É verdade que essas manifestações contra o aumento da tarifa
de ônibus em São Paulo conturbam a cidade. Vou um pouco mais longe e afirmo que
há algo de egoísta nos protestos, já que impingem a todos as reverberações de
uma agenda que não é consensual.
Uma sociedade democrática, entretanto, precisa aprender a
conviver com esse tipo de contratempo. A alternativa, que é impedir a
realização de atos públicos ou de condicioná-los ao beneplácito das
autoridades, me parece incomensuravelmente pior.
E a Constituição (art. 5º, XVI) assegura que todos podem
reunir-se sem armas em locais abertos ao público independentemente de
autorização. Alguém poderia argumentar que o constituinte exagerou, já que o
dispositivo permite a pequenas minorias impor grandes aborrecimentos à maioria,
mas agora Inês é morta. Em 1988, após mais de 20 anos de ditadura, consagrar a
liberdade de reunião era a coisa certa a fazer.
É claro que não existem direitos absolutos. Se é líquido e
certo que cidadãos podem protestar, também é fato que a propriedade, pública ou
privada, precisa ser preservada. Um manifestante tem o direito de resistir a
agressões policiais que considere injustas. Isso pode até envolver socos e
pontapés, mas é difícil perceber como o legítimo exercício da autodefesa passe
por queimar ônibus e destruir vitrines. Não há o que objetar na intenção do
governador Geraldo Alckmin de identificar os responsáveis por tais atos e de
processá-los.
Mesmo rejeitando os exageros e os atos de vandalismo,
deve-se reconhecer que protestos por vezes tonificam a democracia. E, para que
funcionem assim, é preciso garantir que movimentos reivindicatórios possam ter
lugar sem julgar o que os motiva. Não dá para criar uma lei que permita
manifestações como as das praças Taksim e Tahrir, mas não as da avenida
Paulista, só porque combater a tirania é uma causa mais nobre do que demandar
subsídios.
Fonte: Hélio Schwartsman, “Protestos em série”, Folha de S. Paulo, Opinião, 14/6/13, p. 2.
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