De volta às ruas, manifestantes do MTST protestaram por mais moradia em São
Paulo. Diante da cidade atual, fragmentada em diversos problemas (violência,
trânsito, moradia, mobilidade, cracolândia, etc.), o caos de São Paulo é
irreversível?
(Antonio Risério) - É reversível, desde que não sejamos
irresponsáveis. Atravessamos a maior crise urbana da história brasileira. E
nossos governantes, numa verdadeira marcha da insensatez, abrem mão da reforma
urbana. Ninguém ouve mais falar da grande reforma urbana nacional que a presidente
Dilma Rousseff se comprometeu a fazer. As promessas não se traduziram em
práticas. O programa Minha Casa, Minha Vida constrói hoje as favelas do futuro.
Em São Paulo, Fernando Haddad lançou o projeto Arco do Futuro, mas logo o jogou
no lixo. O Brasil é um país que, por flexibilidade ou por hipocrisia, chega
muito fácil a certos consensos, mas não realiza as coisas. É por isso que
podemos falar de consensos subversivos - consensos que, se levados à prática,
transformariam espetacularmente a vida brasileira. Por exemplo: todo mundo
concorda que todos precisamos de um lugar onde morar. Mas por que até hoje isso
não aconteceu? Milhões de brasileiros, depois de 20 anos de governos
social-democratas, continuam amontoados em alojamentos deprimentes. Em nenhum
outro lugar a desigualdade social se expressa de forma tão clara e brutal
quanto na moradia. No entanto, a carência habitacional seria superada se os
donos do poder e do dinheiro conjuntamente o quisessem. Para enfrentar a crise
atual, precisaríamos de um governo que levasse o assunto a sério, de um
verdadeiro Ministério das Cidades, de prefeitos que não se comportassem como
agentes da especulação imobiliária, de uma verdadeira vontade coletiva de sair
do buraco. De uma verdadeira reforma urbana.
(...) Agora no 460° aniversário da cidade, o que São Paulo diz sobre nós? O que Salvador diz sobre o sr.? E, por fim, o que as cidades brasileiras dizem sobre o Brasil?
As cidades brasileiras estão vivendo hoje dias especialmente difíceis, de uma ponta a outra do País. Estão maltratadas, sujas, agressivas. Salvador parece uma mistura de cantora de axé, prostituta decadente e capoeirista bêbado, um vilarejo com elefantíase, com uma classe rica incomparavelmente grosseira e governantes que não têm ideia do que seja uma cidade. Às vezes, chego a pensar que a população atual de Salvador não está à altura da cidade que herdou, porque, se estivesse, não avacalharia tanto o lugar. Mas não penso que seja o fim do mundo. São Paulo também atravessa tempos muito conturbados, mas acho que está melhor do que Salvador. Prefiro mil vezes andar pelas ruas paulistanas do que pelas baianas. Para usar um clichê, São Paulo diz muito de nossa força e de nossa miséria. A cidade é bem maior do que seus governantes. E - ainda em termos banais, mas sinceros - acredito que, mais cedo ou mais tarde, essa força (humana, social, cultural) vá vencer a miséria física e reinstaurar a urbanidade perdida.
Fonte: Juliana Sayuri, “Em busca do urbanismo perdido”, “O Estado de S. Paulo”, Aliás, 26/1/14, p. 2.
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