Uma cidade viva é feita de esquinas, pontos de encontro e
gente nas ruas. A definição da escritora norte-americana Jane Jacob, no livro Morte
e Vida de Grandes Cidades (1961), é ignorada nas metrópoles brasileiras,
que seguem erguendo edifícios cada vez mais altos, isolados por muros de
concreto e espaços infindáveis para garagens.
A verticalização foi há anos recomendada por urbanistas e empresários
da construção civil como melhor forma de aproveitamento da infraestrutura de
redes de água, esgoto, energia elétrica, cabos telefônicos e sistema viário. No
entanto, as cidades estão sendo tão dramaticamente asfixiadas por
congestionamentos, que está mais do que na hora de reexaminar esse conceito.
Mesmo municípios de pouco mais de 300 mil habitantes começam a acusar
engarrafamentos até na saída da garagem de condomínios.
(...) “Prédios isolados com muros e vários andares de
garagem são um equívoco, uma negação da cidade”, adverte Valter Luís Caldana
Jr., da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie. É
possível adensar sem verticalizar, diz ele, por meio da alteração dos recuos
das laterais e dos fundos do terreno, como em Barcelona e Paris: “Tudo depende
de pensar a cidade junto com a rua, calçadas largas e arborizadas, e ocupação
do andar térreo como fator de oxigenação do sistema”.
No entanto, desde os tempos de Colônia, a ocupação das áreas
urbanas no Brasil tem sido marcada por improvisos e enorme irracionalidade.
Fonte: Celso Ming, “Para o alto e para o caos”, O Estado de
S. Paulo, 9/11/13.
***
(...)
Como uma cidade pode ser moldada segundo interesses econômicos, regras burladas
e brechas no sistema?
NIREU
CAVALCANTI - Isso
não é restrito a São Paulo. As cidades brasileiras estão sendo administradas de
uma forma profundamente desvirtuada do interesse público e da função pública.
As cidades perderam a continuidade administrativa - e assim, fortunas são
jogadas fora. Temos 5.600 municípios no Brasil. Entra um prefeito novo e
interrompe o projeto do prefeito anterior, para atender aos interesses de seus
aliados e de quem financiou sua campanha. (...)
O
que está acontecendo?
NIREU
CAVALCANTI - As
cidades continuam crescendo sem planejamento nem responsabilidade. Há apenas
ações pontuais. "Vamos fazer uma estação de metrô no bairro tal, pois a
pressão popular está forte". Mas e um projeto para promover mobilidade
urbana para todos? Isso não é discutido. (...)
No
fim, a quem pertence a cidade?
NIREU
CAVALCANTI - A
cidade virou uma mercadoria. Está nas mãos de grupos econômicos e políticos.
Direi algo agressivo, mas real: a cidade pertence aos extremos, a elite e a
favela. Eles podem tudo. Uns moldam como querem o espaço urbano com o poder
econômico. Outros ocupam a cidade irregularmente, como podem, como querem, com
a birosca, o gato, o negócio - e, ao mesmo tempo, são alvo demagógico
preferencial dos políticos. Nós, a cidade, as classes médias, os trabalhadores
com endereço fixo e carteira assinada, ficamos achatados entre eles. Os
políticos querem agradar aos extremos, os muito ricos e os muito pobres. Quem
está no meio, fica no meio.
Fonte: Juliana Sayuri, “Cidade dos extremos”, O Estado de S. Paulo, Aliás, 10/11/13.
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