segunda-feira, 4 de junho de 2012 | |

"'Integrar as pessoas da cidade coíbe a violência', diz arquiteto"

José Armênio de Brito Cruz, 52, assumiu no começo deste ano a presidência do departamento paulista do IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil) com uma festa em pleno centro de São Paulo e a meta de mostrar à sociedade que os arquitetos conhecem as técnicas para construir uma cidade melhor.

Formado em 1982 pela FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP), Cruz é fundador do escritório Piratininga, autor de projetos como a reforma da biblioteca Mário de Andrade e o conjunto Comandante Taylor, em Heliópolis.


Ele diz que a segregação dos condomínios fechados é uma das causadoras da violência e afirma que é preciso as regiões da cidade sejam ocupadas por pessoas de todas as classes sociais.


Folha - Qual é a cidade que estamos construindo? Nessa "nova cidade" tem arquitetura?

José Armênio de Brito Cruz - O importante nessa questão da construção da cidade é a população compreender que a cidade é fruto dela própria, da população mesmo. A população não é vítima da cidade. A sociedade não é vítima da construção que faz do espaço que ela habita. A cidade é fruto, justamente, dessa correlação de forças da sociedade, dessa ação da sociedade, dos desejos da sociedade, dos desígnios que a sociedade coloca para esse espaço. E a arquitetura é o instrumento para que a sociedade possa definir as direções que essa cidade vai tomar. O arquiteto tem esses instrumentos, essa técnica.

Que tipo de técnica, por exemplo?

Por exemplo, entender o que significa como fortalecer o comércio de rua. Saber que o foco de um imenso shopping center vai, no área circunvizinha considerável, enfraquecer este comércio de rua.

Houve um tempo em que todo mundo queria shopping.

Todo mundo querer os shoppings... Um shopping center, como espaço de mercado, pode ser uma coisa positiva. Nós temos histórias de mercados lindos, como o mercado de São Paulo, Porto Alegre tem um mercado muito bonito. São os espaços do comércio. Mas na hora que o shopping center começa a chegar no mercado como uma esponja e suga a força comercial da circunvizinhança, isso tem de ser uma decisão da sociedade.

A sociedade tem de ter consciência do que está fazendo. As coisas não são ruins ou boas a princípio. Tem de ser uma decisão da sociedade. A sociedade tem de saber quais as consequências dessa tomada de decisão, para não ficar com áreas deterioradas, não ficar com áreas em desuso, porque isso é um custo para a sociedade e começa a gerar vícios no uso do espaço.


Também houve um tempo em que condomínios fechados eram moda, e agora há uma discussão de que isso deve voltar a se integrar a sociedade.

Essas afirmações que você diz, da moda, vamos entender isso enquanto afirmações de direções. O condomínio fechado é uma privatização do espaço. Aqui, só entra quem é dono. Isso, para a cidade, não é bom, porque a partir do momento em que você diz que aqui só entra quem é dono você está dizendo que milhões de pessoas estão ficando fora.

Talvez, esse milhão de pessoas não fique muito contente de ficar fora daquele espaço. Existem teses na USP que já evidenciaram que, ao mesmo tempo em que cresceram os condomínios fechados, a violência também cresceu. A segregação, tecnicamente, é um elemento que aumenta a violência. Seja a segregação do rico no condomínio fechado, seja a reprodução disso nas camadas mais pobres, a integração é contra a violência.


Mas não é essa cidade que a gente está construindo, dos shoppings centers e dos condomínios fechados?

Tenho que concordar com você. Infelizmente é, porque é uma atitude não nacional. É como se esse nosso espaço, o nosso território, não fosse da nossa população. Na hora que nós assumirmos esse território como da nossa população, o jogo vai começar a acontecer de forma mais justa, de forma mais clara, e a violência tende a diminuir. Na hora que os espaços públicos estiverem qualificados e devidamente ocupados pela população... Nós fizemos aqui na nossa posse uma festa. 1.500 pessoas aqui na esquina, nessa região que é tida como o centro, o pessoal fala aí... Nem um problema. Começamos às quatro horas da tarde, terminamos pontualmente às 22 horas, 1.500 pessoas, três bandas de rock tocando, os bares todos abertos, servindo, acabou todo o estoque de cerveja da região, nem um problema. O que eu quero dizer?

Essa exposição, essa disposição em qualificar a cidade, na verdade, é a disposição de ver que nós somos uma sociedade que tem diferenças. Diferenças econômicas, diferenças culturais, mas que pode conviver. Essa é a nossa convicção, que a arquitetura se insere na sociedade dessa forma. Esses vícios do condomínio fechado, da segregação, são vícios que nunca foram definidos pelos arquitetos. Talvez alguns projetos sejam feitos, mas os arquitetos, aqui no instituto de arquitetos, nunca defenderam essa segregação.


Fonte: Evandro Spinelli, "Folha de S. Paulo/UOL", 4/6/12, p. A14.


* Para ler a entrevista na íntegra, clique aqui.

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