cidade virou uma mercadoria. Está nas mãos de grupos econômicos e políticos. Direi algo agressivo, mas real: a cidade pertence aos extremos, a elite e a favela. Eles podem tudo. Uns moldam como querem o espaço urbano com o poder econômico. Outros ocupam a cidade irregularmente, como podem, como querem, com a birosca, o gato, o negócio - e, ao mesmo tempo, são alvo demagógico preferencial dos políticos. Nós, a cidade, as classes médias, os trabalhadores com endereço fixo e carteira assinada, ficamos achatados entre eles. Os políticos querem agradar aos extremos, os muito ricos e os muito pobres. Quem está no meio, fica no meio.

Fonte: Juliana Sayuri, “Cidade dos extremos”, O Estado de S. Paulo, Aliás, 10/11/13.

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